Família três-maiense abre as portas da casa e do coração para duas jovens nigerianas
O que leva uma família a abrir as portas da sua casa e acolher alguém que nunca viu na vida antes? Qual o sentimento que move uma família a cuidar, como filhas, jovens estrangeiras, vindas do outro lado do mundo, com idiomas e hábitos totalmente diferentes?
Não sei o que você pode estar pensando neste momento, mas creio que a resposta para esta pergunta se defina em uma palavra: empatia, ou seja, se doar ao outro, se colocar no lugar do outro, praticando atos de bondade, compaixão, amor. É estar atento às necessidades do próximo e, na medida do possível, ajudar de alguma forma.
Roque e Mireia Bohnen, residentes em Consolata, Três de Maio, sabem bem o que a empatia representa para a família. No ano de 2016 acolheram a nigeriana Blessing Chiyenum Opute, então com 15 anos, que veio ao Brasil por meio de um intercâmbio do Rotary Clube. Sua permanência na cidade foi por um período de 11 meses, dos quais três morou na residência da família. Depois, Bless, como é chamada, retornou para Nigéria, concluiu o Ensino Médio e, no ano de 2019, voltou a Três de Maio, sendo acolhida mais uma vez por Roque e Mireia.
No início do ano, chegou à família Bohnen Yewande Aisha Aina, da cidade de Lagos State, também da Nigéria. Ela veio através da Embaixada Brasileira na Nigéria.
Nesta reportagem, conheça a história da família Bohnen e a relação de amizade, amor, carinho e acolhimento das filhas nigerianas Bless e Aisha
Mireia e Roque Bohnen são pais de Lucas, 29 anos, assistente de planejamento estratégico do Sicredi, de Helena, 24 anos, acadêmica, e Mateus, 33 anos, que atualmente mora em Portugal.
Mireia conta que, no ano de 2016, a filha Helena foi para o Canadá através do Intercâmbio do Rotary Club de Três de Maio. E, por este motivo, se colocaram à disposição para serem família anfitriã para receber jovens que estivessem realizando intercâmbio no Brasil.
Assim, a Blessing, na época com 15 anos de idade, após passar um período com a família de Cristiano e Grasiela Rambo, veio para a casa de Roque e Mireia, onde permaneceu por aproximadamente três meses. “Nesse período, o carinho e amizade se fortaleceu entre nossa família e Blessing. Naquela oportunidade, ela manifestou o desejo de retornar para o Brasil para morar e buscar novas oportunidades”, diz Mireia.
Com o término do intercâmbio, Bless, como é chamada, teve que retornar ao país de origem. Mas o contato foi mantido e a família Bohnen não mediu esforços para que a jovem pudesse retornar a Três de Maio. Com auxílio de um funcionário da Embaixada Brasileira na Nigéria, o casal providenciou toda a documentação para que Bless viesse para o Brasil com visto de estudante. O retorno aconteceu em 2019, e novamente ela foi acolhida pela família Bonhen.
Roque destaca a importância do auxílio da Setrem neste processo. “Somente foi possível obter o visto de estudante com o auxílio da Setrem e da disponibilidade do diretor Sandro Ergang, que proporcionou uma bolsa de estudos para Blessing no Curso Técnico em Comunicação Visual. Sem este suporte e acolhimento não seria possível a sua vinda. Somos – nossa família e Bless – muito gratos, pois é uma oportunidade única estudar em uma escola tão bem conceituada”, ressalta.
A vinda de Aisha para o Brasil
Aisha veio através da Embaixada do Brasil na Nigéria. Mireia conta que o funcionário da Embaixada do Brasil na Nigéria, após auxiliar na organização da documentação da Bless, continuou em contato com a família. ”Desde 2019 mantemos uma ‘amizade virtual’, e diante do sucesso obtido pela Bless, ele nos questionou se estaríamos dispostos a acolher outra jovem nigeriana”. Desta forma, Mireia e Roque auxiliaram a Aisha na organização da documentação, possibilitando a vinda dela para o Brasil.
O casal confessa que, inicialmente, não tinha ideia de acolher outra jovem. “Porém, diante do pedido de Adeniran (funcionário da Embaixada), que nos relatou as dificuldades que os jovens nigerianos têm de construir um futuro naquele país, nos tocou profundamente, e desta forma aceitamos o pedido e acolhemos Aisha em nossa casa.”
O objetivo do acolhimento, conforme Mireia, seria possibilitar oportunidades de trabalho e de estudos, já que o país de origem não oferece tais oportunidades. “Assim, novamente o diretor da Setrem foi parceiro e concedeu bolsa de estudos para Aisha no Curso Técnico em Agropecuária, inclusive com bolsa de trabalho, o que tem contribuído muito para a permanência dela no Brasil”, explica Mireia.
Antes da vinda de Aisha para Três de Maio, foram inúmeras as conversas por vídeoconferência, o que possibilitou conhecer a jovem, seus pais e seus irmãos, enfim, conhecer um pouco mais sobre a família da jovem que iriam acolher, além de informações culturais. “A família de Aisha agradeceu e confiou que a filha estaria em uma família acolhedora. Após uma longa e cansativa viagem, Aisha chegou ao Brasil em janeiro deste ano. Aqui ela fez aulas de português e foi se adaptando aos costumes, comidas e se familiarizando com o ‘jeito brasileiro’”, frisa Mireia.
Depois de quase um ano no Brasil, Aisha consegue se comunicar razoavelmente bem e desde novembro mora sozinha. Mas, nos finais de semana, ela retorna ‘para casa’, onde gosta de estar para matar as saudades.
Roque e Mireia contam que o objetivo desde o início sempre foi que as jovens pudessem ‘caminhar com as próprias pernas’. “Logicamente, com o nosso apoio e suporte. No caso de Aisha, este passo é muito importante para o crescimento pessoal; e ela está lidando bem com essa ‘nova fase’, pois aos 19 anos é a primeira vez que está longe dos pais, em outro país e morando sozinha”, avalia.
‘Nem sempre é fácil ter empatia, mas temos
a certeza que estamos fortalecendo laços
de amizade, carinho, amor e cuidado com
o próximo, sentimentos que transcendem
fronteiras geográficas e étnicas
“Quando abrimos as portas de nosso lar para acolher essas duas jovens nigerianas, nosso objetivo não era apenas oferecer um ambiente acolhedor, mas também proporcionar a elas a oportunidade de acesso à educação e desenvolvimento profissional. Nosso compromisso é proporcionar a elas oportunidades, transcendendo fronteiras e quebrando barreiras culturais. Essa iniciativa não enriquece somente as vidas das meninas, mas contribui para nosso crescimento pessoal também”, destaca o casal.
Roque e Mireia acrescentam que o sentimento que têm é de estar contribuindo minimamente e de alguma forma para a construção de uma sociedade mais inclusiva, onde as diferenças são celebradas e transformadas em forças, já que os desafios são muitos: idioma, cultura, comida, vestuário, clima, entre outros, tanto delas quanto da família. “Ao contribuir na educação da Blessing e de Aisha, nossa família não só amplia horizontes individuais, mas também semeia o crescimento de futuras profissionais capazes de impactar positivamente em nossa cidade. Nem sempre é fácil ter empatia, mas temos a certeza que estamos fortalecendo laços de amizade, carinho, amor e cuidado com o próximo, sentimentos que transcendem fronteiras geográficas e étnicas”, conclui o casal, que no momento não pensa em novos acolhimentos. “Mas, quem sabe?”
Blessing está construindo a vida e uma família em Três de Maio
Em oito anos, a vida da nigeriana Blessing Chiyenum Opute mudou por completo. Da sua chegada ao Brasil, em 2016, aos 15 anos, através do intercâmbio do Rotary Club, até o ano de 2023, ela realizou muitas conquistas e, inclusive, o sonho de subir ao altar com o brasileiro Jonas Cesar Seleprim.
Blessing conta que sua vinda para o Brasil foi uma escolha muito significativa para ela, pois deixou sua família na Nigéria e veio atrás de seus sonhos e crescimento pessoal e profissional. “O programa do intercâmbio do Rotary mudou completamente minha vida, e graças às famílias dos rotarianos – famílias Rambo e Bohnen –, que me acolheram com muito amor e carinho”.
Atualmente, a jovem já concluiu o Curso Técnico em Comunicação Visual na Setrem e está cursando bacharelado em Administração na Faculdade Setrem. Ela também já fez vários cursos complementares, como de Excelência em Atendimento ao Cliente, de Extensão de Moda e, recentemente, de operadora da caldeira na Lactalis, onde atua profissionalmente. “A vinda para o Brasil foi a melhor escolha da minha vida, pois aquela decisão lá atrás está impactando o meu presente e moldando o meu futuro”, diz a jovem.
Bless fez o próprio vestido de noiva
Bless destaca que conheceu o marido por rede social. Foram dois anos entre conversas virtuais e encontros presenciais, até a decisão de subir ao altar no dia 30 de setembro de 2023, em uma linda e emocionante cerimônia e confraternização no jardim da propriedade da família Bohnen, em Consolata, interior de Três de Maio. “O Jonas morava em Santa Rosa, mas é natural de Cândido Godói. Primeiro ele puxou assunto e duas semanas depois nos encontramos pessoalmente. Fomos nos aproximando cada vez mais. Logo ele me pediu em namoro e dois anos depois decidimos casar e construir nossa família”, conta Bless.
Uma das paixões da nigeriana é a costura, profissão na qual atuou por algum tempo em fábricas de Três de Maio. Ela também costurou roupas femininas sob medida.
Durante a preparação para o casamento, e com a habilidade na costura, Bless teve a ideia de confeccionar o próprio vestido de noiva. “Durante o processo falei para meu noivo: ‘quero fazer o meu vestido; algo simples, mas elegante, que vai representar o meu trabalho’”, relata.
O resultado, segundo ela, ficou surpreendente. “Eu queria me desafiar com isso, e o resultado ficou espetacular”, comemora, ressaltando que muitos foram os elogios ao vestido.
Gratidão à família Bohnen
Para mostrar a gratidão e reconhecimento à família Bohnen, Bless entrou na cerimônia de casamento com o ‘pai Roque’. “A opção de entrar com o Roque foi escolha minha e também uma forma de mostrar como sou grata a ele e à Mireia por tudo que fizeram por mim e por nosso casamento. Roque sempre foi um pai cuidadoso, me trata com muito carinho, mesmo jeito que ele trata os filhos dele. Até na ‘arte’ de fazer sanduíche no café da manhã para mim, no jeito de me ensinar. É um homem que trata todos com muito respeito e amor”, destaca a jovem, que lamenta que os pais e a irmã não conseguiram vir ao seu casamento.
Sobre os planos para o futuro, Bless adianta que ela e o marido querem terminar a construção da casa própria, continuar trabalhando e estudando, entre outros projetos. “Quero concluir a minha habilitação de motorista A/B, que já estou fazendo; abrir minha empresa de moda. E também queremos ter filhos e conhecer outros lugares do Brasil”, conclui Blessing, que agora já se considera uma três-maiense.
‘Desde criança ouvia falar do Brasil.
Minha vinda para o país era uma prioridade,
mas nunca imaginei que iria realizar tão
cedo’, diz a nigeriana Aisha
Yewande Aisha Aina, 20 anos, oriunda da cidade de Lagos, na Nigéria, está vivendo a “maior experiência” da sua vida. Distante mais de 7 mil quilômetros de casa e da família – do pai Isiaka Olayinka Aina, da mãe Idowu Oluwaseun Aina e dos irmãos Samuel, 14 anos, e Opemipo, 11 –, desde janeiro está morando em Três de Maio.
Até novembro ela permaneceu na casa da família de Roque e Mireia Bohnen, quando então decidiu morar sozinha, o que trouxe novos desafios. “Morar sozinha não é fácil. É a primeira vez que isso acontece em minha vida. Mas sempre que posso estou com minha família ‘adotiva’. Tenho muita ajuda da família Bohnen e não me sinto sozinha. Essa decisão me mostra que estou crescendo”, afirma a jovem.
Na Nigéria, Aisha ajudava a família em fábrica de design têxtil em dias de feriados e férias escolares, além de auxiliar na rotina familiar e nos trabalhos domésticos com os irmãos.
“Meus pais possuem uma fábrica onde fazem design têxtil. É um trabalho incrível, que garante a renda e atende às necessidades da nossa família. Meus pais e irmãos são adoráveis e gentis. Sou grata a Deus por me dar uma ótima família”, garante a jovem, que ajuda os pais desde os 13 anos.
Segundo Aisha, embora sua cidade seja um local tranquilo (sem brigas, perturbações ou qualquer cenário ‘maluco’) para morar, o país está carecendo de oportunidades de emprego para os jovens. “Quando um estudante termina a universidade, é muito difícil conseguir um emprego. Essa é uma das razões pelas quais a maioria de nós, nigerianos, vamos à diferentes países procurar melhores oportunidades de trabalho”, justifica.
A vinda ao Brasil e a bolsa de estudos na Setrem
Aisha conta que desde criança ouvia falar do Brasil. “Tornei prioridade minha vinda ao Brasil. Inicialmente, talvez, era para vir de férias, ou conhecer o país, ou talvez estudar. E quando meu pai me perguntou se eu queria ir para o Brasil, eu me empolguei e na hora disse que sim”, recorda.
A jovem revela que, quando chegou em terras brasileiras, foi bem estranho. “É como se eu fosse um bebê vindo ao mundo. Ainda bem que minha nova família me tratou como filha e nunca me senti sozinha. Minha ‘mãe’ Mireia, meu ‘pai’ Roque e meus ‘irmãos e irmãs mais velhos Lucas, Helena e Bless’, fizeram me sentir em casa, incluindo seus amigos”, declara, dizendo que será eternamente grata a eles por toda ajuda e suporte.
Uma das maiores dificuldades da nigeriana é em relação à comunicação. “Estou dando o meu melhor para aprender e entender mais a língua portuguesa. Consigo entender o que as pessoas dizem, mas ainda não consigo responder em português. Mal posso esperar para começar a falar fluentemente! Agora também consigo ler em português”, explica.
A jovem também agradece a oportunidade dada pela Setrem. “Estou estudando o Curso Técnico em Agropecuária na Setrem e trabalhando com horticultura na instituição, com plantio de algumas hortaliças e flores”.
Blessing teve direito a chá de despedida de solteira, preparado pelas irmãs Aisha e Helena
Planos para o futuro
Sobre sua adaptação, Aisha comenta que “as coisas estão indo bem, contudo, há momentos difíceis”. Mas ela entende que a vida não é feliz o tempo todo, pois há momentos bons e outros ruins, mas em todos estes momentos há oportunidade de crescimento e aprendizado. “Estou perfeitamente satisfeita do jeito que as coisas estão para mim agora”, destaca.
A jovem diz que a família ‘adotiva’ representa muito para ela. “Um milagre é o que eles representam na minha vida; eles são meus pais, e quero muito que eles tenham orgulho de mim”.
Para o futuro, Aisha tem grandes sonhos e perspectivas. “Sempre disse para mim mesma que antes dos 30 anos quero ser líder, quero ser empresária unipessoal e é por isso que estou estudando agricultura. Quero ser uma mulher de negócios e um dia ainda pretendo atuar como atriz. Adoro a carreira de atriz; acho incrível”, diz Aisha, otimista.
Ela diz que ainda não sabe se vai permanecer no Brasil, mas no momento quer ficar por mais um tempo e, inclusive, brinca que vai depender “se encontrar um marido”, finaliza a jovem nigeriana.
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