'A mulher é o farol que mostra o caminho para sua família e, ao usar essa qualidade, garante resultados diferenciados na propriedade'

'A mulher é o farol que mostra o caminho  para sua família e, ao usar essa qualidade, garante resultados diferenciados na propriedade'
A jovem Julia Falcade Wink atua com bovinoculura leiteira na propriedade rural da família, em Esquina Salete

A mulher está envolvida em todos os processos fundamentais da atividade rural e, nos últimos anos, passou a ocupar cargos e funções que antes eram exclusivamente masculinos. Essa representatividade vem aumentando consideravelmente, porém, ainda apenas 21% das propriedades rurais no Brasil são geridas por mulheres e menos de 15% no mundo.  

A afirmação é da associada da Unitec Mara Marceli Cancian Corteze, que também é instrutora do Senar-RS no programa Mulheres em Campo e nos cursos de Empreendedorismo, Gestão de Pessoas e Planejamento.  

Mara destaca que a presença feminina na tomada de decisões no agronegócio vem crescendo a cada ano, já que as mulheres têm demonstrado maior preocupação com a gestão da propriedade, além de estarem mais atentas aos detalhes e buscarem conhecimento, informação e novas alternativas para o setor, seja para melhor aproveitamento de recursos naturais, melhora na qualidade de vida da família ou gestão financeira, operacional e tecnológica da propriedade.  

“Isso se deve também ao crescente acesso à informação, o que possibilita que as mulheres busquem ajuda e conhecimento, além da participação em grupos de apoio e incentivo, bem como cursos e eventos direcionados a reconhecer e ressaltar o valor e a importância que elas têm em todas as esferas da atividade agrícola”, avalia.  

Contudo, mesmo tendo papel fundamental na propriedade rural, as mulheres ainda enfrentam desigualdades, conforme Mara. “Apesar de serem responsáveis por atividades essenciais, como formação da família, educação dos filhos, alimentação, saúde e organização de atividades domésticas, além de auxiliarem ou, muitas vezes, serem a principal força de trabalho agrícola, as mulheres ainda lidam com desafios como desigualdade de gênero, preconceito, violência financeira e patrimonial, sendo subjugadas e privadas de informações e recursos financeiros. Estudos mostram que a mulher dedica, em média, 13 horas semanais a mais em trabalhos não remunerados em comparação aos homens”, acrescenta.

 

Por meio de cursos, agricultoras buscam conhecimento para aplicar em suas propriedades e viabilizar renda à família

 

A importância da troca de experiências e vivências

Como instrutora, Mara revela que o que mais gosta nos cursos que ministra são as trocas de vivências e experiências. “Conhecer a realidade da atividade agrícola, os desafios e oportunidades de cada propriedade e família que vive e trabalha no meio rural, e a possibilidade de incentivar mulheres a buscar conhecimento, ajuda e apoio para conquistarem seu espaço, independência e se destacarem na atividade me realizam”, finaliza.  

Mara também é produtora rural, graduada em Administração, especialista em Liderança e Coaching na Gestão de Pessoas e possui formação em Educação Financeira e Traders do Agronegócio.

 

‘É bom ver as mulheres perseguindo suas aspirações profissionais e pessoais em todos os ramos, principalmente no agronegócio’

Para a diretora-presidente da Unitec, instrutora do Senar-RS nas áreas de gestão e agroindústria e docente na Setrem, Izabel Cristina Dalemolle, ao longo da história da humanidade, as mulheres sempre contribuíram para a construção da sociedade, incluindo, nesse contexto, o agronegócio.  

“A forma como atuamos mudou muito, principalmente no último século. Vejo que as oportunidades são várias, e precisamos conquistá-las com competência e comprometimento. Mulheres e homens têm perfis diferentes, e é importante compreender essa dimensão. Precisamos trabalhar juntos, pois essas diferenças fazem parte do processo e são uma oportunidade de aprendizado e crescimento. É bom ver as mulheres perseguindo suas aspirações profissionais e pessoais em todos os ramos, principalmente no agronegócio”, pontua.  

Izabel é bacharel em Administração de Empresas, com especialização em Controle da Qualidade de Produtos de Origem Animal e Vegetal, Gestão de Cooperativas e Formação Pedagógica.  

O Jornal Semanal entrevistou duas mulheres que, junto com seus companheiros, atuam ativamente na gestão da propriedade rural, nos cuidados com o lar e também nas atividades braçais do campo. Luciani Rafaela de Lima, agricultora de Medianeira, Três de Maio, e Julia Falcade Wink, veterinária e agricultora de Esquina Salete, Independência, contam suas trajetórias e como é o dia a dia das mulheres no agronegócio.  
 

 

 

Julia Falcade Wink, 25 anos, natural de Vista Gaúcha, Região Celeiro, é médica veterinária formada pela Uceff de Itapiranga, em 2020.

Apesar de ter crescido na cidade, Júlia sempre teve contato com a atividade leiteira, através dos avós, padrinhos e do pai, que presta assistência a produtores rurais. ‘Por esse motivo, peguei gosto pela atividade leiteira e decidi estudar Medicina Veterinária’, diz.

Durante o curso, Júlia relata que sua preferência era por assuntos relacionados à atividade leiteira. O estágio final foi de fomento de vacas leiteiras, com a supervisão do médico veterinário Thiago Gombar, sócio da Unitec. ‘No estágio, fiz atendimento em Três de Maio e Independência, e foi durante um atendimento que conheci Natanael Fim, 24 anos, meu companheiro hoje’, recorda.

Com o namoro prosperando, em junho de 2021, Júlia mudou-se para a propriedade da família Fim, localizada na Esquina Salete, interior de Independência, onde a atividade principal é a bovinocultura leiteira. Desde então, ela auxilia nos atendimentos veterinários, nas descornas e em outras atividades na propriedade rural. ‘Logo iniciei um grupo de ATeG Leite (Assistência Técnica e Gerencial) nos municípios de Tenente Portela e Independência, por três anos, onde adquiri muita experiência’, detalha a jovem, que também tem pós-graduação em Pecuária Leiteira pela Heagro.

Ao encerrar o projeto em 2024, o jovem casal assumiu a propriedade da família. Natanael, que é técnico em Agropecuária pela Setrem, ficou responsável pela parte de lavoura, e Júlia ficou com a atividade leiteira. Ela também realiza atendimentos veterinários para propriedades rurais.

 

A busca constante de qualificação para aplicar no meio rural

Para Júlia, participar de cursos voltados ao ramo da propriedade é associar o conhecimento à rotina de trabalho. ‘Além disso, é sempre bom atualizar informações para melhorar os resultados e facilitar o trabalho do dia a dia. Essa facilidade de encontrar conhecimentos e receber profissionais qualificados em nossa propriedade amplia os horizontes e nos ajuda a visualizar os problemas de fora e resolvê-los da melhor forma. Mas é necessário ter a mente aberta para receber essas informações e aceitar mudanças’, pontua.

A propriedade já recebeu assistência do Pisa (Produção Integrada de Sistemas Agropecuários) e do ATeG, e, há pouco, iniciou o acompanhamento do programa Leitec. ‘Essas assistências oportunizaram a introdução do sistema silvipastoril (sombra e pastagem), piqueteamento rotativo, entre outras melhorias. Tudo por meio do Senar, Sebrae e Emater’, acrescenta.

Júlia acredita que o maior acesso a cursos ocorre pela carência de assistência técnica e de informações aos produtores. ‘Porém, depois de explanar informações básicas para os produtores ao longo do tempo, percebe-se que cada produtor tem necessidades mais individuais, e a junção dos produtores em comunidades ficou cada vez mais difícil devido à falta de tempo e de mão de obra para a substituição na propriedade. Por isso, em vez de o produtor buscar a informação, é a informação que vai até ele’, pondera.

 

Mulheres estão conquistando cada vez mais espaço nas propriedades rurais

Como veterinária que trabalha no campo, Júlia diz que muitos tabus sobre as mulheres realizarem serviços braçais, como um parto ou uma castração, foram desmistificados. ‘Hoje em dia isso mudou bastante. Às vezes, as pessoas até preferem que esse trabalho seja feito por uma veterinária, por ter mais cautela e cuidados ao realizar os procedimentos’, avalia.

Júlia revela que, quando iniciou a faculdade, ainda existia um certo receio sobre atendimentos de mulheres em propriedades rurais, mas que isso já é coisa do passado.

A jovem percebe que, atualmente, há muitas propriedades em que são as mulheres que estão na linha de frente e fazendo a diferença. ‘As mulheres estão desmistificando o ditado popular de que mulher só pilota o fogão’, diz.

Para ela, a presença da mulher no meio rural começou quando a filha acompanhava o pai na lavoura; depois, quando o marido precisava de ajuda na propriedade e não havia mão de obra para dirigir o trator; mais tarde, as mulheres começaram a participar de cursos, palestras e conversas sobre negócios, adquirindo conhecimento junto com seu companheiro. ‘E ela foi entendendo como funcionavam os negócios e tomando seu lugar. Assim, as mulheres têm mostrado que sua capacidade vai muito além de cuidar da casa e dos filhos: uma mulher pode dirigir um trator, plantar, colher e gerenciar os negócios’, conclui.

 

Sogra é inspiração para sucessão familiar 

A sogra, Rosane Maria César Fim, é uma fonte de inspiração para Júlia, especialmente  no que diz respeito à sucessão da propriedade rural

 

Júlia recorda que, quando chegou à propriedade, sua sogra, Rosane Maria César Fim, estava à frente dos negócios. ‘Era ela quem cuidava das questões relacionadas ao banco, definição de manejos, questões financeiras e outras necessidades da propriedade. E ela ainda trabalhava fora e cuidava da família e dos filhos. Todo o trabalho sempre muito organizado e em pleno desenvolvimento. Isso me serviu de inspiração e, desde sempre, foi e é o meu apoio quando se trata de mudanças e melhorias na propriedade’, ressaltou.

A jovem vê que as mulheres possuem um olhar mais amplo diante das dificuldades e mais cuidadoso nos detalhes e nas pessoas. ‘Isso pode evitar problemas, além da influência da sua delicadeza, força, destreza e dedicação diante dos negócios, das tomadas de decisões e, principalmente, do trabalho. A mulher é o farol que mostra o caminho para sua família e, ao usar essa qualidade na propriedade, garante resultados diferenciados, e os objetivos vão aos poucos sendo conquistados’, pondera.