Região Noroeste é procurada por migrantes que veem aqui a oportunidade de melhorar de vida

Migrantes argentinos, venezuelanos, cubanos e de outros países têm chegado à nossa região em busca de emprego e melhor qualidade de vida

Região Noroeste é procurada por migrantes que veem  aqui a oportunidade de melhorar de vida
A nigeriana Blessing Chiyenum Opute, 22 anos e o argentino Jose Sebastian Silva, 26 anos, fazem parte do mercado de trabalho formal de Três de Maio. Com cinco meses na empresa, Bless é a primeira mulher a trabalhar no setor de caldeira da unidade da Lactalis de Três de Maio. O auxiliar de produção, Jose Sebastian, é um dos quatro irmãos que trabalham em uma fábrica de baterias. Os jovens são apenas um exemplo de muitos outros migrantes que estão vindo para Três de Maio e região em busca de opor

Cresce a cada dia o número de migrantes no Brasil. Estima-se que somente no ano passado mais de 243 mil pessoas, vindas da Venezuela, Bolívia, Colômbia, Argentina e Cuba fixaram residência no país.

Muitos acabam vindo para a região Noroeste em busca de oportunidades de trabalho e, consequentemente, melhorar de vida.

Conforme a coordenadora do FGTAS (Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social) de Três de Maio, Aline Bohnenberger, os estrangeiros começaram a procurar auxílio na agência local a partir da metade de 2022. São pessoas que enxergam no Brasil uma oportunidade de mudar de vida. A coordenadora percebeu que, em maior parte, são pessoas vindas da Argentina e Cuba.

 

Coordenadora do FGTAS de Três de Maio, Aline Bohnenberger

 

Estrangeiros precisam estar regularizados para ingressar no mercado  de trabalho

Aline reforça que, para um estrangeiro trabalhar no Brasil, precisa estar regularizado junto à Receita Federal, para obter a documentação necessária e, assim, ingressar no trabalho formal. “Nós fazemos um acolhimento, mas para poder colocar este estrangeiro no sistema de empregabilidade da FGTAS/Sine, ele precisa estar regulamentado no país”, explica.

Segundo a coordenadora do FGTAS, o movimento recente dos últimos meses mostra que os cubanos chegam ao Brasil de forma mais organizada, geralmente já com o visto, e que conseguem mais facilmente ingressar no mercado de trabalho formal.

Já alguns argentinos encontram maior dificuldade em ingressar à formalidade. Muitos deles chegam sem nenhum tipo de visto, o que acaba os levando para a informalidade. Outro ponto observado, segundo Aline é que os cubanos chegam com qualificação profissional, a maioria na área da saúde, engenharia e Direito.

De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social de Três de Maio, no momento são atendidas 14 famílias de estrangeiros no município, sendo que todos estão trabalhando. “O Cras - Centro de Referência em Assistência Social do município tem auxiliado com documentos e no transporte até a Receita Federal, para a legalização da situação. O Centro de Referência também fornece roupas, cobertores e alimentos para aqueles mais necessitados”, informa o secretário Bertiê Konig.

O prefeito de Três de Maio e presidente da Amufron, Marcos Corso, disse que “existe uma demanda por mão de obra em nível regional. Os estrangeiros, em especial argentinos, têm chegado à nossa região, estão trabalhando e na sua maioria, muito bem”, pontuou. Em nível regional, conforme Corso, a Alibem é uma das empresas que demonstrou interesse na mão de obra estrangeira.

Recentemente, o município de Santa Rosa firmou um termo de cooperação com a prefeitura de Oberá, Argentina, que servirá para facilitar o acesso ao mercado de trabalho.

Conforme o Ministério da Educação, para o estrangeiro com qualificação profissional poder trabalhar no Brasil, precisa revalidar o seu certificado, que é encaminhado através das universidades públicas brasileiras, e varia de acordo com a universidade.

 

Entidades buscam formas de agilizar contratação de mão de obra estrangeira

Na Associação Comercial e Industrial - ACI de Três de Maio, a pauta tem sido tratada constantemente com os empresários. “Fizemos um levantamento interno e as empresas estão precisando de mão de obra. Existe a possibilidade de fazermos um convênio para facilitar a vinda, principalmente de argentinos, dentro da legalidade. Hoje há uma porta de acesso para as pessoas trabalharem de forma correta no Brasil. O que estamos buscando são novas possibilidades de acelerar este processo”, salienta o presidente da entidade, Jesildo Lima.

 

Presidente da ACI, Jesildo Lima

 

A Associação reforça que contatos com a FGTAS têm sido feitos para tratar desta questão. “Conversamos com o presidente para termos mais informações, porque também é de interesse da FGTAS este acolhimento de pessoas que vêm de outros países”, explica.

Jesildo acrescenta que a desproporção entre o número de vagas disponíveis e a oferta de mão de obra é um dos fatores que se considera para que a vinda de estrangeiros possa ser acelerada, desde que na formalidade. “Nós temos demanda, as empresas querem, então temos a possibilidade de colocar mais pessoas no mercado de trabalho, por haver vagas que não tem suprido pela população local e regional. É uma questão que estamos debatendo e temos a possibilidade de avançar”, frisa.

 

Não existe número exato de estrangeiros no município

Já o presidente do Sindilojas, Dilson Mireski destacou que o assunto tem sido abordado no sindicato local e em nível regional. Uma reunião regional, no mês passado, tratou sobre o tema. “Nós levantamos essa pauta pela questão trabalhista. Trata-se de uma proteção, tanto para a empresa (que é a nossa maior preocupação, por serem os nossos representados), quanto também pela dificuldade em conseguir mão de obra. A cada dia vemos cartazes em empresas, anúncios em redes sociais dizendo que há vagas. Essas pessoas estão vindo à procura de emprego. Então, estamos agilizando com a Fecomércio, para nos dar suporte junto ao governo do Estado”, ressaltou Mireski.

Conforme Dilson, não existe dados exatos de quais setores estão empregando maior número de estrangeiros. “Se comenta que em serviços domésticos, outros dizem que é na construção civil. Sabemos que eles estão em nossa região e essa mão de obra está sendo absorvida. O nosso papel como entidade é fomentar as possibilidades, tanto para proteger a nossa mão de obra local, quanto às empresas para que possam suprir suas vagas abrindo aos estrangeiros”, conclui.

 

Contratação de estrangeiros favorece troca de conhecimento e experiências entre colaboradores

Uma das empresas que tem contratado estrangeiros é o Grupo Lactalis. Conforme informações repassadas pelo setor de Recursos Humanos, do total de 478 colaboradores a indústria conta com oito estrangeiros, naturais da Nigéria, Equador, Argentina e Cuba. “O Grupo Lactalis valoriza e promove uma cultura de diversidade e inclusão, e pessoas de diferentes nacionalidades são sempre consideradas para as vagas disponíveis”, disse o setor de RH à reportagem.

A empresa avalia que os desafios na contratação de estrangeiros aparecem na documentação e na língua. “Muitas vezes os estrangeiros acabam não possuindo todos os documentos legais necessários para a admissão e também há dificuldades na comunicação efetiva”, reforça o setor.

O grupo salienta que possui uma parceria com a FGTAS/Sine local, que estende convites para participar de recrutamentos itinerantes exclusivo para estrangeiros. Nesses recrutamentos, a empresa recebe candidatos de diversos profissionais de várias nacionalidades. Para a empresa, essas contratações são de extrema importância pois fortalecem a diversidade de culturas, experiências e, principalmente, a troca de conhecimento que ocorre entre os colaboradores com a vivência de profissionais/pessoas de outras nacionalidades.

E uma estrangeira que foi contratada através da parceria com a agência do FGTAS/Sine foi a nigeriana Blessing Opute, 22 anos.

 

Legalização na Receita Federal

Nossa reportagem contatou o Núcleo de Registro de Estrangeiros/SRRS, para obter informações  dos procedimentos necessários para que o estrangeiro possa acessar o mercado formal de trabalho. Segundo o Núcleo há uma legislação a ser seguida, a Nova Lei de Migração, n° 13.445, de 24 de maio de 2017 e o decreto n° 9.199, de 20/11/2017, que regulamenta a lei. Todo estrangeiro que entra no Brasil recebe um prazo de permanência, conforme previsto no quadro geral de visto de entrada (disponível no link https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/QGRVsimplesport24MAR231.pdf). Neste período, o migrante deverá se registrar na PF, conforme os acordos e tratados com o país de origem. Assim, as exigências variam de acordo com o país de origem desse migrante.

Não havendo amparo legal para determinado país, ainda sim o migrante poderá fixar residência, caso seja deferido pedido junto ao Ministério da Justiça, através do Migrante Web, por trabalho ou estudos (pesquisa).  

Na maioria dos casos, o estrangeiro recebe um documento com prazo temporário e válido por dois anos e, em outros, dependendo do amparo, recebe permanência direto com documento válido por 9 anos.

 

Blessing com o professor Sílvio, do curso para operador de caldeira, na Lactalis,e os colegas de trabalho, Felipe, Vinícius e Luciana

 

‘Se você quer crescer, aprender algo novo, tem que  ir atrás’, diz Bless, a primeira mulher a operar uma caldeira na unidade da Lactalis de Três de Maio

A nigeriana Blessing Chiyenum Opute, 22 anos, mora em Três de Maio há quatro anos. É a segunda passagem dela em terras brasileiras. Entre os anos de 2016 e 2017, Blessing, então com 15 anos, participou do intercâmbio do Rotary Club. Na época, morou com algumas famílias três-maienses, pelo período de 11 meses e depois retornou para Nigéria. “Eu fiquei dois anos na Nigéria. Terminei o Ensino Médio e comecei a fazer provas para conseguir uma bolsa e voltar para o Brasil, porque era aqui que eu queria morar. Tive a oportunidade de fazer uma amizade muito grande com as famílias de Mireia e Roque Bohnen e de Grasiela e Cristiano Rambo que me hospedaram durante meu intercâmbio do Rotary. Então consegui a oportunidade de voltar a morar no país”, conta.

Em 2019, Bless (como é carinhosamente chamada) retornou ao Brasil com a ajuda da sua “mãe brasileira Mireia Bohnen”. “Ela e a família me receberam novamente, me hospedaram e me auxiliaram a encaminhar toda a minha documentação”, recorda. 

Com a família Bohnen, ela morou por dois anos, até que conseguiu se organizar. A documentação foi regularizada na Polícia Federal, com o RG e CPF.

Blessing conseguiu uma bolsa de estudos pela Setrem. “Primeiro iniciei estudando Técnico em Comunicação Visual. Conclui o técnico e comecei a estudar o bacharelado em Administração, também na Setrem”, diz.

 

É preciso aproveitar as oportunidades 

Bless não encontrou dificuldades para ingressar no mercado de trabalho. No começo, atuou como costureira, numa indústria de confecção. “Também deixei currículos em outras indústrias de confecção de roupas. Como eu sabia costurar, foi fácil encontrar trabalho”, relata. Foram quatro experiências profissionais: Coala, Squema Sports, Abelli e Grands Gym. A última, ficou por dois anos e quatro meses.

Após este período, ela se propôs a um desafio pessoal. “Eu resolvi sair um pouco da costura e fazer algo diferente. Eu costurava no trabalho e também em casa. Ou seja, a maior do tempo passava costurando. Foi então que tentei algo diferente”, recorda.

Bless enviou um currículo para a indústria Lactalis. “Fui chamada e fiz a entrevista. Falei sobre mim, como cheguei até aqui e que até então só tinha trabalhado com costura. Mas disse que estava estudando e tentando uma oportunidade de aprender algo novo”, disse.

Na indústria de derivados do leite, ela começou trabalhando como auxiliar de produção. Com cinco meses na empresa, surgiu uma vaga para operador de caldeira. “A vaga chamou minha atenção, e então me inscrevi para fazer o curso. Aceitei o desafio de crescer dentro da empresa. Conclui o curso, passei na prova, fiz o estágio e fui aprovada. Hoje sou a primeira mulher trabalhando no setor de caldeira da unidade da Lactalis de Três de Maio”, conta.

Para a jovem, existem muitas oportunidades para quem quer trabalhar, mas é necessário ter vontade e ir atrás. “Foi uma oportunidade que eu abracei. As oportunidades existem. Se você quer crescer, tem que ter garra para aprender algo novo, tem que ir atrás. E essa é a minha história dentro da Lactalis. É uma empresa grande, que tem várias oportunidades e que só precisa ir atrás”, reforça a jovem.

 

‘Aqui existem mais possibilidades. A forma de trabalhar nas empresas é muito melhor’, diz argentino que está há quatro meses em Três de Maio

O argentino Jose Sebastian Silva, 26 anos, trabalha na Mil Léguas, como auxiliar de produção. Ele é um dos quatro irmãos que trabalham na fábrica de baterias. A história dos irmãos argentinos em solo três-maiense iniciou com a vinda de Max, em fevereiro deste ano.

Um amigo do pai dos argentinos, que mora no Brasil, sugeriu a Região Noroeste, devido à grande oferta de empregos. Ao chegar aqui, inicialmente Max trabalhou como pedreiro. Foi então que ele ficou sabendo de vagas de trabalho na fábrica. Max avisou o irmão Damião – que ainda estava na Argentina –, sobre a vaga na empresa.

Damião chegou aqui e com a ajuda da direção da Mil Léguas, conseguiu regularizar a documentação e começou a trabalhar na empresa. Pouco tempo depois, Max também passou a trabalhar na mesma empresa. Na sequência veio Jose Sebastian e, por último, Ezequiel. 

Na Argentina, há mais quatro irmãos, além dos pais, que trabalham como agricultores, na cidade de Posadas, região das Missiones, distante 160 km da fronteira.

Ao entrar no Brasil, o argentino recebeu um documento, a ‘permission’, para poder permanecer no país por 90 dias.

Quando buscou emprego na fábrica de baterias, a empresa deu suporte para que ele encaminhasse a documentação de visto para a permanência no país, CPF e carteira de trabalho. “Estou melhorando no trabalho. Gostei da empresa, estou faceiro. Ainda não sei falar o português, mas consigo entender”, declara o argentino.

No país vizinho, Jose Sebastian trabalhou como pedreiro, eletricista, soldador e com montagem de galpões. “Trabalhei em quatro empresas na Argentina. O salário lá é muito baixo. A inflação também sobe a cada dia. E calculando o salário entre Argentina e Brasil, lá eu ganhava em torno de R$ 800 por mês. Aqui o salário é muito melhor”, afirma.

Para ele existe uma diferença muito grande entre as empresas da Argentina e do Brasil. “Aqui existem mais possibilidades, a forma de trabalhar é melhor; o trabalho é mais tranquilo, a maneira de conviver é diferente, muito melhor”, salienta.

O argentino tem um filho, de cinco anos. A cada três meses ele passa a aduana em Porto Mauá para depositar dinheiro na conta da mãe do filho, que mora na Argentina. 

Jose também revelou à nossa reportagem, que a mãe necessita de uma cirurgia. “Se pudesse, trazia os meus pais para cá, para ficarem mais perto de nós, mas eles não querem sair da casa deles”, lamenta.
 

‘Para nós têm dado certo e estamos muito satisfeitos com o trabalho deles’, diz empresária que emprega quatro argentinos

A empresária Ivete Herberts, da empresa Baterias Mil Léguas, avalia de forma positiva a migração de estrangeiros para complementar a mão de obra no município. A empresa emprega quatro argentinos dentro da lei. “Em um primeiro momento, um argentino procurou emprego na nossa empresa. Ele veio somente com visto provisório. Então foi encaminhado o visto para que pudesse permanecer no Brasil e trabalhar formalmente, com carteira de trabalho assinada e todos os direitos”, explica.

Ivete lembra que este funcionário acabou convidando os irmãos para buscarem emprego no município. “Aqui na empresa, primeiramente o funcionário precisa aprender o trabalho que vai desempenhar. É um trabalho mais braçal, mas eles não tiveram nenhum problema em se adaptar ao serviço. Hoje são quatro argentinos trabalhando com carteira assinada”, ressalta.

Com a crise econômica no país vizinho, existe muito desemprego e eles vêm ao Brasil com muita vontade de aprender e trabalhar. “Com a crise, não há oferta de emprego na Argentina, aqui em nosso município precisamos de mão de obra, e os argentinos querem trabalhar. Então é a lei da oferta e da procura. Para nós têm dado certo e estamos muito satisfeitos com o trabalho deles”, conclui Ivete.