Família acolhedora é alternativa a abrigos
Programa prevê que crianças e adolescentes retirados de suas famílias convivam em ambiente familiar até que situação seja resolvida e eles possam retornar ao lar ou serem liberados para adoção

Na semana passada, o Jornal Semanal trouxe uma reportagem especial sobre adoção. Hoje traz uma reportagem sobre o Família Acolhedora, um programa que tem o objetivo de oportunizar uma convivência familiar às crianças e adolescentes em situação de risco, que são afastados, temporariamente, da família, em sua própria cidade para que tenham seus direitos garantidos, além de amor e afeto. O programa é uma prioridade legal, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na Comarca de Três de Maio, nenhum município possui o programa. Um dos motivos é a exigência de equipe técnica com exclusividade de atuação.
Trata-se de uma prática mundial que se tornou popular no mundo após a segunda guerra mundial como alternativa aos abrigos. No Brasil foi implementada nos anos 90. A lei prevê o período de um ano e meio como o tempo máximo que a família acolhedora pode ficar com uma criança ou adolescente. Eventualmente esse prazo pode ser ampliado.
No Brasil, mais de 29 mil crianças estão em situação de acolhimento. Mas apenas cerca de 1.400 delas vivem com famílias acolhedoras. Menos de 5%. Todas as outras vivem em lares ou abrigos, que eram conhecidos como orfanatos.
Para acolher uma criança ou adolescente, as famílias são previamente selecionadas e capacitadas. É necessário atender a uma série de requisitos, entre eles:
1. Residir no mesmo município em que ocorrerá o acolhimento;
2. Ter disponibilidade afetiva, emocional e tempo para cuidar de uma criança ou de um adolescente que ficará sob seus cuidados;
3. Não estar cadastrado no Cadastro Nacional de Adoção, nem ter interesse em adoção – o serviço de família acolhedora não prevê a adoção da criança que será cuidada;
4. Estar apto para participar prestando este serviço diversas vezes;
5. Lembrar da responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento deste indivíduo em um período difícil.
Comarca de Três de Maio não possui Programa Família Acolhedora
Em entrevista ao Semanal, a 2ª Promotora de Justiça de Três de Maio, Carolina Zimmer, informou que a Comarca de Três de Maio não possui o Programa Família Acolhedora em nenhum dos seis municípios (São José do Inhacorá, Boa Vista do Buricá, Independência, Alegria, Nova Candelária e Três de Maio).
De acordo com a promotora, nos municípios em que existe o programa, a equipe técnica deverá ser formada por profissionais da psicologia, assistência social e pedagogia, com exclusividade de atuação nos Programas, de acordo com as orientações técnicas da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS –, além de um coordenador com formação superior e com experiência na área da infância e juventude. “Com base na realidade do município de Três de Maio e demais municípios da Comarca, até o momento não houve discussão acerca da implementação do programa, acredito que especialmente diante da necessidade de existir equipe técnica com exclusividade de atuação nos Programas”, ressalta Carolina.
A Promotora explica que existe a Lei Estadual nº 15.210/2018, que permite que nos municípios de pequeno porte, onde se mostre inviável a criação de um programa próprio, poderão ser estabelecidos consórcios com outros municípios próximos para a formação da equipe técnica e estruturação, com a divisão dos custos. No entanto, Carolina diz que no momento não existem consórcios estabelecidos com outros municípios, como por exemplo, Santa Rosa, onde existe o Programa Famílias Acolhedoras.
Por esse motivo, quando as crianças e adolescentes da Comarca de Três de Maio necessitam de acolhimento, é verificado pela rede de proteção a existência de vaga em Instituições Acolhedoras, onde existe uma equipe multiprofissional apta a trabalhar com os menores acolhidos. “No caso da Comarca de Três de Maio, existe o Lar Bom Pastor de Ivagaci, em Boa Vista do Buricá, onde estão acolhidas crianças e adolescentes que pertencem à nossa Comarca”, informa.
‘Por ser uma Comarca com municípios de pequeno porte, quando crianças ou adolescentes necessitam de acolhimento, elas são encaminhadas ao Lar Bom Pastor de Ivagaci, em Boa Vista do Buricá’, explica a 2ª Promotora de Justiça de Três de Maio, Carolina Zimmer
Em Santo Ângelo, 149 crianças e adolescentes já foram acolhidos por famílias através do programa
Em Santo Ângelo o serviço de Acolhimento Familiar foi criado em maio de 2012. Até o momento, 149 crianças e adolescentes foram acolhidos. Sendo 104 crianças e 45 adolescentes.
Atualmente há 15 famílias inscritas que estão aguardando o acolhimento na Comarca de Santo Ângelo, que é composta pelos municípios de Entre-Ijuís, Eugênio de Castro, São Miguel e Vitória das Missões.
Até segunda-feira, o Serviço de Acolhimento contava com 34 Crianças/Adolescentes acolhidos com 22 Famílias Acolhedoras. A equipe técnica é composta por uma coordenadora, duas psicólogas, duas assistentes Sociais, uma Psicopedagoga e um Motorista.
Famílias Acolhedoras relatam suas experiências
A família formada por L. A. (37 anos) e C. A. (35 anos), de Santo Ângelo, tem dois filhos, e resolveu se tornar família acolhedora há 5 anos. O casal já está no quinto acolhimento, com uma menina de 9 anos, há 1 ano e 3 meses.
A decisão de se tornar uma família acolhedora surgiu quando o casal percebeu a importância da ação. “No início, quando nos inscrevemos, não entendíamos muito, mas logo percebemos o quanto é importante proporcionar uma nova realidade para estas crianças e adolescentes que por algum motivo foram afastados dos seus lares”, relata.
O casal destaca que os acolhidos aprendem a ter uma rotina, a ter seus pertences, brinquedos. “É feito um trabalho individualizado com cada acolhido para conhecer seus gostos, preferência de comida, medos, inseguranças e dificuldades na escola. E assim, junto com a equipe técnica do Serviço de Acolhimento, com todo carinho e cuidado, é realizado um trabalho para que essas crianças ou adolescentes se sintam bem durante esse período. É importante dar muito amor e ter o entendimento de que todas as crianças e adolescente trazem consigo uma história diferente, e precisam de toda atenção e ajuda, tanto da Família Acolhedora como da equipe técnica que nos acompanha”, explica.
“O sentimento de acolher é de gratidão. Isso é o que define nosso trabalho de acolhedores”, conclui a família.
Também de Santo Ângelo, o casal J. C. A. (48 anos) e P. R. B. (46 anos) tem cinco filhos, sendo que apenas uma filha mora com eles. “Estamos no primeiro acolhimento, mas somos cadastrados desde maio de 2019. Gostamos muito de crianças e por isso decidimos participar do serviço de acolhimento”, revela.
O casal acolhe três irmãos de 3, 5 e 6 anos há 1 ano e 10 meses. “Mesmo o acolhimento sendo temporário, sentimos muita alegria em poder dar um lar, atenção e carinho neste momento que eles precisam”, relata.
Acolhimento familiar traz mais benefícios
do que abrigos
O psiquiatra e pesquisador Charles Zeanah, da Universidade de Tulane (EUA), coordena um grupo que estuda os efeitos do acolhimento familiar. Fez a primeira grande pesquisa na Romênia. “Temos boas evidências que abrigar uma criança com uma família é muito melhor do que abrigá-la com um grupo. As crianças que estão com famílias desenvolvem menos distúrbios psiquiátricos e tem melhores relações sociais na adolescência”, afirmou em entrevista à um programa de televisão.
Diferença entre afastamento do lar por decisão judicial e disponível para adoção
Em 20 de agosto de 2020, no Brasil existem 31.751 crianças e adolescentes em acolhimento. Destas, 5.197 estão disponíveis para adoção. Os demais dos acolhidos não estão disponíveis para adoção, isso porque a medida é excepcional.
Primeiramente, nos casos de afastamento por decisão judicial diante de alguma impossibilidade de convívio com os pais biológicos tenta-se a reintegração da criança ou adolescente à família de origem. Nestes casos a criança ou adolescente permanece em acolhimento por um período de até 18 meses, tempo que pode ser prorrogado por igual período. Somente após esse período é que há a disponibilidade para adoção.
Programa Família Acolhedora
O Programa Família Acolhedora consiste em cadastrar e capacitar famílias da comunidade para receberem em suas casas, por um período determinado, crianças, adolescentes ou grupos de irmãos em situação de risco pessoal e social, dando-lhes acolhida, amparo, aceitação, amor e a possibilidade de convivência familiar e comunitária. A família de acolhimento representa a possibilidade de continuidade da convivência familiar em ambiente sadio para a criança ou adolescente.
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