Os contratos futuros de soja a preço fixo
Teoria da Imprevisão na ótica do Superior Tribunal de Justiça
A proximidade de mais uma safra e a disparidade expressiva de preços dos produtos fixados em contrato a termo trazem inúmeras dúvidas e questionamentos aos produtores rurais quanto a eventual descumprimento e suas consequências, bem como apreensão às empresas e cooperativas adquirentes da produção.
Não é de agora que existem movimentos de uma minoria de produtores rurais espalhados pelo País que visam revisar ou objetivam até mesmo extinguir tais contratos sob o fundamento da teoria da imprevisibilidade, arguindo questões como onerosidade excessiva, oscilação abrupta de preços, caso fortuito ou força maior.
Antes de mais nada vale lembrar que o contrato na modalidade de preço fixo só existe porque a volatilidade cambial e seus efeitos macroeconômicos podem oscilar os preços para cima ou para baixo. Se o preço fosse estável não existiria razão de existir tais contratos, de sorte que a própria natureza do contrato é justamente a imprevisibilidade da variação de preços do mercado.
Por estas razões, o produtor que opta por pré-fixar o preço dos produtos em contrato futuro o faz para garantir o custo da produção, e afastar os riscos da flutuação do câmbio na época da colheita/comercialização, onde a oferta é maior e os prêmios tendem a reduzir. De outro lado, os compradores e demais intermediários conseguem garantir a compra dos produtos a um valor dentro de suas expectativas e travar estes preços na Bolsa de mercadorias e futuros. Ou seja, o produto vendido pelo produtor a preço fixo é imediatamente vendido pelas empresas e cooperativas no mercado financeiro, que também está sujeito a penalidades.
Não se pode olvidar que esta modalidade de contrato é uma importante ferramenta de fomento ao agronegócio, utilizado como mecanismo de proteção da renda do produtor, que vende seus produtos no mercado com a intenção de se proteger da baixa de preços (operação de hedge), como aconteceu mais recentemente na safra 2016/2017, onde uma parcela significativa da produção (soja) foi vendida no mercado futuro ao preço médio de R$85,00 (oitenta e cinco reais) a saca e, na data de vencimento dos contratos o preço de mercado girava em torno de R$55,00 (cinquenta e cinco reais) por saca.
Logo, nessa situação o produtor que optou por vender a sua safra a preço fixo no contrato futuro lucrou além do preço nominal, cerca de R$30,00 (trinta reais) por saca, ou o equivalente a 55% de ganho capital.
Diferentemente do ocorrido no exemplo anterior, a presente safra está sendo marcada por contratos pré-fixados a preços bem aquém dos praticados pelo mercado interno, devido a fatores como a alta do dólar, oferta x demanda, guerra comercial e baixo nível dos estoques mundiais, além de outras variáveis.
Diante disso, no atual cenário de instabilidade de preços das commodities, aliado a fatores tido como extraordinários e excepcionais - peculiares da atividade agropecuária como a estiagem ou a alta dos preços -, surge para alguns a dúvida quanto à viabilidade jurídica da revisão ou extinção dos contratos futuros e quais as consequências jurídicas caso o contrato não seja cumprido pelo produtor.
Num primeiro momento vale destacar que a teoria da imprevisão utilizado como argumento para o não cumprimento dos contratos há muito vem sendo discutida e questionada nos Tribunais, em especial nos períodos de grande variação entre o preço fixado a termo e o preço de mercado na data de vencimento da obrigação de entrega do produto, notadamente quando desfavorável ao vendedor.
A respeito do tema é maciça a doutrina e a jurisprudência do STJ, no sentido de negar a possibilidade de revisão das cláusulas do contrato a preço fixo sob a alegação de disparidade de preços, ou eventos imprevisíveis, como por exemplo o caso fortuito ou força maior, sob o fundamento de que “os riscos e o desiquilíbrio são componentes próprios da natureza do contrato”.
Conforme se extai do julgamento proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, Relator do Resp 849.228/GO, “DIREITO CIVIL E COMERCIAL. COMPRA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. ELEVAÇÃO DO PREÇO DO PRODUTO. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INOCORRÊNCIA. (...) 2. Nesse passo, em regra, é inaplicável a contrato de compra futura de soja a teoria da imprevisão, porquanto o produto vendido, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação diária do preço é inerente ao negócio entabulado.
3. A variação do preço da saca da soja ocorrida após a celebração do contrato não se consubstancia acontecimento extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à revisão da obrigação com fundamento em alteração das bases contratuais.
4. Ademais, a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto. Em realidade, não se pode falar em onerosidade excessiva, tampouco em prejuízo para o vendedor, mas tão-somente em percepção de um lucro aquém daquele que teria, caso a venda se aperfeiçoasse em momento futuro”.
E, nesse sentido, como consequências lógicas pelo descumprimento do que fora pactuado em contrato, o produtor fica sujeito às cláusulas contratuais legalmente fixadas a título de cláusula penal, multa moratória, e ainda a arcar com a denominada cláusula de washout, através da qual a empresa ou cooperativa pode cobrar, a título de indenização, a diferença apurada entre o preço do contrato pré-fixado à época de sua contratação e a cotação vigente na data prevista para a entrega do produto.
Com efeito, a referida cláusula nada mais é do que uma indenização para o caso de não-entrega do produto, já que a empresa compradora tem a necessidade de repassar este produto às tradings, necessitando com isso recomprar o cereal no mercado ao preço praticado na data de vencimento, com vistas a honrar o compromisso subsequente.
Decerto que embora o STJ tenha assentado entendimento contrário à revisão dos contratos futuros a termo para os casos retro mencionados, não se desconhece o direito de as partes levarem tal inconformidade ao Poder Judiciário para discutir tais questões.
No entanto, cabe ao produtor rural prudência para avaliar os riscos dessa ação judicial sobre o enfoque econômico e da boa-fé objetiva, bem como responsabilidade do profissional do Direito de bem orientar o cidadão para evitar o ajuizamento de ações temerárias, que possam causar ainda mais prejuízos e perdas ao homem do campo.
Cleverton Luis Balbé dos Santos é advogado do escritório Balbé Advocacia, Bacharel em Direito pela Instituição de Ensino Superior de Santo Ângelo – IESA. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera e Pós-Graduando em Direito Agrário e Agronegócio pela Fundação do Ministério Público.
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