TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - A VILA QUARAIM - PARTE II
A VILA QUARAIM - PARTE II
Em seus primeiros anos, a comunidade que surgia na região do Quaraim se unia para enfrentar as dificuldades em um lugar coberto pela mata nativa e tomado por formigas e unhas-de-gato, reunindo-se em mutirões para abrir pequenas clareiras na mata onde pudessem plantar.
Após estes percalços iniciais, por orientação do padre Testani, fundou-se na Vila uma cooperativa com a intenção de comercializarem a melhores preços sua produção suína e de grãos. O primeiro presidente da cooperativa foi Miguel Helenco, natural de Campina das Missões, que anos antes havia conhecido e formado sociedade com o mascate Demétrio Danilows, natural de São Paulo, o qual acabou se casando com sua irmã, Eudóquia Helenco, quando o casal decidiu mudar-se para a Vila Quaraim, onde Demétrio, em suas andanças, havia conhecido um madeireiro chamado Frederico Dalberto, sendo o casal seguido por mais familiares de Eudóquia.
A cooperativa foi um passo importante para a comunidade. Em dias determinados, juntavam a criação de porcos de seus associados, que traziam os animais em carroças até a cooperativa, formando longas filas, e depois os embarcavam na carroceria de caminhões para serem levados até um frigorífico em Santa Rosa.
Com o agravamento dos problemas de saúde de Monsenhor Testani, o padre italiano José Radici passou a visitar mais constantemente o lugar. José Radici era conhecido como “o vigário da roça”, por ser o padre que se deslocava por várias localidades do interior levando os santos sacramentos e rezando missas.
Era um religioso extremamente rígido com as regras da moralidade e rigoroso disciplinador dos bons costumes. Excomungava aqueles que tentassem se casar com protestantes e não admitia mulheres sem véu cobrindo a cabeça durante as missas, principalmente durante a comunhão. Caso alguma descuidadamente tentasse, fazia sinal para que saísse da fila. Se alguma moçoila fosse à igreja com um vestido de alças sobre os ombros, pedia para que se retirasse do recinto e somente voltasse vestindo uma roupa com mangas cobrindo os antebraços. Vestidos, somente eram permitidos com o comprimento abaixo dos joelhos.
Radici chegava na comunidade sempre pela tarde. Nestas tardes, atendia as crianças e os jovens, à noite os homens casados e as senhoras, e na manhã seguinte reunia toda a comunidade para uma missa. Depois almoçava na casa de alguém previamente avisado e partia para outra capela.
A seis quilômetros da Vila haviam se instalado diversas famílias que seguidamente vinham até a comunidade assistir as missas ministradas pelo padre, mas como para muitos destes moradores, principalmente idosos, às vezes tornava-se difícil deslocarem-se até a Vila devido à distância, o padre resolveu criar uma outra comunidade no local onde viviam, e deu àquele aglomerado de moradores o nome de “Comunidade Nossa Senhora Auxiliadora”, resolvendo em definitivo o problema do deslocamento daquelas pessoas até a Vila Quaraim.
Nos anos em que frequentou a região, o padre José Radici fundou diversas comunidades, dando-lhes quase sempre o nome de santos, como Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora dos Navegantes e Nossa Senhora de Lourdes.
Em Nossa Senhora Auxiliadora, por orientação do padre, logo as famílias construíram uma pequena capela para as celebrações religiosas da comunidade. Entre as famílias que moravam no local à época, estavam os Calegaro, Dudar, Estopeira, Demboski, Cardoso, Lopes, dos Santos, de Almeida, Botton, Pasternack e Wirbitzki.
Foi ali que se criou Ângelo Calegaro, filho de Filipe Calegaro e Camila Conrad, casal que possuía ao todo nove filhos e, anos antes, havia se instalado próximo à sede da colônia Santa Rosa para ajudar na abertura de estradas na região. Algum tempo depois, por indicação de Miguel Metzka, inspetor de quarteirão da região de Medianeira, Ângelo Calegaro foi nomeado inspetor de quarteirão do Quaraim, e passou a ser o responsável por manter a lei e a ordem na localidade, pois as ocorrências de brigas e vinganças começavam a se tornar mais rotineiras no lugar.
Quando ocorriam festas na Vila, os homens preparavam com facões, espetos de pau, que buscavam nos arbustos espalhados às margens dos potreiros, para espetar as carnes que depois eram assadas sobre brasas dentro de longas valas cavadas na terra, a beira das quais eram colocados troncos de bananeira deitados, para poderem afixar os espetos. Os frangos eram assados em fornos de barro e depois de tudo pronto, as famílias sentavam-se ao chão debaixo de sombras para fazerem a refeição.
As festas comunitárias eram os momentos mais esperados por todos em Quaraim, mas uma delas acabou deixando marcas profundas na pequena comunidade que por muitos anos acreditou ter sido amaldiçoada por causa daquele fato.
Durante a quaresma, realizaram um baile no único salão de festas da comunidade, o salão do Sr. Simão Helenco, e isso, uma semana antes da vinda da imagem de Nossa Senhora de Fátima para a Vila, santa que peregrinava pelo interior, ficando pequenos períodos em cada comunidade.
O baile realizado era o chamado “Baile de Damas”, bastante tradicional na região, o qual tinha como uma de suas características principais ser um baile onde somente as mulheres tinham o direito de tirar os homens para dançar. Quando o padre José Radici ficou sabendo do baile, não poupou palavras no sermão que proferiu a todos durante a missa. Agravou-se mais ainda a situação o fato de que foi eleita a rainha do baile uma jovem que era a principal catequista da comunidade.
Assim, como forma de punir toda a comunidade, Radici envolveu a imagem da santa em um manto preto em sinal de luto, mantendo-a desta forma durante todo o período em que permaneceu na comunidade, o que deixou a todos, crianças, jovens e velhos, em grande pranto.
Uma semana depois, quando a imagem era levada para outra localidade, as pessoas que acompanharam em procissão a carroça que levava a Santa até os limites de Quaraim, assistiram perplexos José Radici tirar o manto da imagem da Santa logo após cruzarem a ponte do Lajeado Quaraim e adentrarem a região da localidade vizinha. Por coincidência, pouco tempo depois, o dono do salão onde ocorreu o baile de damas, Simão Helenco, viria a falecer em um trágico acidente quando retornava de kombi de uma pescaria juntamente com o Sr. Botton e Ângelo Calegaro, e acabaram colidindo com a traseira de um caminhão.
Logo, a necessidade de dar sentido ao que não deixava de ser só mais uma consequência da roleta de possibilidades da vida, fez muitos associarem aquele acidente ao castigo do padre José Radici.
Simão Helenco era irmão de Miguel Helenco, primeiro presidente da cooperativa então nomeada “Cooperativa Monsenhor Testani”, e também irmão de Eudóquia, já viúva de Demétrio Danilows, a qual passou a ser proprietária de uma imensa área de terras na Vila, a ponto de muitos afirmarem ser a Vila Quaraim dividida entre ela e Estevão Gonchorowski, que havia chegado ao lugar alguns anos antes, quando adquiriu doze hectares de terras na comunidade.
Com a emancipação do município de Três de Maio (15.12.1954), Estevão Gonchorowski doou um destes terrenos para a instalação de uma praça na Vila, e tempos depois, em 1958, com a escolinha Treze de Maio já velha e cheia de problemas, a viúva Eudóquia Danilowski, também doou um terreno de 20.000 m² para instalação de outra escola no povoado. Assim, foi instalada neste terreno uma nova escola que desde o Decreto N° 9.809 de 11/12/58 passou a ser denominada “Escola Estadual Rural de Esquina Quaraim Grande”, mudando mais uma vez de nome em 1978, quando passou a ser denominada “Escola Estadual de Primeiro Grau Incompleto Princesa Isabel”.
A localidade de Quaraim foi elevada a Distrito do município de Três de Maio no dia 22 de outubro de 1959, através da Lei Legislativa n° 09/59, momento em que a Vila passou a chamar-se oficialmente de “Esquina Aparecida”, e começou a ser urbanizada obedecendo a planta elaborada pelo agrimensor Felipe Anibaldo Portz.
Naqueles anos, o desenvolvimento da Vila Quaraim foi grande, surgindo ali um comércio pujante que se destacava em todo o interior do município. Não por menos, em 1962, foi o primeiro distrito a receber luz elétrica, através da CEEE, durante a administração do prefeito Germano Dockhorn (1960 – 1963).
Foi nesta administração também que construíram uma ponte de concreto sobre o Lajeado Quaraim, dando melhor acesso a comunidade para a estrada de rodagem próxima, já que a ponte anterior, feita de madeira e com uma plataforma mais elevada, fazia até mesmo os cavalos resvalarem em dia de chuva.
Também na administração de Germano Dockhorn, o professor João Müller, um dos primeiros professores da região, foi nomeado subprefeito do recém criado distrito. Joao Müller, nascido em 23 de junho de 1917, ainda bastante jovem, a convite de seu tio, Francisco Bodnar, mudou-se para a região de Medianeira a fim de prestar serviços de ensino na escolinha recém construída na localidade, a qual deram o nome de “Escola 7 de Setembro”, mas que ainda estava sem um professor.
Ali João Müller conheceu a jovem Maria Dembogurski e os dois se casaram em 1946, quando fixaram residência as margens do Rio Mosquito, onde tiveram oito filhos.
Foi neste período que o professor começou a lecionar na escolinha Treze de Maio de Quaraim, onde um tempo depois passou a ser auxiliado pelo professor Angelin Lugoch.
Após se mudar com sua família da propriedade que possuíam as margens do Rio Mosquito para uma nova residência construída na Vila Quaraim, o professor instalou a subprefeitura e o posto telefônico da Vila no imóvel, passando assim a acumular também a função de telefonista do distrito.
Depois de oito anos nesta função, foi convidado pelo prefeito Walter Ullmann (1969 – 1973) para cuidar do almoxarifado da secretaria de obras, junto ao recém construído parque de máquinas municipal.
Em 1971, por estar sempre envolvido com as atividades do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Três de Maio, João Müller se tornou presidente do sindicato, função na qual permaneceu até 1973, quando retornou às atividades do magistério na escolinha de Esquina Pértile, a fim de completar o tempo necessário para se aposentar.
Hoje os moradores da Vila Quaraim seguem alternando uma vida de trabalho e religiosidade com dias de animadas festas comunitárias que atraem sempre um enorme público até a região. Dias em que parece que o sossego do lugar se senta à sombra de uma árvore para deixar uma contagiante alegria, que inebria crianças, jovens e adultos, tomar conta de toda a Vila.

Casamento de Estanislau Zareski e Maria Onorina Gresele na década de 1950. Reunidos para a foto, diversos moradores de Quaraim a época, como Miguel Helenco e sua esposa, Alma, e Demétrio Danilows e sua esposa Eudóquia

Baile de inauguração da rede elétrica de Quaraim, em 1962. Na foto ao fundo, o prefeito Germano Dockhorn fazendo seu pronunciamento. Em primeiro plano, sentado à mesa ao centro, Ceslau Sawitzki meses antes de ser eleito terceiro prefeito de Três de Maio
Revisão do professor, dr. Leomar Tesche e do
historiador Orlando Trage.









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