Um amor de sete décadas
O ano de 2024 marca as Bodas de Vinho do casal Arnaldo Langaro, 94 anos, e Célia Wirchrkowki Langaro, 88 anos. Um dos casais mais longevos de Três de Maio compartilha sua história nas páginas do Semanal, revelando como se conheceram, os segredos para manter a chama do amor e os hábitos do dia a dia que mantêm com uma saúde de invejar muitos jovens de 20 anos

Seu Langaro é natural de Vila Lângaro - um pequeno município com cerca de dois mil habitantes, localizado a 37 quilômetros de Passo Fundo - nasceu em uma família de agricultores, composta de quatro irmãos.
A vida escolar de Arnaldo, apesar de não concluir sequer o Ensino Fundamental, foi marcante. “Eu não concluí o primário, nem nada. Só a escola da vida. Com dez anos começamos a estudar em Vila Lângaro, em uma escola inaugurada há três meses. O único professor da escola era o senhor Manoel Teixeira. Um dia ele mandou todos os alunos irem à escola com o uniforme. Quando chegamos, colocou todos em frente ao colégio, hasteou a bandeira e todos cantaram o Hino Nacional. Depois ele entrou no colégio, se deu um tiro e se matou. Foi um fato marcante para toda a comunidade. Como ele era o único professor, ficamos sem ninguém para dar aula, e aí não estudei mais”, recorda.
O idoso diz que o fato de não ter tido a oportunidade de estudar não foi empecilho para sua vida.
Quando ainda criança, ele ganhou uma máquina fotográfica 6X9 de sua mãe, porém, não tinha filme. “Para fazer fotografias precisava de filme. Então - eu devia ter uns dez anos - plantei batatinha para negociar com a família Ugine em troca de um filme. Assim comecei a minha trajetória na fotografia. Certa vez, andei oito quilômetros a cavalo para tirar a primeira fotografia para ganhar dinheiro. A partir daí eu virei fotógrafo e fiz sucesso na vida”, recorda.
Amor à primeira vista
Arnaldo conta que seu pai havia dado cinco colônias de terra para cada filho. O irmão Alfredo acabou negociando e fez uma casa em frente à igreja, construiu um armazém, colocou uma loja e comprou um caminhão, fazendo uma sociedade com Arnaldo. “De 1943 a 1945 houve três anos de seca. Os rios do Peixe e Carreteiro secaram e os colonos deviam tanto para nós naquela época como a capital que nós tínhamos em nossa loja”, recorda. “Como havíamos ido mal com a loja naqueles anos, o meu irmão queria que eu cobrasse contas. Aí eu disse a ele: ‘Alfredo, eu não quero mais nem ver a cara de quem nos deve. Vou embora e começar uma nova vida’. Foi então que eu arrumei uns trocos e peguei uma carona, para Ivagaci, onde morava um sobrinho do meu pai ”, acrescenta.
Ele chegou a Ivagaci aos 21 anos, quando conheceu o amor da vida toda. “O pai da Célia tinha uma loja em uma esquina e as minhas parentes tinham uma loja na outra esquina, onde trabalhavam como costureiras. A Célia estava na casa das minhas primas quando a vi pela primeira vez. Ela tinha 13 anos, estava em pé, perto da máquina de costura. Eu peguei a mão dela e disse que um dia iria casar com ela”, recorda.
Em Ivagaci, Arnaldo começou a trabalhar como fotógrafo. “Eu revelava as fotografias. Naquela época se utilizavam vários produtos químicos, com uma chapa de vidro 13X18. Depois que eu tinha uma dúzia dessas chapas e que não podiam mais ser utilizadas para revelação, eu reaproveitava para fazer um quadro. Fazia um ziguezague com um pincel, colocava uma fotografia, colava uma florzinha, mandava para uma marcenaria e fazia a moldura. Depois eu saía a pé pela colônia para vender os quadros e assim ganhava mais um dinheiro”, relata.
Célia conta que queria estudar, fazer curso de datilografia. “Tinha paixão por bater tecla.”
A jovem menina veio morar em Três de Maio para estudar, retornando para Ivagaci somente no mês de outubro, para visitar a mãe. “Foi quando nos vimos novamente.”
Já aos 14 anos, Célia terminou os estudos e voltou para casa. “No início ficamos meio de olho um no outro, mas não conversávamos” , recorda sorridente.
Porém, pouco tempo depois começaram a namorar, vindo a noivar em 9 de outubro, dia do aniversário de Célia.
E em 26 de junho de 1954, ela com 17 anos e ele 24, se casaram. A data também é o dia do aniversário de Seu Arnaldo.
Em 1955 o casal mudou-se para Três de Maio, onde alguns anos depois abriram uma fábrica de quadros, alguns com imagens religiosas, como a de Nossa Senhora Aparecida. “Eu sei exatamente quantos quadros foram fabricados desse modelo pelo tipo de vidro que era específico para esse formato (com um vidro côncavo). Foram 500 mil quadros. Nós tínhamos 23 tipos de quadros e cada quadro tinha material de 11 fábricas diferentes. Com esses quadros eu deixei três vendedores ricos, consegui dar casa e formei meus filhos”, detalha Arnaldo.
O casal tem quatro filhos: Vera Luzia, Valmir Luis, Valmor e Vânia, oito netos e cinco bisnetos.
Fotos estão registradas em livro
As fotografias de Arnaldo, lá na sua cidade natal, foram para a produção de um livro sobre a Vila Lângaro. “Um dia veio um repórter que estava pesquisando sobre a minha cidade natal. Muitas das minhas fotos foram utilizadas por ele para a produção do livro, como também colheu dados comigo. Pegou cerca de 20 fotografias, depois me devolveu pelo correio”, conta.
As fotos estão no livro ‘Município de Vila Lângaro; Uma História de Sonhos, Trabalho e Fé’, organizado por Itamar Sapnhol, Helena Bedendo, Fernando Costella e Eneide Negri, o qual Arnaldo faz questão de mostrar. “Está no livro uma das fotografias de um casal de viúvos, que fiz em 1940, que tive que percorrer mais de oito quilômetros a cavalo para fazer, isso eu com apenas dez anos de idade”, acrescenta.
Arnaldo com o livro com fotos que fez quando tinha apenas 10 anos
Encontro com o governador de São Paulo
Entre as muitas histórias vividas, Arnaldo recorda de um fato ocorrido em São Paulo. “Eu embarquei na Maria Fumaça em Cruz Alta na segunda-feira e desembarquei em São Paulo na quinta-feira. Eu queria conhecer o Palácio do Governo. Lá eu estava hospedado em uma pensão e pedi para a dona onde era o local, que me explicou. Cheguei no Palácio Campos de Elíseos, onde dois guardas me barraram, dizendo que só poderiam entrar repórteres no Palácio. Foi então que me passei por um repórter, dizendo que havia esquecido os documentos no Tatuapé, do outro lado da cidade. E eles me deixaram entrar”, relata.
Isso foi um fato que marcou. “Eu banquei o repórter naquele dia. O governador da época era Porfírio da Paz. Eu falei que era repórter de Santa Rosa ao governador e ele me disse: ‘É a maior honra que eu estou recebendo hoje. Eu estou recebendo o primeiro repórter aqui’. Isso tudo há 69 anos atrás”, diz, orgulhoso do feito.
Pioneiros nas caminhadas de rua
Frequentemente o casal é visto fazendo suas tradicionais caminhadas pelas ruas de Três de Maio. Eles contam que tudo começou em uma viagem à praia. “Quando nós íamos a Camboriú, nós caminhávamos na praia. Nós devíamos ter uns 30 anos de idade em uma dessas viagens, aí eu falei pra ele: ‘mas por quê caminhar só na praia?’. E desde aquela época nós caminhamos aqui na cidade”, conta Célia.
O casal recorda que chegava a fazer corridas até Independência, totalizando 24 quilômetros de percurso. “Eu era muito doente do pulmão. Então um médico do Hospital Santo Antônio indicou eu fizesse força e caminhasse até que eu não pudesse mais. Isso iria fortalecer o pulmão”, acrescenta Arnaldo.
Ele ainda recorda de um período em que só chovia, quando ele pegava um guarda-chuva e Célia a sobrinha para fazer caminhadas. “Fomos até a Cotrimaio e voltamos. Aí um gritava: ‘O Langaro e a Dona Célia ficaram loucos, sair caminhar com esse tempo’”, conta, sorrindo.
Mas não é apenas caminhada que o casal pratica. “Nós fazemos exercícios desde quando levantamos da cama. Exercício de pedalar no ar, exercícios contra a parede, entre outros. Fomos os pioneiros em fazer caminhadas em Três de Maio. Não tinha ninguém que praticava caminhadas naquela época além de nós. Depois um padre seminarista começou e outras pessoas também” complementa Célia.
Inclusive seu Arnaldo demonstrou alguns de seus exercícios diários durante a entrevista, fazendo abdominais infra (quando se deita no chão e ergue-se as pernas para cima) e fazendo flexão no chão. “Faço 40 abdominais e o apoio, que é mais difícil, faço umas 15 repetições”, conta.
Dona Célia mostra como organiza os alimentos que o casal consome ao longo do dia
Casal segue rotina alimentar anotada em folha
Para explicar os cuidados com a saúde, o casal tem a pronta entrega uma folha com suas refeições. “Quando nós caminhávamos, as pessoas pediam como é nossa alimentação. Como perdíamos muito tempo explicando, fizemos uma lista. Então temos diversas cópias e vamos entregando para as pessoas. Somente no café da manhã são 22 produtos diferentes. Eu já perdi a conta, mas já passam de mil folhas distribuídas”, conta Arnaldo.
Célia mostrou sua despensa com os produtos organizados e contou sobre os benefícios e modos de preparo. “Nós tomamos de manhã canela com mel. Preparo colocando uma colherzinha de café com mel dentro de uma colher de sopa, depois colocamos canela em pó, de dez a doze chacoalhadas. Misturamos bem e tomamos. Isso é bom para melhorar a memória”, conta.
E a saúde segue em dia. “Eu fiz recentemente 17 exames de sangue, não mostrou nenhum problema de saúde. Em minha receita, com Dr. Eduardo, ele escreveu: atleta”, disse Dona Célia, que toma apenas três remédios e usa marca-passo.
Já Seu Langaro toma dois remédios. “Eu vou fazer 95 anos. Sempre achei que iria chegar aos 100 anos, mas eu vou chegar aos 105 folgado, com certeza”, projeta Arnaldo.
ROTINA DE REFEIÇÕES ALMOÇO: JANTAR: ATIVIDADE FÍSICA: |
Relação baseada na honestidade e sinceridade
Sobre o que é importante para manter uma relação duradoura, Célia logo disse que a honestidade é fundamental para a relação. “Honestidade sempre. Ser honesto um com o outro. Sempre com amor. Posso dizer que nós nunca brigamos e nunca dormimos separados, sempre juntos na mesma cama. Se um tem um probleminha, sentamos juntos e resolvemos, e sempre foi assim”, destaca. “A sinceridade em primeiro lugar”, complementa Arnaldo.
Aos jovens, Seu Langaro reforça que é necessário ter limites para tudo. “Eu sempre tive o entusiasmo. Sempre digo: ‘pode quem pensa que pode’. E na vida tem que ter limite para tudo. A maior parte das pessoas não tem limite para nada. Seja para dormir, para comer, para beber. É necessário ter limites. Passou dos limites, não dá certo. A sociedade de hoje está totalmente perdida. Você convida um amigo para jantar fora e a primeira coisa que os dois pensam é na bebida. O mundo entrou em um ritmo que é só bebedeira e festa. Mas o corpo humano tem que ser muito bem cuidado”, reflete.
Apesar de que Arnaldo entenda que a tecnologia seja incrível e que ela mudou com o tempo, ele acredita que mudou demais. “Ela é quem tem o celular. Mas você tem que ver: 95% do que vêm em um celular é piadinha. Vem cada besteira. Coisa de utilidade é muito pouco. A criançada passa na rua com o celular dando risada. Isso já é demais”, justifica.
Mágicas e palestras
O idoso também revelou e comprovou que é um bom mágico. Ao longo da entrevista, Seu Langaro foi mostrando truques com cordas e cartas. No auge de seus 94 anos, ele se mostra afinado com suas mágicas. Mostrou um baralho somente com noves de copas e, em um sopro, o baralho voltou ao normal. “Eu enchia salões para fazer as minhas mágicas e nunca cobrei a gasolina”, revela.
Além disso, Arnaldo era convidado para dar palestras. “Uma vez eu só falei das consequências da jogatina, em que a pessoa não tem responsabilidades e passa a noite inteira jogando. Contei a história de meu falecido pai, que era perdido no jogo, e sempre roubavam dele, um legítimo ‘pato’”, conta.
Ele conta um fato, que marcou a vida dele. “Tinha um senhor que olhava para mim. Era o dono da Chevrolet de Santa Rosa. Ele levantou, veio até mim e perguntou se eu era Arnaldo Langaro. Ele me abraçou chorando dizendo: ‘Faz 30 anos que o senhor deu uma palestra em Santa Rosa. Eu era o cara mais perdido no jogo. Chegava de madrugada e brigava com a minha mulher. Depois daquela palestra eu retornei para casa e jurei de joelhos à minha mulher que nunca mais iria jogar. Você salvou o meu casamento’. Esse sempre foi o meu maior pagamento”, recorda, emocionado.
Langaro demonstrou alguns truques de mágica ao longo da entrevista
Confira um de seus truques em um vídeo no link: https://www.instagram.com/p/DD7ETVpReK3/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==
Casal quer ser cremado
A intenção do casal é ser cremado quando morrer. “Eu já paguei a cremação e comprei uma gaveta para deixar nossas cinzas”, pontua Arnaldo.
Questionado sobre o porquê querem ser cremados, Seu Langaro respondeu: “O teu pai é vivo? O teu avô está vivo? E seu bisavô? E o tataravô? Com o tempo se perde tudo. Ali na sepultura já se perde tudo...... Agora deixa passar três ou quatro gerações. Tudo fica ali, abandonado, no esquecimento”, declara.
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