ECOS DO TEMPO: Erminda Ritscher Klein: Ela transformou lembranças em raízes e raízes em força

Com seu jeito doce e olhar tranquilo, atravessou a vida entre perdas, recomeços e muito amor — uma trajetória que hoje ressoa suavemente nos ecos do tempo

ECOS DO TEMPO: Erminda Ritscher Klein: Ela transformou  lembranças em raízes e raízes em força
Erminda Ritscher Klein está com 85 anos

Foi o filho mais velho, Valmir, quem me recebeu para a entrevista. Falava devagar, como se cada lembrança precisasse de um instante para ser revivida. Às vezes fazia uma pausa, respirava fundo e continuava — em suas palavras havia ternura, mas também o peso das saudades e das escolhas difíceis que a vida impôs e aos poucos ele reconstruía a história da mãe — uma mulher que transformou lembranças em raízes e raízes em força — e que hoje carrega consigo a doçura e a coragem que marcaram uma vida inteira. 

Erminda Ritscher Klein nasceu em Moringaba, interior de Panambi. Teve uma infância simples e cheia de desafios. Ficou órfã muito cedo, e  a mãe, analfabeta, precisou trabalhar nas terras dos vizinhos para criar os filhos. Anos mais tarde, descobriram que o pai de Erminda — um imigrante alemão de Berlim — havia deixado terras em nome dela, ainda criança. Mas o que poderia ter sido uma herança, virou apenas lembrança: a família só soube da existência das terras trinta e cinco anos atrás, quando já haviam sido vendidas.

Quando Erminda tinha cerca de oito anos, a família foi levada para Flor de Maio morar com um tio. Depois se mudaram para Crissiumal, onde ela estudou o básico, aprendeu a ler, escrever e fazer contas. Foi lá que conheceu Alsido Brandenburg Klein, provavelmente em um baile — como era costume na época. Casaram-se quando ela tinha 17 anos. Desta união tiveram cinco filhos: Valmir, Vilmar, Liane, Luiz e Cesar. Hoje são 4 netas e um neto. 

Valmir conta que pai era caminhoneiro e apaixonado pela estrada; e dali vinha o sustento da família. A a mãe era dona de casa dedicada, herdeira das receitas e da força das mulheres da família. Por um tempo, moraram em Três Passos, quando Alsido trabalhou nas Ferragens Miranda. Depois, ele se associou ao cunhado na fábrica de túmulos e a família voltou para Crissiumal. Valmir contou que o pai gostava mesmo era da parte dos transportes, fazia fretes e se sentia realizado dirigindo caminhão. 

Em 1976, a família mudou-se para Três de Maio, quando o pai se associou a uma distribuidora de bebidas. Na época, Valmir tinha 17 anos e Cesar, 5. O pai faleceu em 2004, aos 69 anos, após dois anos de tratamento de várias comorbidades. 

Nessa época, Valmir ainda morava com os pais e, depois da morte do pai, seguiu morando com a mãe. 

Enquanto Valmir lembrava, que avó morava com eles, e foi ela quem ensinou Erminda a cozinhar, sua voz suavizava e parecia sentir o cheiro do pão caseiro, das cucas enroladas, da torta de bolacha, dos bolos de laranja e de baunilha. No terreno sempre havia uma horta, galinhas e até porcos, que eram carneados duas vezes por ano. “Tudo o que ela fazia era bom”, disse com um meio sorriso, que logo se misturou à saudade. 

A vida também lhe trouxe perdas que deixaram marcas profundas. Erminda perdeu dois filhos — Vilmar, aos cinco anos, vítima de leucemia, e Luiz, ainda bebê — e, mais recentemente, o filho Cesar, aos 55 anos. “Essa foi a dor mais difícil”, confessou Valmir, emocionado. Ainda assim, recorda que a mãe sempre encontrava alegria nas pequenas coisas — especialmente nos bailinhos de quarta e domingo, quando se arrumava animada para dançar e reencontrar os amigos. 

Os anos seguintes foram marcados por convivência, afeto e rotina compartilhada. “A mãe sempre foi uma boa pessoa, honesta, ajudava os outros, dava roupas, tinha dó de quem passava necessidade”, contou.

Com o tempo, vieram os limites do corpo. A perda dos movimentos nas pernas mudou a rotina de ambos. Valmir cuidou da mãe uma vida inteira e enquanto pôde, com paciência e amor: dava banho, alimentava, a colocava na cadeira de rodas. Durante a semana, uma cuidadora ajudava. Mas quando também passou a sentir dores na coluna e no braço, percebeu que não conseguiria mais fazer tudo sozinho. 

A decisão de levar a mãe para o Lar dos Idosos foi difícil, marcada por culpa e preocupação. “Foi muito difícil tomar a decisão de levar a mãe para o lar”, disse, emocionado. “Mas eu não tinha mais condições físicas. Ela também não conseguia ficar em pé.”

“No começo, ela pedia para voltar pra casa.Mas agora se sente segura. Está bem cuidada. Eu venho dia sim, dia não. A gente toma chimarrão juntos, como sempre fazia em casa.” A  filha Liane vem visitar a mãe nos fins de semana.

Hoje, Erminda mantém a lucidez e o mesmo olhar doce de antes, lembra com clareza do passado, dos amigos e dos professores. Continua falando dos tempos antigos, das amizades sinceras — como a da cunhada Normira, sua grande companheira — Valmir diz que guarda com carinho os trabalhos de tricô e crochê que a mãe fez ao longo da vida. “tem 'sacos' de guardanapos feitos por ela”

Enquanto ele falava, o amor e o cuidado se faziam presentes em cada frase e ficou a certeza de que a história de Erminda não se resume ao passado, mas vive nas palavras do filho que aprendeu com ela o valor do cuidado. Saí dali com a certeza de que, mesmo entre limitações e despedidas, há histórias que seguem vivas — ecos do tempo que continuam a se espalhar, suaves, entre as paredes do lar e o coração dos que ficaram.