A poeira nas chuteiras de Jesus, o sapateiro
Nascido em 28 de setembro de 1932, Jesus de Maria Gonçalves da Silva, cresceu em Ijuí, jogando bola com os irmãos e amigos no quintal de casa. Em 1948, aos 16 anos, foi convidado a ingressar na equipe juvenil do Esporte Clube São José, de Ijuí, disputando campeonatos varzeanos. Dali para frente, não parou mais. Jesus, o sapateiro, entrou para a história do futebol três-maiense como o jogador que marcou o primeiro gol em Botais
A partir dessa edição, uma vez por mês, o Semanal conta a trajetória de um jogador que fez história no futebol de Três de Maio.
Começamos com Jesus de Maria Gonçalves da Silva, o famoso sapateiro Jesus.

Em 1948, Jesus recebeu a primeira proposta de jogar futebol. Na época, com 16 anos, ele foi convidado a ingressar na equipe juvenil do Esporte Clube São José, de Ijuí, para disputar campeonatos varzeanos.
Aos 18 anos, chegou a hora de servir ao Exército. Morando em Ijuí, ele foi alocado para a unidade do quartel em São Borja. Lá, o vice-comandante de seu pelotão fazia parte da diretoria do Internacional de São Borja, e, ao descobrir um certo talento no jovem Jesus, o levou para jogar no clube. Mas Jesus não se ajustou muito bem com aquela equipe e resolveu tentar jogar pelo time rival do Internacional, o Cruzeiro de São Borja.
Depois de dois treinos, já estava adaptado ao time. Ao ser perguntado se estava servindo ao Exército em São Borja, ouviu: “Bah, mas então tu não podes jogar aqui no Cruzeiro, porque o presidente do Internacional é do Exército! Se você vier jogar aqui vão mandar te prender!”. O comentário foi feito em tom de brincadeira, mas mesmo assim, aquele fato realmente impossibilitou que Jesus jogasse naquele time.
Convite para jogar no Oriental
Quando retornou do Exército para a cidade de Ijuí, Jesus foi convidado a fazer parte do time do Esporte Clube Gaúcho, de Ijuí, onde jogou de 1952 a 1953, período no qual conheceu Artur Nagel, que estava estudando em Ijuí e na época era um dos dirigentes do Oriental Futebol Clube de Três de Maio. O dirigente acabou convidando o jovem jogador para vir a Três de Maio jogar no Oriental e Jesus prontamente aceitou.
Jesus chegou em Três de Maio quando o município havia acabado de se emancipar, mas não em definitivo. Vinha somente nos fins de semana, porque durante a semana ele trabalhava em uma fábrica de chinelos de Ijuí, pois precisava se sustentar (os jogadores não recebiam remuneração).
Inicialmente chamou a atenção que o lugar era bem diferente de Ijuí. Em Três de Maio havia luz somente até a meia-noite e, após isso, as pessoas buscavam a iluminação de suas residências com de lampiões ou velas.
Até que vieram os comentários do tipo: “Como é que tu aguentas essa correria, Jesus?”, e então Jesus decidiu aceitar a proposta de Artur Nagel para vir se estabelecer com uma sapataria em Três de Maio, para assim ficar mais perto do clube. Jesus tinha pouca experiência no assunto e não soube como continuar com o negócio, que não vingou.
Torneio estadual de 1956
Naqueles dias, começavam a se levantar as cercas no entorno do campo do Oriental, que era totalmente aberto. A Federação Gaúcha de Futebol (FGF) veio a Três de Maio para organizar um torneio em séries. Seriam feitas chaves com seis times em cada região e aqui a chave foi composta pelo time do Oriental, juntamente com três times de Santa Rosa: o Aliança, o Paladino e o Juventus. A chave também era composta com os times do Minuano, de Três Passos, e o Tupi, de Crissiumal.
No primeiro ano que disputaram o torneio, em 1956, foram vice-campeões. O vice-campeão disputaria a próxima fase com o campeão da chave de Santo Ângelo, que naquela edição foi o Tamoio. Na partida em Três de Maio, eles venceram, e, na partida em Santo Ângelo, perderam. Para o desempate, foi realizado um terceiro jogo, que foi disputado em Santa Rosa. Poucos dias antes da partida, uma enchente muito grande acabou arrasando o estádio do Pessegueiro, onde ocorreria a partida. Então o jogo teve que ser transferido para o campo do Quartel do Exército em Santa Rosa.
No meio da partida, um desentendimento entre jogadores deu início a uma enorme confusão no gramado, necessitando o juiz interferir energicamente para que os ânimos se acalmassem. O jogo seguiu e, no final da partida, para surpresa de Jesus, seu nome havia sido incluído na súmula como um dos participantes da confusão, sendo que apenas havia assistido o desentendimento a distância. Mesmo assim, aquilo lhe rendeu um “gancho” de três jogos.
Foi nesse momento que um novo treinador assumiu o time e deu continuidade aquele “gancho” deixando Jesus mais no banco que em campo.
Na época, João Saffi convidou o jogador para ir jogar no Aimoré de Giruá. A princípio, Jesus não quis recomeçar a correria de antes, morar em uma cidade e jogar em outra, até mesmo por que havia acabado de se casar com a jovem Alzira Roque Rochembach da Silva.
Mesmo assim, João Saffi o convenceu dizendo que o treinador do time possuía uma sapataria e precisava de alguém com alguma experiência no ramo para ajudá-lo em seu negócio. Então, até trabalho Jesus já tinha garantido na cidade vizinha.
Chegada ao Botafogo
Jesus foi morar em Giruá e lá ficou por três anos, até que, em 1960, foi fundado o Botafogo Esporte Clube em Três de Maio. Na necessidade de jogadores, o presidente do clube, Marcelino Cassol, acabou indo buscar Jesus em Giruá. Arrumaram um trabalho para ele na sapataria do senhor Remidio Loro, (situada na esquina onde hoje está instalado o Posto Santa Terezinha). Jesus não se entendeu muito bem com o novo patrão e resolveu sair do emprego.
Certo dia, comentando com Marcelino Cassol que estava sem emprego, ele perguntou: “Mas tu não consegues trabalhar por conta? Jesus respondeu que “sim”. Foi então que trataram de providenciar um local para que Jesus recomeçasse seu trabalho, agora por conta própria.
O local para instalar a sapataria foi uma sala ao lado da Igreja Católica, local onde Jesus permaneceu por 12 anos (de 1960 a 1972). Após, mudou-se para uma sala em um prédio na Avenida Santa Rosa, onde manteve sua sapataria até o ano de 2020, quando finalmente se aposentou.

Jesus foi o primeiro jogador a marcar gol em um clássico Botal, defendendo o Botafogo, no empate em 1 a 1, em fevereir de 1961
O primeiro gol em clássico Botal
Agora, duas forças opostas jogavam nos gramados de Três de Maio, Botafogo e Oriental. Certamente logo chegaria o dia em que elas entrariam em rota de colisão. Isso aconteceu no dia 1° de fevereiro de 1961, no Estádio Municipal.
Naquele dia, o primeiro dos clássicos “Botais” acabou em 0 X 0. As torcidas dos dois times não ficaram nada satisfeitas com aquele resultado e, na semana seguinte, os dois times retornaram ao mesmo campo para o segundo clássico.
Nessa partida, Jesus, o sapateiro, acabaria entrando para a história do futebol três-maiense como o jogador que marcou o primeiro gol dos Botais. “Eu peguei a bola e fui indo, fui indo, e de repente me deu na veneta de chutar. Chutei e fiz o gol”, relembra Jesus, hoje com 90 anos de idade.
Jesus chutou da entrada da área do goleiro Panambi, e por ironia do destino, fez o primeiro gol dos Botais, justamente no time em que começou a jogar em Três de Maio, poucos anos antes – e do qual só saiu por que o treinador na época, não estava lhe dando espaço para jogar. Mas a partida não ficou barata. Logo Tatata, do Oriental, empatou a partida e tudo terminou igual mais uma vez.
Jesus, o sapateiro, não chegou a fazer milagres, mas fez um gol que marcaria o início da história dos Botais, que seriam considerados pela Federação Gaúcha de Futebol os maiores clássicos amadores do Rio Grande do Sul.
Ao todo foram disputados 75 clássicos entre 1.961 e 1.990, com um total de 18 vitórias para o Oriental, 28 vitórias para o Botafogo e 29 empates.
Hoje, Jesus recorda e sorri com essas lembranças. Ele jogou no Botafogo de 1960 até 1965 como jogador na equipe principal e de 1966 a 1967 na equipe de veteranos, e encerrou a carreira no time alvinegro.

Até hoje, Jeus faz questão de usar o uniforme do Botafogo e quando pode, vai ao Estádio Estrelão









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