As senhoras Centenáriasde Três de Maio
Olga Keller Beckert, com 103 anos completados em 25 de fevereiro de 2022, não aparenta ter mais de um século de vida. Bem humorada, falante e com muitas lembranças ainda bem presentes na memória, ela recebeu a reportagem do Semanal para falar sobre sua trajetória centenária.

Décima filha de doze irmãos – hoje todos falecidos –, Olga ultrapassou a idade da irmã Hilda Keller Schmidt, que chegou aos 102 anos e faleceu em maio de 2020. Em abril de 2019, as centenárias irmãs Keller foram pauta de reportagem especial do Semanal.
Pode-se dizer que Olga é um exemplo raro de longevidade. Até os 99 anos ela fazia questão de morar sozinha e realizava os afazeres domésticos. Contava apenas com ajuda para o serviço mais pesado na casa. Porém, em 2018, ela sofreu uma queda e fraturou a perna. A partir de então, passou a conviver com cuidadoras, que se dividem entre os períodos diurno e noturno.
Para se locomover, ela faz uso de um andador ou cadeira de rodas. A visão está um pouco prejudicada, mas, por outro lado, a sua audição está ótima, inclusive reconhecendo de longe as pessoas pela voz.
Dona Olga é a nossa terceira entrevistada. Na edição passada, foram as centenárias Erna Streck Hollweg e América Marchet dos Santos, que comemoraram um século de vida neste ano de 2022.
Tinha o sonho de ser professora, mas não pôde seguir os estudos
Nascida no dia 25 de fevereiro de 1919 na localidade de Condor, que na época pertencia a Palmeira das Missões, Olga teve uma irmã gêmea, que faleceu aos 28 dias de vida. Os pais, João e Elizabetha Keller, eram filhos de imigrantes alemães e tiveram 12 filhos.
Olga conta que tinha o sonho de ser professora. “Eu queria ser professora. Mas o pai não deixou. Ele dizia ‘os outros irmãos não estudaram, você também não vai’”, lamenta. A vontade era tanta que quando criança, o passatempo preferido era brincar de "dar aula". "Os meus alunos eram sabugos de milho. Eu tinha até uma lista de chamada”, recorda.
Como Olga não pôde realizar o sonho de ser professora, a filha Marise Dapper escolheu o magistério como profissão, para a alegria da mãe.
A centenária conta que há alguns anos, faz fisioterapia para fortalecer a musculatura, e viu no fisioterapeuta a oportunidade para realizar seu sonho. Ela conta que está ensinando alemão para o 'aluno'. “Ele até já canta em alemão”, diz orgulhosa a centenária.
Sofreu na pele a perseguição aos alemães na época do Nacionalismo
Entre os fatos marcantes da juventude, dona Olga lembra quando a polícia atirou contra um grupo de amigos que saíam de um baile, na época do Nacionalismo (durante a Ditadura de Getúlio Vargas), entre os anos de 1938 e 1945. Ela conta que por causa da Segunda Guerra Mundial era proibido falar línguas estrangeiras no país. "Como éramos todos descendentes de alemães, os policiais achavam que estávamos conversando em alemão e já foram disparando em nossa direção. O tiro deu de raspão. Por sorte deu só no meu vestido e no casacão. Foi um susto grande. O meu pai ficou muito bravo aquela vez. Depois nem baile teve mais. Mas esse tiro eu nunca mais vou esquecer”, conta ainda indignada com o acontecido.
Casal chegou a Três de Maio no ano de 1948
Olga casou com Willy Beckert, aos 29 anos de idade. O casamento foi no dia 19 de abril 1948 em Condor, e, dois dias depois - no dia 21 de abril -, o casal veio para região, que anos depois se tornou município de Três de Maio.
A filha Marise Beckert Dapper, que estava presente na entrevista, detalha que, antes do casal vir para Três de Maio, seu pai, que era de Panambi, procurou um lugar para trabalhar naquele município. "Meu pai tinha um curso de rádio técnico, feito por correspondência, mas não queria permanecer na região de Condor", revela. Na época, Willy conheceu um viajante que recomendou um lugar para ele ir morar – Três de Maio – na expectativa de que fosse progredir e ser um ótimo lugar para se viver. “Meu pai já havia se instalado aqui naquele tempo. Ele retornou a Condor somente para casar com a minha mãe”, diz Marise. “Nós viemos de caminhoneta até Três de Maio. O Willy já tinha a casa instalada, então viemos só com as roupas”, complementa dona Olga.
Da união, nasceram dois filhos: Marino e Marise. Anos mais tarde chegaram os netos: Rafael, Micheli e Maurício (filhos de Marino); Alberto e Felipe (filhos de Marise). A centenária tem duas bisnetas: Lívia, filha de Felipe; e Milena, filha de Micheli. Em 1993, o esposo Willy faleceu aos 76 anos.
Além de costureira, fez crochê até os 99 anos
A filha Marise lembra que quando ela e o irmão Marino era pequenos, o pai tinha uma firma, chamada Beckert, Lauer e Matzembacher, que não prosperou e foi à falência. "Foi a mãe que segurou as contas da casa com costuras, crochês e tricôs".
Dona Olga complementa a fala da filha. “Eu fiz muito crochê e tricô para vender. Até para parentes na Alemanha eu mandei meus trabalhos”, diz orgulhosa por sempre ter ajudado no orçamento da casa.
A filha conta ainda que na década de 1960, na época em que o prefeito de Três de Maio era Ceslau Sawitzki, o pai era conhecido por trabalhar como rádio-técnico, e com o surgimento dos telefones na cidade, convidaram seu Willy para fazer um curso em Porto Alegre na área, com a promessa de que trabalharia na prefeitura. "Ele fez o curso na capital gaúcha por cerca de três meses, retornou, mas não recebeu emprego e nem ajuda", diz a filha.
Quando Walter Ullmann assumiu como prefeito de Três de Maio, finalmente Willy foi trabalhar na prefeitura. "A partir daí, começou a trabalhar com telefonia, inicialmente na cidade, e depois atuou na construção de centrais telefônicas nas comunidades do interior do município, trabalhando com isso até o fim da vida, mesmo após a aposentadoria", conta a filha Marise.
Apesar do marido ter conseguido uma colocação profissional, dona Olga não parou de costurar. " Ela era uma costureira bastante famosa na cidade, costurava calças como ninguém. Tinha semanas que ela chegava a fazer 30 calças. Das pessoas que moravam por aqui na década de 1960, 1970, é difícil encontrar alguém que não tenha tido uma calça costurada por ela”, diz a filha.
Marise relembra que a mãe começou a costurar calças para homens e depois para as mulheres, quando elas começaram a usar calças lá pelas décadas de 1960, 1970. "Eram ‘slack’, pantalona, boca de sino. E minha mãe foi costurando até os 60 anos de idade. Com a aposentadoria parou de costurar, mas o crochê seguiu fazendo até os 99 anos", revela.
Sempre atenta às notícias
Dona Olga gosta de escutar as notícias, tanto na televisão como no rádio, além de conversar com a amiga, como ela mesmo adjetivou, "a mais formosa, Alcira". “As outras amigas já foram, antes de mim”, lamenta.
Participação na Oase e cuidados com a saúde
Evangélica, após o falecimento do marido, Olga começou a frequentar a Oase (Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas). “Gostava de ir. A gente cantava, participava das atividades... fui até os 99 anos."
Após os cem anos, ela foi algumas vezes, mas, pela dificuldade de locomoção e com a pandemia, deixou de participar dos encontros semanais.
Quanto à saúde, dona Olga não tem histórico de doença e poucas vezes esteve no hospital. Internou somente quando fraturou a perna e quando fez as duas cesarianas. Ela lembra que por ter feito as duas cesárias, não teve mais filhos. “Os médicos não faziam mais que duas cesarianas naquela época, então não tivemos mais filhos”, explica.
Com os exames sempre em dia, ela toma medicação apenas para controlar a pressão e a tireoide, e alguns complementos alimentares. Em relação à alimentação, busca sempre o mais natural possível. “Eu não consumo alimentos com conservantes, enlatados e nem carne de peixe, apesar de ter sido uma boa pescadora até alguns anos. E tento sempre manter meu bom humor”, brinca a idosa.
Versos e orações em alemão
Chegando ao final da conversa, dona Olga começou a conversar em alemão e fez questão de recitar a seguinte oração “Ich bin Klein, mein Herz ist rein, soll niemand drin wohnen als Jesus allein. Amen”. Em português, significa: “Eu sou pequeno, meu coração é puro, não é para ninguém morar dentro a não ser Jesus sozinho”.
Ela também aplicou uma pegadinha em alemão, que nosso reporter não conseguiu decifrar.
A tradição de falar em alemão ela mantém até hoje com os filhos e netos. Ela conta que o pai, a mãe e os manos só falavam em alemão, inclusive na escola o professor lecionava só em alemão. "Aprendi falar português com o tempo pela convivência com os peões - que só falavam português - do moinho e serraria que meu pai tinha".
Conselho de dona Olga
O principal conselho que dona Olga dá às pessoas para terem longevidade é para viverem em paz, ajudar o próximo e trabalhar. “Não fique de perna cruzada, se ocupe com alguma coisa”. A filha diz que o lema de vida da centenária é: “devagar se vai longe”.
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