Amélia: um coração cheio de amor e fé

A história de hoje é contada por Loreni, filha mais nova de Amélia. "O nome da nossa mãe é Amélia do Amorim Siqueira, tem 92 anos. Ela nasceu na localidade de São Miguel, Independência, lugar em que morou durante toda a sua infância, em um tempo em que a vida era dura, mas cheia de união. Lembro das histórias que ela mesma contava: como ajudava os pais na lavoura, como a família vivia do pouco que tinham – porcos, galinhas, tudo para o consumo de casa. Naquela época, não havia igreja nem salão por perto. Era um lugar isolado, mas onde se aprendia a valorizar cada conquista.
A nossa mãe foi uma das mais velhas entre cinco irmãos. Não falava muito das brincadeiras da infância, mas sei que faziam bonecas de espiga de milho, brinquedo que guardava o sabor da simplicidade. Estudou pouco, o suficiente para aprender a ler e escrever, mas isso nunca a impediu de ensinar e orientar os filhos com sabedoria. Costurava as próprias roupas e as nossas, com paciência e capricho.
Foi na vizinhança que conheceu nosso pai, Bastião Soares Siqueira. Casaram-se numa festa bonita e, juntos, formaram nossa família. Vieram os filhos: Orlando, João, Dirceu, Maria e eu, Loreni. Depois vieram os netos – Vanessa, Viviane, Pedro, Mônica e Carla. A perda da Vanessa, no ano passado, foi uma dor imensa para todos, especialmente para a vó. Hoje, o bisneto, filho de Vanessa, leva adiante esse amor de família.
Nossa vida foi feita de mudanças. Moramos em Esquina Araújo, Esquina Sutil, depois em Mato Queimado. Mais tarde, já aposentados, nossos pais se mudaram para Três de Maio. Lá viveram anos tranquilos, até que, há 16 anos, nosso pai nos deixou. Depois disso, minha mãe foi cuidada pelos filhos, especialmente pelo Orlando e Dirceu, que moraram com ela, mas sempre rodeada pelo carinho de todos os filhos.
Mas a vida também trouxe dores profundas. A perda do nosso irmão João foi o golpe mais duro que ela enfrentou. Acredito que, depois disso, nossa mãe perdeu parte da alegria de viver. Ainda assim, nunca deixou de ser a mulher serena, amorosa e de fé que sempre foi.
Nossa mãe gostava de receber as vizinhas, de servir chimarrão e bolo. Era religiosa, batizou todos os filhos, nunca deixava de ir à missa aos domingos e rezava o terço com devoção. Gostava também das novidades: usava celular para falar com filhos e amigos e não perdia a novela. Sempre dizia que não sentia saudade do passado, pois lembrava-se do trabalho pesado de lavar roupa no rio, puxar água do poço e viver sem energia elétrica. Para ela, a vida na cidade era melhor.
Além de nós, filhos, a mãe também cuidou dos netos com muito amor. O Pedro foi um dos que mais recebeu sua atenção, mas Mônica e Carla também estiveram sob seus cuidados.
Há três anos, com a saúde enfraquecida, ela precisou ser levada ao Lar dos Idosos, onde recebe atenção profissional. Foi uma decisão difícil, mas necessária. Ela não fala mais, nem abre os olhos, mas acredito que esteja lúcida e nos sente quando a visitamos. Sempre que podemos, estamos lá, ao lado dela.
Para mim e meus irmãos, minha mãe é exemplo de garra, fé e amor. Foi guerreira em todos os momentos, passou por muitas dificuldades, mas nunca deixou faltar nada para os filhos. Foi e continua sendo uma pessoa de coração generoso, que cuidou de filhos e netos com a mesma intensidade de amor."
Quando a entrevista terminou, os olhos marejados de Loreni me mostraram que nem sempre é preciso voz para contar uma história. Amélia, mesmo em silêncio, fala através da memória dos que a amam. Fala de amor, de lutas, de fé e de simplicidade. Seu silêncio, na verdade, é um eco do tempo — que continua ressoando em cada filho, neto e bisneto que dela herdou não apenas o sangue, mas também a força e a ternura. Saí dali com a certeza de que o silêncio dela não apaga sua presença — ao contrário, a torna ainda mais forte na memória e no coração de quem a ama.
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