6,9% dos bebês registrados em Três de Maio entre janeiro a abril não têm o nome do pai na certidão
Número mais que dobrou em relação ao mesmo período de 2024

A legislação brasileira garante que toda pessoa tem direito ao nome e ao sobrenome e fica a critério dos pais a escolha do prenome e a ordem dos respectivos sobrenomes maternos e paternos. Porém, o registros de bebês com pais ausentes mais do que dobrou em Três de Maio nos primeiros quatro meses de 2025, se comparado ao mesmo período do ano anterior. De acordo com os dados disponíveis no Portal da Transparência do Registro Civil, plataforma da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), de janeiro a abril de 2024, dos 97 nascimentos registrados, três foram sem o nome do pai, enquanto que em 2025, dos 101 registros, sete foram somente com o nome da mãe - um aumento de 3,09% para 6,93%. O percentual está acima da média estadual e nacional, sendo 6,17% no Estado e 6,56% no país.
No primeiro quadrimestre, tanto a nível nacional como no estadual, houve um aumento se comparado ao mesmo período de 2024. No ano passado, eram de 5,78% no Rio Grande do Sul e de 6,54% no Brasil.
Nos municípios de Boa Vista do Buricá, São José do Inhacorá e Alegria não houve registro de nascimentos com pais ausentes no primeiro quadrimestre de 2025. Em Independência ocorreram cinco - 6,25% do total de nascimentos. Apesar do percentual, houve redução se comparado ao primeiro quadrimestre de 2024, quando ocorreram sete registros de nascimento com pai ausente.
Desde 2016, 74 crianças três-maienses foram registradas sem filiação paterna
O número de registros sem o nome do pai em Três de Maio cresceu, principalmente nos últimos três anos, segundo dados do Portal da Transparência. De 2016 a 2022, o índice estava em torno de 1,9% dos nascimentos. Em 2023, o percentual subiu para 3,8% e, em 2024, alcançou 3,69%. Nos primeiros quatro meses de 2025, é de 6,93%. De janeiro de 2016 até abril de 2025, 74 crianças foram registradas sem filiação paterna no município.
Na microrregião, Independência registra o maior percentual de nascimentos com pai ausente. Desde 2016, foram registrados 2.107 nascimentos, sendo 147 apenas com o nome da mãe, um índice de 6,98%.
Já o menor percentual é de São José do Inhacorá. Dos 190 nascimentos, apenas um (0,53%) foi registrado com pai ausente.
Em Boa Vista do Buricá são 15 nascimentos sem o nome do pai (1,46%). E Alegria registra 12 nascimentos com pai ausente (4,29%).
Neste período, o Brasil contabiliza 1,4 milhão de certidões de nascimento com pai ausente e, no Rio Grande do Sul, 54,7 mil bebês.
'O registrador ou seu substituto, sempre deverá indagar sobre a paternidade da criança'
Conforme artigo 115, da Consolidação Normativa Notarial e Registral do Rio Grande do Sul, é dever dos pais declarar e registrar o nascimento dos filhos. “Lembrando que temos a vedação do pai menor de 16 anos, que não pode declarar paternidade por si ou por seu representante legal. Nestes casos, é encaminhado ao Juiz de Direito para análise e determinação”, disse a tabeliã e registradora interina Madalena Merina Maicá, do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Três de Maio.
A Lei 8.560, de 1992, regula a investigação de paternidade. Há algumas maneiras de proceder, de forma espontânea, após a criança ter sido registrada. “Por escritura pública lavrada no Tabelionato de Notas; por escrito particular, este é o mais comum de ser feito, pois é gratuito e o termo de reconhecimento de filho é feito diretamente pelo Registro Civil das Pessoas Naturais, conforme o Provimento nº 16/2012, CNJ; pode ser feito como disposição de última vontade, por testamento realizado no Tabelionato de Notas, sendo reconhecido após o falecimento do testador ou ainda e ainda por manifestação expressa e direta perante o Juiz de Direito”, acrescentou.
Madalena reforçou que o reconhecimento de paternidade é ato personalíssimo e envolve direitos indisponíveis. “Quando a mãe vem registrar a criança, o Registrador ou seu substituto, sempre deverá indagar sobre a paternidade da criança. Atualmente, temos muitos casos em que a paternidade não é declarada de forma voluntária, seja por dúvida do suposto pai, por estar retido na penitenciária ou até mesmo por não ser de sua vontade”, salientou.
Segundo Madalena, a entrevista com a mãe é importante para saber quais providências o registrador deve tomar, como por exemplo lavrar termo de alegação de paternidade, no qual, a mãe vai informar todos os dados do suposto pai, sendo remetido ao Juiz de Direito para a abertura de processo. “Entretanto, caso a mãe não queira informar a paternidade da criança, ela assinará uma declaração de que foi orientada a realizar o termo de alegação de paternidade e mesmo assim, não quis proceder, nestes casos, informados imediatamente a Defensoria Pública que foi lavrado um registro sem paternidade”, observou.
Em situações em que o pai está retido na penitenciária, o Registro Civil pode diligenciar até o sistema prisional, mas somente dentro da cidade onde atua. “Como na nossa cidade, não temos penitenciária, a mãe pode ir em Registro Civil das Pessoas Naturais diverso de onde a criança foi registrada a fim de que seja realizada essa diligência pelo registrador atuante na cidade. Pode também o administrador do sistema prisional, colher a assinatura do detento em procuração, desde que assine junto com carimbo funcional”, explicou.
Mesmo que a mãe não declare a paternidade, pode fazer exame de DNA de forma particular em caso de dúvida do suposto pai. “Após o resultado, podem vir até o Registro Civil realizar o termo de reconhecimento de filho de forma voluntária, não é necessário mostrar qualquer exame, o procedimento é realizado na hora que comparecem no cartório, portando documento de identificação e certidão de nascimento da criança”, concluiu Madalena Merina Maicá.
No Estado, a cada 19 nascimentos, um não tem o nome do pai na certidão
No ano de 2024 foram registrados 113.805 nascimentos no Estado, e destes, 6.576 sem o nome do pai na certidão. Já em 2025, até o final de junho, foram registrados 59.246 nascimentos, sendo 2.909 sem a indicação do pai. “Isso representa, em média, um a cada 19 nascimentos sem o reconhecimento paterno”, observou o defensor público da Comarca de Três de Maio, Nélio Marks Júnior.
Para minimizar a situação, a Defensoria Pública do Estado promove ações para incentivar o reconhecimento de paternidade, como o projeto ‘Pai? Presente!’, que oferece a possibilidade de realizar exame de DNA extrajudicial e gratuito, atuando como um mediador quando o suposto pai tem dúvidas sobre a paternidade.
“Para participar, o pai e a mãe devem ir à Defensoria Pública de sua cidade e assinar um termo de compromisso para a realização do exame em um laboratório parceiro. Caso o resultado seja positivo, o pai se compromete a registrar a criança voluntariamente no Cartório de Registro Civil. O processo de reconhecimento voluntário é simples e pode ser feito a qualquer momento no cartório, com a concordância da mãe, para incluir o nome do pai na certidão”, explicou o defensor público.
Defesor público, Nélio Marks Júnior
A iniciativa também é possível quando o suposto pai já faleceu, ou seja Investigação de Paternidade Post Mortem. Neste caso, o exame de DNA é feito por meio de material genético por meio de parentes consanguíneos do falecido, como irmãos, pais ou filhos, ou armazenado em bancos de dados (se disponível), ou até pela exumação do corpo, , utilizando o chamado exame de DNA indireto.
Com o resultado positivo, é possível iniciar uma ação judicial para o reconhecimento da paternidade, usando o laudo como prova.
Por outro lado, se o pai se recusar a registrar o filho ou a fazer o exame de DNA, a mãe pode procurar a Defensoria Pública para entrar com uma ação de investigação de paternidade”, pontuou Marks Júnior.
No processo judicial, o juiz determinará a realização do exame de DNA, que é a principal prova para estabelecer o vínculo biológico. “É importante salientar que a recusa injustificada do suposto pai em fazer o exame de DNA no processo judicial leva à presunção de paternidade, podendo ele ser considerado o pai.
A Defensoria Pública do Estado está disponível para orientar as famílias na busca de garantir o direito ao reconhecimento paterno”, finalizou o defensor.
'Ter o nome do pai na certidão de nascimento é um direito constitucional'
“O reconhecimento de paternidade é um ato jurídico e social de grande importância, pois garante à criança ou ao adulto o direito de ter oficialmente registrado o nome de seu pai em documentos civis, como a certidão de nascimento”, afirma a juíza da 2ª Vara Judicial e diretora do Foro da Comarca de Três de Maio, Vanessa Teruya Bini Mendes, ao falar sobre o assunto em entrevista ao Jornal Semanal.
Conforme a magistrada, o reconhecimento pode ocorrer de forma voluntária ou judicial e está diretamente ligado ao direito à identidade, à dignidade da pessoa humana e à convivência familiar.
“O reconhecimento voluntário pode ser feito no momento do registro de nascimento ou posteriormente, em cartório. O pai pode reconhecer o filho espontaneamente, inclusive por escritura pública, testamento ou outro documento oficial. Já o reconhecimento judicial ocorre quando o pai não reconhece voluntariamente; a mãe ou o próprio filho (em qualquer idade) pode ingressar com uma ação de investigação de paternidade. Assim, o juiz pode determinar a realização de exame de DNA, que tem alto grau de confiabilidade”, contextualiza a magistrada.
O processo é conduzido pelo Judiciário e pode envolver a apresentação de provas (mensagens, fotos, testemunhas) e a realização de exame de DNA, geralmente custeado pelo Estado se houver direito à justiça gratuita. “O suposto pai é citado e tem a oportunidade de se manifestar antes da produção das provas”, complementa.
Juíza da 2ª Vara Judicial, Vanessa Teruya Bini Mendes
Direitos com o reconhecimento da paternidade
Conforme a juíza, os direitos decorrentes do reconhecimento são: direito à pensão alimentícia, direito à herança, inclusão em benefícios previdenciários, direito à convivência familiar e direito à identidade e à origem genética.
Quando o pai não comparece ao cartório no momento do nascimento, a mãe pode registrar a criança sozinha. “O campo do pai ficará em branco, mas isso não impede que o reconhecimento ocorra posteriormente”, diz.
Assim, existem dois caminhos principais. “A Averiguação Oficiosa de Paternidade (via cartório): Quando a mãe registra a criança sozinha, ela pode informar ao cartório o nome e os dados do suposto pai, e o cartório envia essas informações ao juiz, que inicia a averiguação. O juiz manda notificar o homem indicado para que ele diga se reconhece ou não a paternidade. Se reconhecer a paternidade, o nome é incluído no registro; caso se negue ou não responder em 30 dias, o caso pode ser judicializado e encaminhado ao Ministério Público, que pode entrar com uma ação de investigação de paternidade, se houver indícios suficientes”, explicou Mendes.
O procedimento é sigiloso, sem custos e busca garantir o direito da criança à identidade, à convivência familiar e a outros direitos, como pensão e herança. “Ele é prévio à ação judicial, ou seja, tenta resolver a situação de forma mais rápida e amigável, sem precisar ir direto ao processo judicial”, complementa.
Ação de investigação
O outro caminho é a Ação de Investigação de Paternidade, via Justiça. “É um instrumento jurídico utilizado para estabelecer legalmente o vínculo entre um filho e seu pai biológico, quando esse reconhecimento não ocorre de forma voluntária. Pode ser proposta pelo próprio filho (em qualquer idade); pela mãe ou representante legal, se o filho for menor de idade; pelo Ministério Público, em casos de interesse público ou quando houver omissão dos responsáveis”, reforça.
Assim, três etapas ocorrem. “Petição inicial: que deve conter os dados do autor (filho), do réu (suposto pai), os fatos que indicam a paternidade e os pedidos (como exame de DNA e reconhecimento legal). Há uma fase probatória, em que o juiz pode determinar a realização de exame de DNA, além de ouvir testemunhas e analisar documentos. Após é expedida uma sentença; se confirmada a paternidade, o juiz determina a inclusão do nome do pai na certidão de nascimento e pode fixar pensão alimentícia, guarda e outros direitos”, detalhou.
Na indicação de suposto pai, a mãe pode comparecer ao cartório e informar, por escrito, o nome e o endereço do suposto pai. "Isso pode ser feito no momento do registro de nascimento, caso o pai não esteja presente ou se recuse a reconhecer a paternidade; e após o registro já ter sido feito, mesmo que a certidão de nascimento já tenha sido emitida apenas com o nome da mãe", explica.
Após a indicação, o cartório encaminha a certidão de nascimento e os dados do suposto pai ao juiz competente e o suposto pai é notificado para se manifestar sobre a paternidade.
Se o pai reconhecer a paternidade, o nome dele é incluído no registro de nascimento, sem necessidade de processo judicial. “Se o pai negar ou não responder, o caso pode ser encaminhado para uma ação de investigação de paternidade, com possibilidade de realização de exame de DNA”, ressalta.
Tramitam na Comarca de Três de Maio 46 processos de reconhecimento de paternidade
Segundo a juíza, da Comarca de Três de Maio registra um número estável de ações de investigação de paternidade. “Atualmente, tramitam 46 processos judiciais dessa natureza, distribuídos entre as duas Varas, além de três procedimentos de averiguação oficiosa de paternidade”, declarou.
A juíza reforça que a Defensoria Pública desempenha um papel essencial nesse cenário. “A defensoria atua de forma destacada para garantir o acesso à Justiça à população em situação de vulnerabilidade, assegurando que todos tenham seus direitos respeitados. Nos casos em que há determinação judicial para a realização de exame de DNA, o resultado costuma ser disponibilizado em até 60 dias após a coleta do material genético”, menciona.
O tempo médio de tramitação dos processos é de aproximadamente um ano e meio, podendo variar conforme a complexidade do caso. “Em situações mais simples, esse prazo pode ser reduzido; já em casos mais complexos, pode haver necessidade de um tempo maior para a conclusão”, frisou.
Programa Pai Presente
A magistrada reforça que o reconhecimento da paternidade é um direito assegurado pela Constituição Federal e por normas como o Código Civil, o ECA e a Lei nº 8.560/1992. “A ausência do nome do pai na certidão de nascimento pode comprometer o acesso da criança a direitos fundamentais, como pensão, herança, benefícios previdenciários, identidade e convivência familiar. Para enfrentar essa realidade, o Poder Judiciário, em parceria com os cartórios e o Ministério Público, tem promovido ações para tornar o processo mais acessível e humanizado. Um exemplo é o programa Pai Presente, criado pelo CNJ, que facilita o reconhecimento voluntário da paternidade por meio de mutirões, atendimentos gratuitos e orientação jurídica, especialmente para famílias em situação de vulnerabilidade. O Pai Presente é uma iniciativa essencial para garantir o direito à paternidade, fortalecer os laços familiares e promover a cidadania”, conclui a magistrada.
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