Consignados sem autorização trazem prejuízos a beneficiários do INSS

Em levantamento feito pelo Jornal Semanal nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da microrregião – Três de Maio/São José do Inhacorá, Independência, Alegria, e Boa Vista do Buricá/Nova Candelária –, pelo menos 105 aposentados ou pensionistas do INSS foram vítimas de empréstimos consignados realizados sem autorização. O número é somente daqueles que levaram o caso à entidade. Uma das vítimas do golpe descobriu um empréstimo feito em 86 parcelas de R$ 383, para serem descontadas diretamente de seu benefício, ou seja, uma dívida de R$ 32.938,00. Além de gastos financeiros e tempo desperdiçado, o golpe gera um grande abalo emocional nas vítimas

Consignados sem autorização trazem prejuízos a beneficiários do INSS
Aposentada Edite Crestani Ruppenthal, 58 anos, descobriu que foi vítima do empréstimo consignado indevido ao acessar o aplicativo do banco onde recebe o benefício do INSS

Golpe dos empréstimos consignados não para  de crescer entre os beneficiários do INSS

Pelo menos 105 aposentados foram lesados na microrregião de Três de Maio, segundo levantamento feito pelo SEMANAL  junto ao STR dos seis municípios

A aposentada Edite Crestani Ruppenthal, 58 anos, moradora de Consolata - Três de Maio, descobriu um empréstimo creditado em sua conta no início de junho deste ano, através do aplicativo do banco no qual é creditado seu benefício. “Verifiquei o extrato e vi que meu benefício entrou, mas não aparecia. Fui no banco, saquei o valor do benefício e olhei o extrato novamente. Aí vi que havia entrado mais de R$ 15 mil na minha conta. Fiquei apavorada e liguei para o banco para verificar do que era aquele dinheiro. Para minha surpresa, foi constatado que havia um empréstimo em meu nome”, relata a aposentada do INSS. 


A partir daí, ela começou a peregrinação para resolver a situação. Ligou para o banco que havia feito o empréstimo, mas como pediam muitos dados, ficou com medo e achou melhor encontrar outras formas para solucionar o caso. Entrou em contato com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, e descobriu que o consignado tinha sido feito em 86 parcelas de R$ 383, ou seja, estava com uma dívida de R$ 32.938,00. “Eu ia levar sete anos para quitar, além de pagar o dobro do valor do empréstimo, devido aos altos juros”, relata. Do Sindicato, Edite foi até a delegacia fazer um boletim de ocorrência, depois na Promotoria Pública mas, para agilizar o processo ela contratou uma advogada.


Com a advogada foi iniciado o processo contra o banco que autorizou o empréstimo. O dinheiro do consignado foi depositado em juízo e depois disso, o valor das duas prestações do empréstimo foram devolvidos. Agora, a aposentada aguarda a audiência do processo por danos morais que moveu por todo transtorno e desgaste emocional que o golpe causou.  

 

Aposentada Edite Crestani Ruppenthal, 58 anos, descobriu que foi vítima do empréstimo consignado indevido ao acessar o aplicativo do banco onde  recebe o benefício do INSS


Outra aposentada, de 56 anos, (que prefere não ser identificada), de Boa Vista do Buricá, também enfrenta os transtornos causados pelo golpe. A filha conta que num domingo de manhã do mês de maio estava na casa dos pais, quando o pai comentou sobre o caso de um aposentado de São José do Inhacorá que havia sofrido o golpe do empréstimo consignado. “Como o pai não sabe mexer no aplicativo do banco, meu marido que gerencia esse aplicativo. Quando ele abriu, percebeu o depósito de mais de R$ 13 mil. A surpresa foi tamanha que o pai logo disse: tá aí o golpe!”, relata.


Após se informar com o banco onde recebe o benefício, a aposentada e o marido contrataram um advogado. “Meus pais tiveram gastos e tempo desperdiçados, além de muito estresse. Segundo o advogado, a perspectiva é de que para o próximo mês não haja mais descontos”, diz a filha da aposentada. 


Estes são apenas dois relatos, dos muitos golpes que tem dado dor de cabeça a muitos aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de Três de Maio e região. 


Conforme levantamento do Jornal Semanal com os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais dos municípios da microrregião (Três de Maio, São José do Inhacorá, Alegria, Independência, Boa Vista do Buricá e Nova Candelária), mais de 100 pessoas tiveram empréstimos consignados creditados em suas contas sem solicitação. Estes números são somente dos casos que chegaram até os STRs. Muitos aposentados e pensionistas que foram lesados, foram diretamente a um advogado. Portanto, o número de pessoas atingidas pelo golpe é muito maior. 


Esta é uma modalidade de empréstimo que tem suas parcelas descontadas automaticamente do salário ou do benefício do INSS, sendo que muitas vezes o desconto ocorre antes mesmo do dinheiro entrar na conta do correntista. 
O Semanal também entrou em contato com a delegacia de polícia de Três de Maio e constatou um grande aumento no número de registros. Diante da situação, consultou um advogado para verificar como a pessoa deve proceder quando perceber que foi vítima do golpe do empréstimo consignado.

 

Em São José do Inhacorá, cerca de 30 vítimas do golpe buscaram ajuda junto ao STR 

Em entrevista ao Semanal, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Três de Maio e São José do Inhacorá, Anisia Trevisan, afirmou que muitos casos chegaram ao Sindicato. “Não temos o número exato das que sofreram o golpe, pois muitas pessoas foram direto nos advogados, nem passaram por nós. Em São José do Inhacorá foi em torno de 30 pessoas e em em Três de Maio cerca de 20, mas sabemos que este número é bem maior, e aos poucos vamos identificando novos casos”, relata.


Em um dos casos de São José do Inhacorá, um aposentado teve quatro empréstimos consignados no valor de R$ 15 mil em seu benefício. “A pessoa não ia ter dinheiro para pagar as prestações”, explica. De acordo com Anisia, muitas vezes as pessoas levam um choque e não sabem por onde começar a procurar ajuda. “Na verdade, para solucionar é só através da Justiça, quando o valor é bloqueado e o aposentado consegue receber, se por acaso já tenha descontado alguma parcela”, orienta.


Ela lembra que a Fetag está empenhada em resolver essa situação junto ao governo federal. “A nossa decisão é de bloquear esses consignados. Até foi falado em fazer através de assinatura digital, que a pessoa consiga comprovar sua assinatura para então ter mais certeza de que foi realmente o aposentado que fez o empréstimo. Esse roubo de dados nem o INSS está conseguindo descobrir como estão fazendo”, explica a dirigente sindical.

 

“O negócio ilícito deve ser desfeito pelas próprias instituições bancárias e o INSS”, diz delegado 

De acordo com o delegado de polícia de Três de Maio, João Vittório Barbato, existem várias ocorrências em Três de Maio, Alegria e Independência de empréstimos consignados sem autorização. “Normalmente nós não temos instaurado procedimentos, porque são feitos créditos nas contas, que não foram pedidos e as instituições bancárias podem, com esse empréstimo, desfazer a negociação, já que foi feita sem a autorização do correntista”. 


O delegado explica que o negócio ilícito deve ser desfeito pelas próprias instituições bancárias e o INSS. “E, se houver o entendimento (da vítima) que quer ressarcimento, que quer processar o (s) autor (es), nós estamos no aguardo. Até agora não houve nennhum pedido aqui da DP”, revela Barbato. 


O delegado ressalta que precisa ser feita uma investigação interna para ver de onde parte e como essas instituições têm meios para fazer empréstimos sem o consentimento da vítma. “É uma infração mais administrativa propriamente, com a utilização indevida de dados”. Segundo Barbato, “quando há efetivamente um prejuízo que não possa ser ressarcido às vítimas, como  por exemplo, quando é feito um empréstimo e o valor nem se quer é creditado para o beneficiário, aí nós instauramos o procedimento. Mas, no geral estamos no aguardo das próprias instituições financeiras e do próprio INSS”, finaliza.

 

Municípios                                                       Número de casos*
Três de Maio                                                     20
São José do Inhacorá                                      30
Alegria                                                               25
Independência                                                  10
Boa Vista do Buricá e Nova Candelária       20

 

Como bloquear empréstimos no “Meu INSS”

Na sua conta virtual “Meu INSS”, acione a opção que bloqueia os empréstimos consignados. Se essa ferramenta estiver ativa, novas operações de crédito não poderão ser averbadas no benefício. Caso o aposentado realmente necessite de empréstimo consignado tempos depois, o desbloqueio pode ser feito rapidamente no Meu INSS.

 

Como funciona o golpe

Advogado Douglas Wazlawick

 

De acordo com o advogado Douglas Wazlawick, do escritório W&D Advogados Associados, “muitas empresas têm obtido dados sigilosos de clientes e abordado com malícia e estratégia para a realização de empréstimos consignados, sendo que recentemente se descobriu que alguns empréstimos são realizados até mesmo sem consulta ao correntista”, ressalta.


Ele explica que os idosos são as maiores vítimas em razão de sua natural vulnerabilidade, já que “em geral os golpes são realizados por telefone e de forma dissimulada, com abordagem maliciosa e disfarçada, muitas vezes tendo início com uma simples conferência de dados”.


A forma como o empréstimo consignado é feito, sem conhecimento e sem assinatura das pessoas ainda é uma incógnita, mas o prejuízo é certo. E não fica apenas no financeiro, tem o susto inicial e toda a correria necessária para provar o golpe e se desfazer das prestações. “Não se sabe como, mas algumas instituições financeiras estão obtendo dados sigilosos de pensionistas e de pessoas recém-aposentadas, sendo que, com esses dados em mãos, as empresas realizam as consignações, a maioria de valores mais baixos, até R$ 3 mil, de forma que a contratação de advogado e o ingresso em juízo acaba sendo dificultada em razão dos custos, o que faz com que muitas pessoas acabem deixando o desconto consignado para não ter novos gastos ou incômodos”, conta o advogado.


Segundo o Código de Defesa do Consumidor, a vítima tem o direito de cancelar o empréstimo sem nenhum ônus, ou seja, com a devolução das parcelas debitadas indevidamente de seu salário. 


E ainda, conforme o advogado, é possível pedir indenização, quando a situação tem desdobramentos que extrapolem os meros dissabores e aborrecimentos da vida cotidiana, alcançando um dano moral indenizável. “Os bancos e instituições financeiras são responsáveis por prestar um serviço eficiente e sem falhas, sendo que se isso não for cumprido é possível a responsabilização pelos danos e prejuízos causados”, justifica. 

 

Casos aumentaram mais de 260% em 2021

O advogado ressalta que aumentaram muito as reclamações sobre empréstimos consignados não autorizados no ano de 2021, sendo causa constante de consulta nos escritórios de advocacia.


De acordo com levantamento do portal Reclame Aqui, apenas nos quatro primeiros meses do ano,  o número de reclamações sobre empréstimos consignados sem autorização do cliente, aumentou em 266%. Em 2020, o portal registrou 649 reclamações de janeiro a abril. Neste mesmo período de 2021 o total foi de 2.374 reclamações.

 

Fetag-RS pede bloqueio de todos os consignados

Na última segunda-feira, foi realizada uma audiência pública que debateu soluções para a fraude do empréstimo consignado contra aposentados e pensionistas do INSS, na Comissão do Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados. O tema foi proposto pelo deputado federal gaúcho Heitor Schuch.


De acordo com a Fetag-RS (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul), no Estado, foram inúmeras as denúncias, principalmente de agricultores e pecuaristas familiares, gerando inúmeros transtornos e prejuízos financeiros. 


Na ocasião, a representação do INSS afirmou que o problema está sendo investigado pela Polícia Federal para que se descubra como os golpistas estão tendo acesso aos dados dos pensionistas. O Instituto afirma que documentos e assinaturas estão sendo falsificados e que, portanto, exigir a assinatura física do pensionista no ato de contratação do consignado não iria solucionar a questão. Para isso, está sendo discutida a certificação digital que valide a assinatura.


A Fetag-RS encaminhou recentemente ao INSS, uma demanda solicitando o bloqueio de todos os consignados, até que uma solução definitiva seja encontrada, mas ainda não obteve retorno. “No nosso entendimento, os consignados precisam ser bloqueados imediatamente. Quem precisar do consignado, teria que ir até à agência e solicitar pessoalmente o crédito”, considera o presidente da Federação, Carlos Joel da Silva.