TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - O PROFESSOR DELL ÀGLIO

TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - O PROFESSOR DELL ÀGLIO

O PROFESSOR DELL ÀGLIO

José Dell Àglio, nascido em abril de 1915 em Cruz Alta era filho de Rafael Àglio e Carmela Favolino Dell. Após sua formação acadêmica, prestou concurso público tornando-se inspetor de ensino federal, quando passou a  deslocar-se por vários municípios ligados a jurisdição da Delegacia Regional de Ensino de Cruz Alta, acompanhando de perto os trabalhos dos corpos docentes e os exames de aptidão e conclusão dos cursos ginasiais e científicos (ou clássicos) cujo funcionamento era autorizado pelo Ministério da Educação. 
Naquele tempo, estas instituições de ensino, após iniciarem suas atividades, passavam por um processo rigoroso de inspeção para obterem o reconhecimento oficial de seus cursos. Sem esse reconhecimento, os estudos não tinham validade formal para o prosseguimento em níveis superiores (como o curso superior ou normal). 
Em 1945 uma comissão da Vila Três de Maio, liderada pelo padre Vicente Testani, foi a Cruz Alta solicitar junto a Inspetoria de Ensino, autorização para abertura de um curso ginasial em Três de Maio, mostrando a carência que havia de um curso semelhante por aqui e se dispondo a conseguir todo o necessário para que pudessem se enquadrar nas condições mínimas necessárias para obtê-lo, pois a instalação de um curso ginasial demandava que as escolas  comprovassem a existência de infraestrutura adequada, o que incluía laboratórios, bibliotecas e salas de aula específicas, além de um corpo docente com formação reconhecida. Conseguir esses recursos era um desafio, especialmente em locais fora das capitais. 
Por isso, foram várias as idas do padre Testani e de Mariano Loro até Cruz Alta, numa peregrinação que exigiu muita paciência até finalmente se conseguir a autorização de funcionamento daquele que seria o primeiro curso ginasial em toda a região do Grande Santa Rosa. 
Isso ocorria porque a aprovação e regulamentação de novos cursos ginasiais era fortemente centralizada no nível federal, especialmente após a criação do Ministério da Educação em 1931, e com as reformas de Francisco Campos e Gustavo Capanema, resultando quase sempre em processos lentos e dependentes de decisões tomadas longe do local interessado, o que era particularmente difícil para cidades do interior.  
Além disso, o ensino secundário era visto como uma preparação para as elites ingressarem no ensino superior, e isso acabava gerando um sistema que dificultava a expansão do acesso a estes cursos para as camadas mais populares, refletindo políticas públicas que não priorizavam a criação de ginásios em todos os locais. Porém, a Vila Três de Maio conseguiu o almejado muito antes da sede Santa Rosa, e mesmo, de muitos outros municípios vizinhos, e isto, certamente foi resultado de um especial apreço por parte do inspetor de ensino, José Dell Àglio, à comitiva liderada pelo padre Testani. 
Obtida a autorização, passou o inspetor de ensino a  deslocar-se mais regularmente até Três de Maio, a fim de acompanhar de perto o andamento dos trabalhos para instalação do curso ginasial, que passaria a ser administrado pelas Irmãs Filhas do Sagrado Coração de Jesus de Três de Maio, as quais eram responsáveis pelo Educandário Pio XI (posteriormente renomeado como Colégio Dom Hermeto José Pinheiro). 
A partir daí, muitos jovens que em anos anteriores haviam parado com seus estudos após a conclusão do curso primário viram nesta oportunidade a chance de darem continuidade nos seus estudos e a procura por vagas foi enorme. 
Assim, em 1946, começavam as aulas do Ginásio Pio XI, em um imóvel alugado do farmacêutico Albino Schünke, situado na esquina da avenida Uruguai com a Travessa Montevideo (atual casa canônica) com uma turma mista de meninos e meninas que passaram a se amontoar no pequeno espaço do imóvel.  
E foi então que, percebendo-se a necessidade de um espaço mais amplo para os estudantes, deu-se início a uma campanha para arrecadação de fundos com a finalidade de se construir um outro espaço para o Ginásio, momento em que foi tomada a decisão de se criar um ginásio nos moldes tradicionais, separando-se meninos e meninas, o que exigiu que se conseguisse uma nova autorização através do inspetor de ensino, professor José Dell Àglio, o qual acabou entendendo que seria mais fácil vencer os entraves burocráticos criando-se, desta vez, um Ginásio Comercial, que era uma Escola Secundária de caráter profissionalizante de ciclo básico, com menos matérias, e que tinha por objetivo apenas preparar os jovens para as atividades comerciais da época, no caso de Três de Maio, visando a formação de auxiliares de escritório. Ou seja, era um curso ginasial que não era tão voltado para a elite que visava dar continuidade em seus estudos nos níveis clássicos ou científico. 
Então decidiu-se também que as irmãs do Sagrado Coração de Jesus cuidariam apenas da ala feminina do Ginásio, e foi aí que surgiu a necessidade de se convidar uma outra congregação para virem a Três de Maio atuar como docentes da ala masculina, e naquele momento pensou-se nos irmãos Lassalistas, congregação religiosa leiga fundada por São João Batista de La Salle, para a educação humana e cristã de crianças e jovens, especialmente os mais pobres, os quais já estavam estabelecidos em diversas cidades do Rio Grande do Sul.  
Neste mesmo ano haviam chegado aqui, a convite do padre Testani – para auxiliá-lo nos trabalhos da paróquia nos períodos em que necessitasse se ausentar para tratar de sua saúde -- os freis capuchinhos que, paralelamente aos trabalhos de construção de suas próprias instalações, onde pretendiam dar início a um seminário da Ordem Capuchinha, começaram também a auxiliar a comissão do ginásio na arrecadação de fundos para construção da nova ala masculina. 
Porém, até naquele momento não se cogitava a possibilidade de eles atuarem como docentes do estabelecimento de ensino, até mesmo porque não possuíam a formação necessária para tal finalidade, mas passariam a dar os demais suportes a instituição. 
Assim, no dia 14 de junho de 1946, à noite, reunindo-se a comissão das obras do ginásio na casa canônica para receber o irmão Albino Lassalista, residente em Santo Cristo, a fim de se verificar se os irmãos lassalistas aceitariam vir assumir a direção da ala masculina do Ginásio quando este iniciasse suas atividades, Albino, de forma não muito delicada, e indicando com os olhos os freis capuchinhos Silvio de Vacaria e Nicolau de Segredo, assim respondeu ao ser questionado: “Não sei o que vai dizer o nosso superior quando retornar de Roma, porque agora estão estes aí!”. 
Os freis capuchinhos saíram da reunião sem entender muito bem o que o irmão lassalista quis dizer com aquilo, pois estavam ali unicamente com o intuito de dar assistência religiosa, e isso, no entender deles, deveria ser visto como uma benesse por outros irmãos religiosos. 
Mas se alguns começavam a manifestar desagrado pela presença dos capuchinhos junto às atividades educacionais encabeçadas pela igreja, outros manifestavam profundo apoio e satisfação, como o inspetor de ensino, professor José Dell Àglio, que chegou mais uma vez a Vila no dia seguinte a esta reunião e permaneceu aqui entre os dias 15 e 19 de junho, acompanhando o período de exames dos alunos do ginásio, quando se declarou muito amigo da “benemérita ordem capuchinha”, momento em que provavelmente tenha sugerido que os próprios capuchinhos indicassem alguém de sua congregação para assumir os trabalhos de docência do novo ginásio, até que outra congregação com religiosos qualificados para a função pudesse retomar estes trabalhos (em 1948 se  estabeleceria em Três de Maio a congregação Consolata). 
Desta forma, no dia 12 de julho de 1946, o padre Silvio de Vacaria e Mariano Loro, representante da comissão do ginásio, partiram para o município de Marau, a fim de lá tratar com os superiores da congregação capuchinha sobre a questão, quando então, ficou decidido que seria enviado a Três de Maio o Frei Libório de Santa Rosa, que possuía a formação necessária e assumiria provisoriamente como professor no ginásio das irmãs, até que a construção da ala masculina fosse concluída. 
Dias depois, em uma nova reunião com a comissão da obra, na presença do professor Dell Àglio, decidiu-se deixar para o dia 15 de dezembro próximo, dia do encerramento do ano escolar, a realização de uma missa campal e benção da pedra fundamental do novo ginásio que passaria a ser chamado de “Ginásio Pio XII”. 
Enquanto isso, as aulas da turma mista de alunos ginasianos do anteriormente chamado Ginásio Pio XI, então renomeado como “Ginásio Dom Hermeto José Pinheiro”, foram sendo ministradas no imóvel alugado do farmacêutico Albino Schüncke. 
Em 1949, quando os alunos da primeira turma de ginasianos preparavam-se para prestar os exames finais, algo que marcaria profundamente a história de Três de Maio ocorreu. Era a primeira vez que o inspetor de ensino, professor José Dell Àglio, vinha de avião para Três de Maio, numa rápida passagem que durou apenas algumas horas. Ventava muito naquela tarde de 16 de novembro de 1949, por volta das 16h30 e alguns meninos jogavam bola no campo do Oriental, quando viram a aeronave CAP- 4 de prefixo PP-HHW que se preparava para decolar, retornando a Cruz Alta. Ao tentar levantar voo, o pequeno avião perdeu o equilíbrio, enroscou-se em uma árvore e caiu. Funcionários do Frigorífico Sthal correram para ajudar a socorrer os ocupantes e conseguiram tirar o corpo do professor Dell Aglio com a aeronave já em chamas, e em seguida, o avião explodiu. O piloto Augusto Ruppel Glück, acabou ficando no meio das ferragens e morreu carbonizado, já o professor, tendo escapado da explosão com queimaduras de segundo e terceiro graus, também acabou falecendo alguns dias depois, no domingo do dia 4 de dezembro de 1949. 
Todos que conheciam o professor ficaram completamente consternados com o acidente, e um baile que estava marcado para acontecer no Clube Buricá foi cancelado. Ainda assim, como forma de reconhecimento por sua dedicação à educação dos jovens de Três de Maio, foi mantido como convidado de honra “in memoriam” na formatura da primeira turma de alunos ginasianos do Ginásio Dom Hermeto José Pinheiro, ocorrida no dia 15 daquele mês.
Tempos depois, as ruas no entorno do local da queda do avião que fatalizou o professor José Dell Àglio e o piloto Augusto Glück, no Bairro Oriental, receberiam os nomes de “Rua Professor Dell Àglio” e “Rua Aviador Klück” (corruptela de Glück), deixando registrado de forma indelével naquele local a passagem de duas pessoas que foram ligadas a profissões com capacidade de nos conduzir em viagens até os mais distantes horizontes que possamos enxergar, estejam eles nos céus, ou dentro de nós mesmos. Professor Dell Àglio, naqueles anos, com certeza nos ajudou a voar mais longe!

Participou das pesquisas para elaboração deste artigo o Dr. Prof. Leomar Tesche. Revisão do Historiador Orlando Trague

 

As ferragens do avião que fatalizou o professor Dell Àglio e o aviador 
“Klück” no campo do Oriental em 1949
 

Professor Dell Àglio foi inspetor de ensino federal, responsável por fiscalizar o primeiro curso ginasial 
de Três de Maio