Pedofilia: “As crianças precisam ter consciência de que nem todos os adultos que se aproximam delas são bem-intencionados”
Promotora de Justiça Carolina Zimmer diz que orientação dos pais ou responsáveis e a informação são as principais ferramentas contra os crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes

No final de novembro, foi realizada uma operação de combate à pedofilia, com apreensão de materiais em Três de Maio. O caso acendeu um alerta para todas as famílias que têm crianças e adolescentes em casa. O perigo pode estar mais próximo do que se imagina.
O Jornal Semanal conversou com a promotora de Justiça da Comarca de Três de Maio, Carolina Zimmer, sobre os crimes de pedofilia nos seis municípios de abrangência da Comarca. Segundo ela, são inúmeras as ações judiciais com o propósito de responsabilizar os autores de pedofilia pelos delitos cometidos.
A pedofilia está entre as doenças classificadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) entre os transtornos da preferência sexual. Pedófilos são pessoas adultas (homens e mulheres) que têm preferência sexual por crianças – meninas ou meninos – do mesmo sexo ou do sexo oposto.
A Polícia Federal chegou a fazer alertas durante o ano para o aumento de denúncias dos crimes de pedofilia na internet ao longo do período de pandemia, no qual crianças e adolescentes passam mais tempo em casa, com disponibilidade de acesso à internet. Em comparação com o mesmo período do ano passado, no mês de março, o aumento das denúncias de pedofilia na internet teve aumento de 190%, totalizando 5.866 casos notificados.
Conforme a Associação de Combate à pedofilia na internet (Safernet Brasil), houve também um aumento de 89% de denúncias de pedofilia na internet no primeiro semestre 2020, registrando 46.278 denúncias, enquanto no primeiro semestre de 2019 foram registradas 24.480 denúncias.
Como é a realidade nos municípios da Comarca
A promotora de Justiça revela que durante a pandemia não foi percebido aumento significativo de casos de pedofilia que chegaram na Comarca, porém, segundo ela, não significa que não tenham ocorrido, já que muitos casos não chegam ao conhecimento das autoridades públicas. “De todo modo, em nível nacional, houve diversas reportagens alertando acerca do crescimento do número de casos”, observa.
Com relação ao tipo de pedofilia mais praticado na região, a promotora destaca que as denúncias que chegam ao conhecimento do Ministério Público, na maioria dos casos é pessoal e não virtual. “Além de pessoal, é cometido por integrante da família. Nessa toada, convém ressaltar que é sabido que, em muitos casos, especialmente naqueles em que a vítima é criança de tenra idade e nas condutas que se perpetuam ao longo dos anos, a criança não percebe, no início, que se trata de um abuso, já que confunde com alguma forma de carinho e atenção. Já tive casos em que isso foi dito expressamente pela vítima durante a audiência”, relata.
Orientar a criança é fundamental
Para a promotora, a principal ferramenta para evitar casos de pedofilia é a orientação aliada à informação. “As crianças precisam ter consciência de que nem todos os adultos que se aproximam delas são bem-intencionados”, enfatiza. Ela acredita que o grande problema consiste no fato de que a maioria dos abusadores é do próprio núcleo familiar, ou pessoas do convívio familiar muito próximo, razão pela qual já têm proximidade e certa confiança da criança, o que, consequentemente, torna mais fácil a aproximação.
O perfil do pedófilo
Através do seu comportamento, o pedófilo é retratado como um ser convincente e persuasivo, pois tem consigo uma postura constante de negação do delito, assume uma identidade perante à sociedade que não retrata desconfiança de sua idoneidade, por vezes, confundindo até profissionais, com suas táticas de exploração.
Para a promotora, é a consciência sobre a importância da imagem que transmite, que faz com que o indivíduo que abusa consiga conquistar a confiança da vítima, assim como de seus familiares e conhecidos, que estarão prontos para testemunhar e seguir confiando nele, mesmo após denúncias consistentes. “O abusador assume, geralmente, o papel de provedor da família, podendo ser o pai, padrasto, avô, tio, primos, irmãos ou, até mesmo, pessoas com um grau de afinidade familiar, porém não consanguíneo”.
Mudança de comportamento é o principal sinal
É preciso prestar atenção especialmente na mudança de comportamento da criança e do adolescente. Como regra, a criança abusada demonstra através de mudanças comportamentais. A promotora também considera importante que os pais verifiquem, na medida do possível, os contatos dos filhos (sejam amigos presenciais, sejam virtuais), sites visitados e chats acessados.
Quando os pais ou responsáveis, notarem algo errado, o melhor a fazer é conversar o quanto antes. A sugestão da promotora é de que os pais tenham uma conversa franca com o filho. Caso não surta efeito, ou os pais não se sintam aptos a tentar esse diálogo, a sugestão é procurar auxílio do Conselho Tutelar e/ou de um psicólogo, para que seja feita a abordagem inicial.
Diante da suspeita do crime de pedofilia, a família deve buscar o auxílio do Conselho Tutelar e também fazer o registro direto na Delegacia de Polícia. “A procura do Conselho Tutelar é muito importante para fins de encaminhamento para acompanhamento psicológico, que é fundamental nos casos de pedofilia”, explica Carolina.
O que acontece após a denúncia
“Além da aplicação das medidas de proteção aos menores, de processo visando à destituição do poder familiar e da possibilidade de afastamento do agressor, também é o momento da investigação do crime cometido. São esferas diversas, a da infância (protetiva) e a criminal, mas que podem andar simultaneamente”.
A promotora de justiça alerta que para evitar a revitimização, “é adequado ser pedido o depoimento especial da vítima, ouvida judicialmente por meio de profissional capacitado, o que por vezes ocorre como produção antecipada da prova, antes mesmo que o autor do fato seja citado para responder à ação penal pelo delito que cometeu”.
O depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária. Também conhecido como depoimento sem dano, é realizado de forma multidisciplinar – com auxílio especialmente de assistente social ou psicólogo –, permitindo um ambiente menos constrangedor e mais propício para a busca da verdade.
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