Razões para além das aprendizagens escolares para que crianças e adolescentes frequentem presencialmente a escola

Razões para além das aprendizagens escolares  para que crianças e adolescentes  frequentem presencialmente a escola
Alunos em sala de aula - Foto Pixabay

Nosso país nunca foi um grande exemplo quando se trata da frequência e evasão escolar dos alunos da Educação Básica. Com a pandemia, o problema tomou dimensões incompreensíveis. É  assustador constatar que algumas escolas ficaram fechadas por  três semestres, e o pior,  ainda existem escolas fechadas no país afora. “Ao  fazer um comparativo com outros países, na Dinamarca as escolas ficaram fechadas por 20 dias e a média de dias de escolas fechadas nos países que fazem parte da Organização e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 68 dias. Outro dado também relevante, é o fato de que 4,12 milhões de alunos, apesar de matriculados e sem estar em período de férias, não receberam nenhuma atividade escolar no ano passado”. (Zero Hora, 7 e 8 de agosto de 2021).


As perdas de aprendizagens  escolares dos dias “perdidos” são irrecuperáveis. O professor dr. José Luiz Caon, (UFRGS) há muitos anos, nos cursos de formação de professores, não cansava de pontuar  que não há como recuperar uma aula, a aula que foi não dada, é perdida para sempre. Pode-se, sim, dar outra aula, num outro momento, com outras interações e aprendizagens. Essa realidade  nos faz pensar nas crianças em processo de alfabetização, 500 dias sem aprendizagens escolares presenciais, produz lacunas  no desenvolvimento cognitivo e subjetivo. O que essas crianças podem chamar de “minha escola, minha professora ou meu professor, meus colegas, minha amiga ou meu amigo”?  E em termos de domínio de conhecimentos, quanto ela aprendeu?  


Escola é vida, alegria, frustração, encontros e desencontros, aprendizagens, algo vital para um pleno desenvolvimento.


Estar na escola significa muito mais do que aprender conteúdos científicos, 
significa tornar-se pessoa, gente que aprende a lidar com todo tipo de  situação,  que só o simples fato de estar  vivo já implica. A escola, sem a menor dúvida, é um desses lugares onde todo tipo de situação acontece inevitavelmente. 


Por exemplo, no ensino presencial a criança se depara com colegas de todas as idades, origens e culturas, possibilidade que permite defrontar-se com as diferenças e interesses distintos, algo que ela não pode desenvolver num outro espaço, pois outros espaços como os das relações fraternais, clubes, ruas e etc. caracterizam-se muito mais  como espaço dos  “iguais”. Na escola, ela tem acesso aos conhecimentos de todas as áreas acumulados nos últimos milênios, com a vantagem de ter mestres para apresentar essa riqueza toda e mediar as aprendizagens. Assim, a escola oferece uma oportunidade inigualável de aprender a ter manejos relacionais para lidar com as diversidades geracionais, bem como, desenvolver habilidades de tolerância e respeito com outro. Desse modo, constrói um aparato psíquico mais consistente para enfrentar o mundo e, com todo o conhecimento adquirido, a criança e o adolescente podem olhar para si e a sociedade com mais sagacidade, fazer mais e melhor para si e para o mundo. 
Na escola além de ter muitos 


colegas, ela pode escolher um amigo, sem a interferência dos pais, amizades que em muitos casos  persistem ao longo de toda a vida. Pode contar com a referência de muitos adultos, cada um de um modo único de ser, experiências riquíssimas, que vão  para além das figuras parentais ou de parentesco. 


Nesse sentido, os professores ou professoras podem fazer inscrições subjetivas que dão “direções” que vão fazer a diferença para o resto da vida. Privar as crianças e adolescentes da construção de todos esses laços, que vão muito além das aprendizagens da ciência, significa empobrecimento psíquico e social ou seja, reduz mentes.


As palavras de um mestre, que não opera no lugar de um anônimo, como infelizmente existem alguns, mas contando com aqueles que se implicam com aquilo que falam, afeta a alma e o desenvolvimento intelectual dos alunos. Sabemos que desde o nascimento, as crianças recebem dos adultos em seu entorno e por um longo período, um verdadeiro “banho” de palavras que carregam os mais variados significados. A escola é um desses espaços onde as crianças e o os adolescentes são “banhados” de palavras, privá-los desses encontros, é tolher a vida subjetiva dos mesmos.  


Escutar o mestre e o mestre dar a palavra para uma criança, faz com que ela possa desenvolver e aprimorar suas relações, se valendo da linguagem do “verbo” de modo, que ela não necessite jamais se valer da força física para “garantir seu lugar”. 


Não valorizar o acesso às palavras ou a transmissão, é minimizar  o caráter polissêmico da linguagem humana. Só os humanos sabem lidar com mensagens em forma de negação, ou em forma de metáfora ou neologismos. A pluralidade dos sentidos é próprio dos humanos. Pobreza de linguagem se reduz em pobreza de pensamento, que acaba se traduzindo em limitações subjetivas (de sentir) e cognitivas (de entender).


A escola é o espaço mais apropriado para a socialização. É somente com  o processo da socialização que o “estranho” torna-se familiar, a começar pelas  normas da escola, disciplina, horários  e principalmente  o confronto  do  modo de “ser” de seus pares. É pela convivência e pelo ato educativo dos professores, que a criança se torna um ser social que respeita os outros com todas as suas diferenças, ao ponto de poder transformar psiquicamente o “estranho” em  familiar, é por essa razão, que a criança e o adolescente não precisam mais rechaçar o que lhe era estranho.


Sob esse aspecto a socialização, tão valorizada no espaço escolar, vai para além  da capacidade efetiva de dominar códigos num determinado contexto; isto é, a capacidade de operar dentro de um quadro relacional que tem regras e interdições específicas, muito distintas do quadro das relações familiares. Essas vivências implicam na quebra da imagem narcísica que a criança tem diante de si. Se em casa as atenções se voltam para ela, na escola as  atenções tem um componente coletivo e cada um tem que se haver consigo mesmo, para merecer um lugar digno para si.


Socialização pressupõe a capacidade de enfrentar conflitos, impasses e até mesmo as rejeições, discriminações, experiências nem sempre positivas, mas são essas vivências que capacitam, para que mais adiante possam enfrentar os percalços da vida. Na escola, elas podem contar com os educadores mediando as situações de conflito e apaziguando as angustias. A partir dessa ótica, a escola opera com  um dispositivo de socialização do narcisismo. “Condomínios Fechados” não se sustentam no espaço escolar, pois, ali constitui-se um lugar que  é para  todos, independentemente da classe, raça ou poder econômico. 


Portanto, pode-se concluir que conteúdos escolares podem ser ensinados em casa, mas com custos altíssimos e nem sempre satisfatórios. O que, porém, não se pode proporcionar com o ensino remoto, é todo o aparato das experiências subjetivas e construtivas cognitivamente que uma criança ou adolescente vivencia  ao frequentar a escola presencialmente  e poder dizer “essa é a minha escola”, uma sensação de pertencimento que só o ensino presencial pode proporcionar.  

 

Elaine Werle é psicóloga, psicanalista com Mestrado em Educação na Área de Aconselhamento Psicopedagógico pela PUC/RS e especialista em Aprendizagens (Psi) Lógicas e Direito, Sociedade e Psicanálise pelo IESA/CNEC