TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - TRÊS DE MAIO NOS ANOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Parte I

TRÊS DE MAIO NOS ANOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Parte I
Após o final da Primeira Grande Guerra (1914 – 1918), quase não haviam mais empregos na Alemanha, e como as notícias que chegavam davam conta de que no Brasil haviam muitas terras e a necessidade de mais mão de obra para se trabalhar, Joseph Langer vendeu o que tinha na Alemanha e veio para o Brasil em 1920, com a esposa Maria e as filhas pequenas: Paula (1908); Augusta (1910) e Elza (1912).
Antes de embarcar no navio que o traria juntamente com sua família para o país, teria prometido para familiares que ficaram: “Posso ir bem ou posso ir mal no Brasil, mas morrer no Brasil eu não vou!”.
Após desembarcarem no porto de Santos, em São Paulo, a família passou a trabalhar nas lavouras de café do interior do Estado, onde permaneceram por cerca de dois anos, até descobrirem que conhecidos haviam se mudado para Ijuhy, no sul do país, onde diziam que havia terras boas e baratas para todos que se dispusessem a trabalhar para conquistá-las.
E isto foi o suficiente para que José Langer se lançasse em nova viagem até as promissoras terras de Ijuhy, e lá soube que muitos imigrantes estavam se deslocando para uma nova região de colônia distante cerca de cem quilômetros, chamada “Buricá”, para onde também decidiu seguir, e na região, José Langer acabou adquirindo um lote de terras no povoado de Flor de Maio, se instalando no lugar com uma sapataria, profissão que havia começado a exercer na Alemanha depois da grande guerra por não poder se envolver com trabalhos muito pesados, após ter sofrido graves problemas de saúde em decorrência de ferimentos ocasionados pela explosão de uma granada próxima a ele.
Em Flor de Maio, todas as filhas de José Langer se casaram. Paula se casou com Julio Wehr em 1930, Augusta se casou com Willy Jaeger em 1932, e Elza se casou com Helmuth Schmidt, em 1935.
Foram nestes anos que a retórica progressista do novo Chanceler da Alemanha, Adolf Hitler, começou a chamar a atenção de todos, convencendo ao mundo de que sua luta era nobre e que um novo tempo havia chegado para a Alemanha.
Os motivos que outrora fizeram diversas famílias alemãs deixarem seu país e virem apostar em uma vida repleta de desafios no Brasil estavam sendo esquecidos por esta nova promessa que fazia cada vez mais aflorar nos anseios destes imigrantes a esperança de um dia retornar para seu país de origem.
Com a oficialização de uma nova bandeira nacional representada por uma cruz suástica simbolizando a força desse novo tempo, logo este adereço começou a surgir também nas colônias alemãs do Rio Grande do Sul, e em todas as comunidades do interior onde a imigração alemã se fazia presente, como foi o caso de Três de Maio.
Em 1939, os problemas de saúde de José Langer se agravaram, segundo o médico “por conta do clima seco do Brasil”, e este o recomendou: “Se você quiser viver uns anos ainda então volte para a Alemanha”.
Assim, naquele mesmo ano, josé Langer e sua esposa decidiram voltar para seu país, e em meados de agosto, embarcaram em um navio juntamente com sua filha mais jovem, Elza, seu genro, Helmuth Schmidt (que sempre manifestou vontade de conhecer a Alemanha), e sua neta de 3 anos de idade, Erika.
Dias depois, em 1° de setembro de 1939, quando se encontravam em meio ao oceano entre os dois continentes, as primeiras nuvens de fumaça começaram a se erguer sobre a Europa, sinalizando o início do maior conflito bélico que o mundo já viu: A Segunda Guerra Mundial.
Naqueles anos que haviam se seguido ao desfecho da Primeira Grande Guerra, o novo Chanceler alemão iniciou também a escalada de um discurso antissemitista e expansionista que aos poucos foi criando outros culpados pela derrota de seu país na Primeira Guerra e justificando a restauração da grandeza da Alemanha através da força, culminando, juntamente com outros fatores regionais, naquele que foi considerado um dos momentos mais trágicos da história da humanidade.
Com a invasão alemã ao território da Polônia, deu-se início oficialmente a Segunda Guerra Mundial, o que causou muitas reações na comunidade internacional, forçando uma união entre Alemanha, Itália e Japão (países que também possuíam ambições expansionistas e políticas autoritárias), visando a reconfiguração da ordem mundial.
Desta forma, juntamente com outros países que também se identificavam com sua ideologia, estes países acabaram formando as chamadas “potências do eixo”, o que acabou impondo uma reação de países como EUA, Inglaterra, URSS e outros, os quais passaram a ser chamados de “potências aliadas”.
Através de um plano estratégico que envolvia a geografia do território brasileiro, por intermédio dos Estados Unidos, o governo brasileiro declarou apoio aos aliados, o que acabou resultando em uma série de restrições aos imigrantes alemães, italianos e japoneses estabelecidos em território brasileiro.
Logo, o Chefe de Polícia, Tenente Coronel Aurélio da Silva Py (que acreditava que todos os imigrantes alemães no Estado eram nazistas), baixou uma portaria determinando um total de dezessete restrições a estes imigrantes estabelecidos no Rio Grande do Sul, das quais quatro resultaram em consequências imediatas para os moradores de Três de Maio, determinando: “a) Os estrangeiros nacionais da Alemanha, Itália e Japão devem comunicar à autoridade policial a sua residência dentro de 15 dias a contar desta data. b) Aos estrangeiros referidos no item anterior, não é permitido viajar de uma localidade para outra, sem licença da Polícia (salvo conduto). c) Fica proibido distribuir escritos em idioma das potências com as quais o Brasil rompeu relações (esta, como verificado na coluna do dia 30/05, foi a responsável pelas sanções ao jornal Der Anzeiger, primeiro jornal de Três de Maio redigido em língua alemã). d) Fica proibido usar o idioma das potências do eixo em conversações, em qualquer lugar público, inclusive cafés, bares, restaurantes, hotéis, cinemas, lojas, etc....
O problema é que a maioria dos moradores de Três de Maio nesta época somente sabia se comunicar no idioma alemão, uma outra parcela dos moradores falava apenas italiano, e eram muito poucos os que falavam apenas português, já que Três de Maio era um lugar onde quem não falasse um destes idiomas não conseguia sequer emprego.
Por isso, logo diversas pessoas começaram a ser conduzidas para a cadeia pública construída na Vila, em um prédio de madeira existente na Rua Dona Nelly (Hoje, Rua Expedicionário Bertoldo Boeck com a Rua Ijuí) e lá esperavam o Comandante da Brigada Militar, Capitão Vilarim Rodrigues, vir buscá-los para levá-los a Santa Rosa.
Mas depois de um certo tempo o capitão quase sempre liberava aqueles que eram costumeiros ali, dizendo: “Você de novo? “.
Não havia o que ser feito para mudar aquilo. Eram pessoas humildes, honestas, e que não tinham nenhuma culpa pelo que estava acontecendo em terras distantes.
O principal responsável pelas prisões era um soldado caboclo, que a noite perambulava próximo as casas onde via alguma réstia de luz acesa, para tentar ouvir em qual idioma os moradores conversavam.
As notícias que chegavam de longe deixavam a todos amedrontados quanto ao que podia acontecer. Nos ônibus, nos bares e em outros locais públicos, havia cartazes avisando: “Expressamente proibido falar alemão, italiano e japonês”.
Desta forma, ter um Salvo-conduto e tomar cuidado para não falar em outro idioma era a única segurança que aquelas pessoas podiam ter.
Assim, rapidamente todos procuraram providenciar seus Salvo-condutos fornecidos pela polícia, inclusive para pequenas viagens, mesmo para quem viajava de bicicleta para localidades próximas. O Salvo-conduto vinha com a foto de cada cidadão e caso alguém fosse pego sem ele, era imediatamente preso.
Também a Escola da Comunidade (hoje Setrem), cujos professores, em sua maioria, davam aulas em alemão e eram ligados ao Sínodo Riograndense (que tinha uma longa história de colaboração de pastores alemães), acabou sendo obrigada a fechar as portas, permanecendo assim por um longo período, quando foi reaberta com o nome de “Escola Sinodal”.
Além disso, foi proibida a circulação de veículos a gasolina e seus derivados, que tinham que ser adaptados para funcionar com o gás resultante da queima de lascas de timbó, chamados de gasogênios.
A sombra da guerra marcou dias de incerteza e aflição entre muitos moradores da Vila Três de Maio que, apesar de estar distante milhares de quilômetros do teatro da guerra, por capricho do destino acabou emprestando pessoas para lutarem neste conflito, nos dois lados das trincheiras, entre soldados aliados e soldados do eixo, numa guerra que deixaria cicatrizes profundas, principalmente na alma de todos que a vivenciaram.
Moradores de Flor de Maio reunidos com as bandeiras nacionais da Alemanha nos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial
Capitão Vilarim Rodrigues, chefe da guarnição policial na Vila Três de Maio e responsável pela transferência de presos para Santa Rosa
Revisão do Dr. Prof. Leomar Tesche e do
Historiador Orlando Vanin Trage
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