ECOS DO TEMPO: Elsida: uma vida de amor, trabalho e generosidade
Era um lindo dia de sol quando, de forma despretensiosa, Marli e Raineri começaram a falar sobre a mãe e sogra, dona Elsida Parkert Decker. O que parecia apenas uma simples conversa logo se transformou em uma história grandiosa e emocionante, carregada de lembranças, risos e lágrimas.
Enquanto relembravam a trajetória de dona Elsida, os olhos de Marli marejavam a cada memória, e a voz embargava a cada lembrança. Ao seu lado, o genro Raineri completava os relatos com ternura em cada detalhe, como quem também recebeu o privilégio de ser herdeiro dessa história de amor, força e generosidade. Era visível que falar de Elsida, era falar de amor, de força e de uma vida dedicada inteiramente à família
Hoje, aos 96 anos, Elsida está acamada e impossibilitada de falar. Por isso, é através da voz da filha Marli e do genro Raineri que sua história ganha vida, como se cada palavra fosse um fio de memória tecido com amor e gratidão.
Nascida em 1929, em Vila Deodoro, Venâncio Aires, Elsida ainda menina viajou com a família de carroça até Horizontina, onde construiu sua trajetória. Em 1949, casou-se com Arlindo Decker. Se conheceram em Horizontina, nos bailes de sociedade. Dizia a mãe que “foi amor à primeira vista”. Com Arlindo partilhou 56 anos de companheirismo – união que só terminou com a partida dele, em 2005. "Nunca vimos nossos pais brigarem, eram unidos e felizes", contou Marli, emocionada.
Mãe de quatro filhos – Ari, Clari, Marli e Amauri – Elsida viu sua família crescer com noras, genros, nove netos, treze bisnetos e até dois tataranetos. Uma família numerosa, que sempre encontrou na matriarca o coração e o alicerce.
Marli lembra com ternura das mãos incansáveis da mãe e com brilho nos olhos e um aperto no coração, lembra dos tempos em que a mãe preparava o pão de milho. "O aroma se espalhava pela casa e, ainda quentinho, era servido com nata fresca, cuidadosamente retirada com a desnatadeira manual", lembra.
Mas também cuidava das tarefas mais difíceis: tirava leite - todos os filhos ajudavam, cuidava da roça, criava animais e sempre mantinha o congelador cheio para alimentar filhos e netos.
Mas entre tantas doces lembranças, nenhuma supera as cucas que a mãe fazia – de coco, laranja, framboesa, keschimia e chocolate. As cucas se tornaram tradição na família; assim como os bolos e bolachas com manteiga, as bolachas pintadas, as chimias e as sobremesas de frutas que perfumavam a casa. Tinha sempre tudo em abundância. “Nossa mãe nunca teve preguiça para cozinhar, ela tinha prazer em servir e reunir a família”, diz Marli. Eram momentos simples, mas carregados de amor, que hoje se transformam em lembranças preciosas e inesquecíveis.
Elsida também era generosa, lembra Raineri. "Dividia até os troquinhos da aposentadoria com os filhos" e Marli complementa: a mãe guardava religiosidade e resignação na alma - É a vida, isso é a vida, temos que aceitar - repetia sempre, não lembra de ter ouvido a mãe reclamar.
Raineri recorda da bondade da sogra. "Ela tinha um coração imenso, sempre pronta a ajudar." E assim foi durante toda a vida – cuidando dos filhos, dos netos. Quando nasciam os netos, ficava até uma semana junto na casa pra ajudar. "Ás vezes ficava tanto tempo, que o pai vinha buscar", acrescenta a filha rindo.
Porém, a grande dedicação foi ao marido, a quem alcançou carinho, paciência e muitos mimos, mesmo nos períodos mais difíceis da doença.
Entre tantas lembranças, surge também a do jeito simples e cheio de amor de Elsida estar sempre perto dos filhos: quando ia capinar na horta, levava o celular dentro de uma sacolinha pendurada no pescoço, para nunca perder uma ligação. Uma cena que, ao mesmo tempo que arranca sorrisos, mostra o carinho imenso que sempre teve pela família.
Também havia momentos de pura alegria. Uma das maiores foi a construção de uma estufa de hortaliças, onde separava as mais bonitas para oferecer aos filhos e vizinhos. Outra alegria era o fusca verde, zero quilômetro, comprado em 1974 com muito esforço, após a aposentadoria. Marli dá os detalhes: "O fusca verde foi comprado quando o pai ainda estava vivo. Ele dirigiu até entrar no hospital, de onde saiu sem vida". Na época, a família morava em Lageado Seco e os filhos mais novos ainda estavam em casa.
O fusca verde permanece na família até hoje, onde é cuidado com muito carinho. Saudosa lembra em uma oportunidade que o neto trouxe até o Lar dos Idosos o fusca verde, que foi parte de tantas histórias da família. "Foi um dia inesquecível", lembra Marli.
Além do gosto pelo fusca, outra grande alegria era o dia do seu aniversário, que começaram a ser festejados depois da viuvez, quando os filhos, netos e amigos se reuniam ao redor da mesa para homenageá-la e desfrutar os quitutes feitos por ela. Era um momento de descontração e nesse dia, ela até se permitia tomar um chopp ou uma cerveja. Pequenos prazeres, como comer torresmo, que saboreava com gosto, tornava seu dia especial e feliz.
Ao falar da mãe, a filha se emociona. Lembra da força, da fé, da generosidade, da mulher que nunca mediu esforços para a família. Uma verdadeira 'agricultora raiz', que plantou não só alimentos, mas valores, união e amor. Os filhos foram muito bons. Como o pai era doente, a mãe sempre dizia 'não incomodem o pai'. Esse pedido era respeitado por todos, tamanha era a força dessa mãe.
Depois do AVC foi cuidada pelos filhos por seis ou sete anos. Hoje, Elsida vive no Lar dos Idosos. O motivo que veio para o lar é que não conseguia se alimentar e precisava de cuidados especiais. A decisão foi dolorosa, mas os filhos encontraram ali um espaço de confiança, cuidado e amor. No início, ela pedia para ir embora, mas logo se acostumou e passou a dizer que estava bem cuidada. 'Ela está sempre cheirosa, sempre limpinha', comentam Marli e Ranieri, aliviados por ver o carinho dedicado a ela.
Hoje, mesmo em silêncio e acamada, Elsida segue presente no coração da família. Sua voz pode ter se calado, mas sua vida continua sendo narrada com emoção por aqueles que a amam.
E assim, sob a luz de um dia ensolarado, o que começou como uma simples conversa transformou-se em um relato emocionante. E enquanto Marli e Ranieri relatavam cada detalhe, ficava claro que a história de Elsida não é apenas de uma mulher que trabalhou e cuidou da família – é a história de alguém que transformou sua vida simples em um legado grandioso, marcado por amor, dedicação e exemplo, de alguém que semeou amor, união e generosidade, deixando um legado que seguirá vivo por muitas gerações.
Os 90 anos de Elsida foram comemorados com toda família reunida









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