TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - O DIA EM QUE O PADRE VICENTE TESTANI SE TORNOU MONSENHOR

TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - O DIA EM QUE O PADRE VICENTE TESTANI  SE TORNOU MONSENHOR

O DIA EM QUE O PADRE VICENTE TESTANI SE TORNOU MONSENHOR

No dia 1° de janeiro de 1947, o ano se iniciou com a criação de duas fraternidades da Ordem Terceira de São Francisco de Assis em Três de Maio, por parte do frei capuchinho Silvio de Vacaria: as Fraternidades “Santo Antônio” e “Nossa Senhora Aparecida”. Logo, naquele mesmo mês, já eram feitas as primeiras vestições de terceiros pelo padre Silvio na comunidade da Rocinha. 
Fundada por São Francisco de Assis por volta de 1221, a Ordem Terceira Franciscana (atual Ordem Franciscana Secular) tinha por objetivo permitir que leigos vivessem segundo o carisma franciscano em suas vidas seculares, seguindo uma regra aprovada pelo Papa Nicolau IV em 1289, e reformada pelos Papas Leão XIII e Paulo VI ao longo dos séculos seguintes. 
Os freis capuchinhos haviam chegado a Três de Maio alguns meses antes, no dia 05 de maio de 1946, a convite do padre Vicente Testani, que solicitou auxilio a fraternidade capuchinha 'Provincia Capuchinha do Rio Grande do Sul' para que enviasse religiosos a Três de Maio a fim de trabalharem junto a paróquia em cooperação com o padre, que já começava a apresentar problemas de saúde, necessitando ausentar-se diversas vezes para tratamento em Ijuí.
Naqueles dias, começavam as aulas no primeiro curso Ginasial de Três de Maio (o curso ginasial correspondia ao período do 6° ao 9° ano escolar) no colégio das Irmãs Filhas do Sagrado Coração de Jesus, e logo houve a necessidade da construção de um novo ginásio, para separarem-se as meninas dos meninos. Os freis capuchinhos ficaram encarregados da construção do ginásio e posterior administração deste.  
Assim, no dia 18 de abril, chegava a Três de Maio o frei Libório de Santa Rosa, nomeado pelo Definitório Provincial como professor da ala masculina do até então Ginásio Pio XI, renomeado “Ginásio Dom Hermeto José Pinheiro” em homenagem ao Bispo da diocese de Uruguaiana (a qual Três de Maio pertencia à época) falecido em 1941. 
Após a chegada de frei Libório, os freis decidiram comprar uma bicicleta de segunda mão por Cr$ 850,00 (oitocentos e cinquenta cruzeiros) a fim de facilitar as idas e vindas do novo professor do ginásio. 
E foi durante um destes deslocamentos de bicicleta, mais precisamente na tarde do sábado, dia 03 de maio de 1947, que frei Libório viu chegar à Vila o secretário do bispo diocesano, Padre Bruno Traesel, dizendo estar trazendo consigo um documento que marcaria a história de Três de Maio, mas que deixaria para comunicar o conteúdo do documento no momento certo. 
No dia seguinte bem cedo, padre Bruno foi o celebrante da missa das 5h30, quando tratou sobre a construção do seminário menor de Uruguaiana, momento em que pediu a contribuição anual de Cr$ 1,00 (um cruzeiro) “per capito” durante cinco anos aos fiéis locais, mas sem revelar naquele momento a principal informação que trazia em nome do bispo de Uruguaiana. 
A missa das 9 horas fora rezada pelo padre Vicente Testani, e foi nela que o secretário leu para todos uma portaria pontifícia que conferia ao vigário o título de “Monsenhor, Camareiro Secreto do Santo Padre”, e após, leu também a carta congratulatória do Sr. Bispo de Uruguaiana, o mesmo se repetindo na missa das 10 horas, para júbilo de todos que correram para felicitar o recém intitulado “Monsenhor Testani”. 
Um padre se torna monsenhor quando é condecorado pelo Papa como um reconhecimento por seus serviços à Igreja, geralmente mediante recomendação do seu bispo. O título é uma distinção honorífica, não uma patente superior, portanto, não confere autoridade canônica maior que a de um padre comum, sendo concedida a sacerdotes que demonstraram serviços virtuosos e duradouros para a igreja, exatamente como o padre Testani procedeu durante toda a sua vida religiosa. O título também permitia o uso de certas vestes clericais, como a batina negra com frisos e faixa violáceos e um barrete negro com borla violácea. 
O título de Monsenhor foi criado no século XVII por Urbano VIII (pontificado de 1623 a 1644), com várias classes que foram posteriormente aumentadas por diversos Papas. O termo "monsenhor camareiro secreto do Santo Padre" referia-se a uma posição honorífica e cerimonial na Cúria Romana, que em 1968 foi abolida e substituída pela honraria de "Cavalheiro de Sua Santidade", conferindo aos agraciados o título de "Reverendo Monsenhor". 
Antigamente, os Camareiros Papais, que podiam ser padres ou leigos, prestavam auxílio pessoal ao Papa e participavam de cerimônias oficiais. Era praxe o camareiro servir ao papa pelo menos uma semana por ano durante alguns cerimoniais litúrgicos ou estatais de cunho oficial.
Até 1968 existiam quatorze classes de Monsenhor, incluindo quatro graus de Protonotários Apostólicos, um grau de Prelados Domésticos, quatro graus de Camareiros de Sua Santidade e cinco graus de Capelães de Sua Santidade. 
Nas homenagens que foram prestadas no salão da Ação Católica naquele dia, falaram o seminarista Abrahão Dezem, o Frei Libório, Teodora Gomes e  Mariano Loro, presidentes da Ação Católica. Após o terço da tarde, Monsenhor Testani e o secretário do Bispo foram até a residência dos padres capuchinhos para uma visita de cortesia, quando lhes foi servido um chá, e após, despediram-se também com muita cordialidade, apesar de naquele momento já estarem acontecendo algumas rusgas  entre Testani e os capuchinhos. 
No início de julho daquele ano, frei Libório combinou com a comissão do ginásio para aproveitar as férias de julho percorrendo a colônia em busca de ofertas para a construção do ginásio, quando decidiu-se que Mariano Loro, pessoa de extrema confiança de Testani, o acompanharia nesta empreitada. 
No decorrer de todo aquele mês, frei Libório e Mariano Loro percorreram vários locais no interior, visitando diversas famílias e dando a benção em diversas moradias, e nos últimos dias de férias, faltando ainda serem visitados muitos outros lugares, já haviam conseguido a soma de Cr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzeiros), o que, nos mês seguinte, em sociedade com as Irmãs Filhas do Sagrado Coração de Jesus, os possibilitou alugarem uma olaria de propriedade da viúva Germina Spillari, por 25 contos, com direito a todas as benfeitorias que porventura levantassem e a 2 milhões de tijolos para serem utilizados nas obras do ginásio. 
Assim, começou-se a fabricação dos tijolos e a preparação da madeira necessária para o andamento das instalações, e a comissão autorizou frei Libório a fazer-se substituir, nas aulas, pelo seminarista Abrahão Dezem, toda a vez que a direção dos trabalhos o exigisse. 
Nos meses que se seguiram, frei Libório e frei Nicolau, trabalharam arduamente para erguer o mais rapidamente possível os galpões da olaria, quando, no dia 18 de novembro, estando todos à mesa para uma refeição, chegou inesperadamente à residência dos capuchinhos o padre provincial, coberto pelo pó da estrada, todo suado pelo calor e pelo peso das malas, causando extremo alvoroço entre todos. O principal motivo de empreender uma viagem de 230 quilômetros até Três de Maio, foi de discutir com Testani e com o engenheiro responsável pela obra, algumas imprecisões verificadas no projeto do ginásio cuja direção seria assumida oficialmente pelos capuchinhos no ano seguinte. 
Três dias depois o padre provincial foi embora e os trabalhos na olaria foram retomados, iniciando-se também a construção de duas novas fornalhas. Mas naquele momento o destino dos freis capuchinhos em Três de Maio já estava selado, pois Monsenhor Testani, contrariado pela ousadia do padre provincial em questionar a forma como algumas coisas estavam sendo conduzidas com relação às obras do ginásio, convidou os padres de uma congregação missionária italiana que haviam chegado há poucos anos ao Brasil para assumirem os trabalhos na paróquia como coadjutores: os padres do Instituto Missões Consolata. 
Logo, os padres da Consolata assumiram também os trabalhos junto a construção do ginásio, quando os freis capuchinhos decidiram se mudar para Ijuí, e desta vez, Monsenhor Testani certificou-se de que o segredo que mantinha a três chaves com os senhores Mariano Loro e Walter Ullmann, sobre a construção do ginásio, não fosse questionado, e assim as obras puderam ter sua continuidade sem grandes transtornos.
Porém, em 1949, já com sua saúde bastante debilitada, Monsenhor Testani retornou para sua terra natal, Piacenza, na Itália, onde viria a falecer alguns anos depois, e coube a Mariano Loro, Walter Ullmann e alguns poucos mais chegados, manterem o segredo sobre um detalhe que havia por trás do andamento daquela obra. 
Em 1950, quando o ginásio já estava com suas paredes todas erguidas, faltando apenas o telhado, sobreveio um enorme temporal sobre Três de Maio e a obra foi toda ao chão, não restando um tijolo sequer no lugar. 
Mas a união de forças fez com que, pouco mais de dois anos depois, tudo fosse reconstruído, sendo o Ginásio Pio XII finalmente inaugurado no dia 9 de setembro de 1952. Esta foi a última obra implementada em Três de Maio por Monsenhor Testani,  Camareiro Secreto da Sua Santidade.

Participou das pesquisas para elaboração deste artigo 
o Dr. Professor Leomar Tesche.
Revisão do Historiador Orlando Vanin Trague

 

Monsenhor Testani viveu seus últimos anos na Itália, onde 
veio a falecer no dia 9 de janeiro de 1955