O atual cenário do empreendedorismo: Compliance e Holding

O atual cenário do empreendedorismo: Compliance e Holding

Matheus W. Goularte*

O empreendedorismo é desafiador. A exposição aos riscos cíveis, trabalhistas e, principalmente, fiscais desestimulam essa jornada. O atual regime tributário, considerado como excessivamente complexo, não só onera o empresário com a suas alíquotas elevadas, mas também demanda a contratação de profissionais especializados para realizar a apuração fiscal de forma eficiente e manter a entidade em conformidade (compliance) com a legislação vigente.

Com o atual cenário contábil em tela, eu não poderia começar com outro assunto, senão a reforma tributária. Atualmente, estamos em um período de transição do atual sistema tributário em que serão substituídos, gradualmente, até 2033, o PIS, COFINS, IPI (com algumas ressalvas), IOF Seguros, ISS e ICMS por um IVA Dual (Imposto sobre Valor Agregado) composto pela Contribuição de Bens e Serviços (CBS), Federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) subnacional (de Estados e Municípios). Essa transição se iniciou em 2023 com a Emenda Constitucional 132 e será finalizada em 2033 com a extinção do ICMS e do ISS. Com todas essas mudanças e ainda outras que estão por vir, visto que os anos de 2024 e 2025 são os anos de regulamentação das Leis Complementares e das Leis Ordinárias, ressalto a inovação pelo mecanismo do SPLIT PAYMENT. 

O SPLIT PAYMENT vai ser um mecanismo inovador para garantir o pagamento do tributo ao fisco no momento em que o pagamento por meio eletrônico é realizado, ou seja, ao realizar uma venda e o seu pagamento for por PIX, cartão de crédito ou algum outro meio eletrônico, a própria instituição financeira que proporcionou essa transação fará a destinação do valor correspondente ao imposto para o fisco. 

Ainda, no que tange o atual cenário, é de extrema importância mencionar a criação da moeda eletrônica Brasileira, o DREX. Essa moeda digital será análoga ao Bitcoin, porém, regulada pelo Banco Central do Brasil. Nesse tocante, um dos seus objetivos é permitir maior rastreabilidade digital e atuar no combate a omissão de receita, sonegação fiscal e outros crimes financeiro e tributários. 

Por fim, cumpre destacar a era da inteligência artificial e a sua contribuição no combate à sonegação e omissão de receita. A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou em seu site oficial no dia 5 de setembro deste ano a criação de uma ferramenta inovadora de inteligência artificial e análise de redes complexas desenvolvida por auditores fiscais e analistas tributários. Na ocasião, foi mencionada que será uma ferramenta para “potencializar a análise dos dados fiscais e proporcionar um incremento considerável na capacidade de detectar fraudes e ilegalidades. Também oferece mais segurança na tomada de decisões e amplia a produtividade da atuação fiscal”.

Com isso tudo, é inegável o comprometimento do Estado em modernizar e tornar mais eficiente o sistema de fiscalização a fim de desestimular a omissão da receita e a sonegação de impostos. Nesse cenário, não aderir ao COMPLIANCE é cavar a própria cova. 

Uma vez mencionado as atuais mudanças do setor empresarial no tocante tributário, ressalto, mais uma vez, os riscos que implicam empreender. Inclusive, de perder o patrimônio familiar!

Embora, por si só a criação de um CNPJ com as características de ser LIMITADA (EMPRESA LTDA) ofereça proteção ao patrimônio dos sócios, uma vez que, em caso de dívidas, a empresa responde somente no limite do seu capital, não podendo atingir os bens dos sócios, há a figura da DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, principalmente no que diz respeito à CONFUSÃO PATRIMONIAL (previsão do Art. 50 do Código Civil). Um dos exemplos clássicos de confusão patrimonial é misturar as contas bancárias da empresa com as contas bancárias da pessoa física, ou seja, pagar contas do CPF pela conta bancária da empresa e fazer o recebimento de clientes pela conta da pessoa física.  Essas práticas permitem que credores da empresa acionem o patrimônio pessoal dos sócios, pois a independência entre o patrimônio empresarial e o pessoal foi desrespeitada. 

Assim, com a estratégia de distanciar os riscos da empresa operacional do patrimônio familiar, é extremamente importante fazer o uso do compliance e de algumas ferramentas de Governança Corporativa, como, por exemplo, as HOLDINGS que, inclusive, são citadas nos cadernos 12 (Caderno de boas práticas de Governança Corporativa para empresas de capital fechado) e 15 (Governança da Família Empresária) do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

As Holdings, termo em evidência atualmente, são ferramentas de governança corporativa que visam não só uma proteção patrimonial, mas também economia tributária, a viabilização sucessão familiar e empresarial e a estruturação da gestão com governança corporativa. 

ASSIM, DESTACAMOS:

PROTEÇÃO PATRIMONIAL: nesse aspecto trabalha-se o distanciamento dos riscos, sejam eles fiscais, cíveis e trabalhistas do patrimônio familiar. 

ECONOMIA TRIBUTÁRIA: a economia tributária acompanha as necessidades da empresa, tendo em vista as suas atividades. Por exemplo, em uma Holding Mista com atividade imobiliária tributada pelo lucro presumido gera o encargo de 5,93% sobre a venda. Já, caso essa venda seja na pessoa física, seria tributado conforme a tabela progressiva de ganho de capital da lei 13.259/16 – 15% (bens até 5 mi) sobre o ganho (diferença entre o valor que consta na declaração de imposto de renda ou escritura pública menos o valor da venda). Na questão do aluguel, deve-se recolher o IR mensalmente sujeito a tabela progressiva de imposto de renda que pode chegar até 27,5%. Em contrapartida, com uma Holding Mista com atividade imobiliária no regime do lucro presumido esse rendimento será tributado a 11,33%. Logo, uma redução tributária bem significativa.

SUCESSÃO FAMILIAR: no processo sucessório é planejado tanto a sucessão patrimonial quanto empresarial. Nesse processo é estudado a viabilidade da doação em vida com a reserva de usufruto conjuntivo aos patriarcas. Assim, os patriarcas mantêm os poderes políticos (de mandar na empresa e fazer toda a sua gestão), bem como receber as distribuições de lucros, caso tenha. Ademais, essa doação pode estar acompanhada de cláusulas protetivas, como a incomunicabilidade dos bens aos cônjuges do herdeiro, ou seja, os bens que os herdeiros recebem em doação com a incomunicabilidade em um eventual divorcio não poderão compor o rol de bens a serem partilhados. Outro exemplo seria a inalienabilidade para garantir que o bem permaneça sob o controle da família.

GOVERNANÇA CORPORATIVA: conjunto de práticas e políticas que visa garantir a gestão eficiente e a transparência na tomada de decisões. Para holdings patrimoniais, a implementação de uma estrutura de governança corporativa robusta ajuda a prevenir conflitos familiares, estabelecer regras claras para a sucessão e definir papéis e responsabilidades de cada sócio, promovendo a longevidade da empresa e a proteção do patrimônio.

Com tudo isso, cumpre destacar que o empreendedorismo é uma área desafiadora e que gera muitos riscos aos empresários. Esses riscos, quando uma empresa não adota as políticas de conformidade (compliance) podem ocasionar futuros passivos e, inclusive, ocasionar a desconsideração da personalidade jurídica. Nesse caso, os sócios acabam respondendo pelas dívidas da empresa e, portanto, podem ter todo o seu patrimônio familiar afetado. Assim sendo, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) orienta que seja feito um planejamento efetivo de distanciamento de riscos com a proteção patrimonial da Holding. 
 

Matheus W. Goularte tem MBA em Gestão Fiscal e Tributária e MBA em Gestão Financeira e Controladoria

 

*Sócio contador e Assessor Contábil Empresarial no Escritório Contábil Ullmann Contador CRC RS 102683/O MBA Gestão Fiscal e Tributária MBA Gestão Financeira e Controladoria