O uso excessivo de telas e os prejuízos para o desenvolvimento infantil
Doutora em Educação e especialista em Neurociência e Educação, Neusa Cristina Pereira alerta que prejuízos vão de aspectos físicos, cognitivos e psicológicos a sociais
"Hoje a tecnologia permeia quase todos os aspectos de nossas vidas, trazendo mudanças na maneira como trabalhamos, aprendemos, nos divertimos e nos conectamos socialmente. No entanto, a necessidade de limitar o uso de telas na infância e adolescência é de fundamental importância para assegurar o desenvolvimento integral e uma vida equilibrada", alerta a especialista em Neurociência e Educação e doutora em Educação, Neusa Cristina Pereira.
Ela, que também é psicopedagoga clínica e especialista em Atendimento Educacional Especializado (AEE), afirma que a utilização facilitada das redes sociais e a multiplicação do acesso a aplicativos e jogos on-line direcionados às crianças e adolescentes prolongam o tempo de utilização de equipamentos como celulares, computadores e tablets.
"As pesquisas têm mostrado (Desmurget, 2021) que o consumo recreativo do digital - em todas as suas formas - pela nova geração é absolutamente astronômico", relata.
Segundo a pesquisa, a partir dos 2 anos as crianças dos países ocidentais acumulam diariamente cerca de 50 minutos diante da tela. Entre 2 e 8 anos, esse tempo é de 2h45min. Entre 8 e 12 anos, os jovens passam aproximadamente 4h45min diante da tela. Entre 13 e 18 anos, eles chegam perto de 7h15min. Ao final de um ano, isso totaliza mais de 1.000 horas para um aluno da pré-escola, 1.700 horas para um estudante do Ensino Fundamental e 2.650 horas para um aluno do Ensino Médio.
Para a doutora em Educação, o grande problema é: o que as crianças estão deixando de fazer para ficar nas telas? Crianças que antes corriam pela casa, bagunçavam o quarto, pintavam as paredes, brincavam de boneca, jogavam futebol, enchiam os pais de perguntas, agora passam horas quietas, sentadas, concentradas, voltadas para as telas.
"Esses aspectos trazem impactos negativos para o desenvolvimento infantil. Durante a primeira e segunda infâncias (do nascimento aos 6 anos), a criança é apresentada às interações sociais mais primordiais. Nesse período ela conhece/reconhece o mundo por meio de estímulos sensoriais. É também nesse período que os principais alicerces da inteligência são desenvolvidos: linguagem, memória, atenção e funções executivas", alerta.
Estudos apontam ainda alguns dos principais prejuízos causados pelo uso excessivo das telas nos aspectos físicos, cognitivos, psicológicos e sociais:
1) A dependência digital é um processo que torna a criança mais “acelerada”, ocorre alternância de humor em função, principalmente, da liberação de dopamina no cérebro;
2) Danos à saúde mental, irritabilidade, ansiedade, depressão;
3) Prejuízos no desenvolvimento psicomotor (escrever, pintar, desenhar, andar, correr, equilíbrio, lateralidade);
4) Problemas de visão, problemas na fala, linguagem e interação social;
5) Prejuízos na imaginação, criatividade, resolução de problemas e tomada de decisões;
6) Problemas de atenção e controle dos impulsos;
7) Problemas de aprendizagem (geralmente causados pela dificuldade de concentração, memória e planejamento);
8) Prejuízos na alimentação e qualidade do sono;
9) Sedentarismo;
10) Risco dos conteúdos (é difícil controlar o que as crianças estão assistindo)
11) Prazer e abstinência;
12) Diminuição da qualidade e quantidade das interações intrafamiliares, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional; diminuição do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras (lição de casa, música, arte, leitura, etc.);
13) Superestimulação da atenção, levando a distúrbios de concentração, aprendizagem e impulsividade; subestimulação intelectual, que impede o cérebro de desenvolver todo o seu potencial; e o sedentarismo excessivo, que além do desenvolvimento corporal, influencia a maturação cerebral.
Para a mestre e doutora em Educação, "temos clareza de que não se trata de negar ou impedir o uso da tecnologia pelas crianças, mas é importante que adultos as orientem para que seu uso não as prejudique e nem comprometa sua saúde e segurança."
Ela dá algumas dicas importantes para pais e responsáveis:
1) Limitar o acesso e dar exemplo. Uma das melhores maneiras de limitar o uso das telas é estabelecer horários específicos para sua utilização. A partir disso, as crianças aprendem a gerenciar seu tempo;
2) Estabelecer regras claras. As regras estabelecidas precisam ser adequadas e cumpridas;
3) Trabalhar com a previsibilidade. Avisar a criança sobre o tempo de uso que já fez e quanto ainda resta;
4) Reorientar as atividades. De nada adianta retirar tempo do uso das telas sem proporcionar outras atividades orientadas para a criança. É necessário estabelecer um cronograma de atividades;
5) Não usar telas depois das 18h;
6) Não usar telas em horários de alimentação;
7) Explicar para as crianças o “perigo” das telas, como usá-las e a importância de desenvolver outras atividades;
8) Implementar uma “desintoxicação digital” regular. Organizar um dia com atividades em família sem o uso das telas, um dia destinado a brincadeiras e conversas;
9) Monitorar e orientar os conteúdos consumidos. Isso envolve não apenas a verificação regular dos aplicativos e sites que estão sendo utilizados, mas também a orientação sobre os tipos de conteúdo que são educativos e benéficos.
Neusa também salienta que é importante lembrar que o bom desenvolvimento infantil passa pela qualidade das interações que as crianças têm com seus pais, cuidadores e com o mundo à sua volta. "É através dessas interações que a criança vai se desenvolvendo física e cognitivamente, adquirindo habilidades que vai utilizar por toda a vida", diz.
A profissional sugere a leitura do livro A fábrica de cretinos digitais: Os perigos das telas para nossas crianças, de Michel Desmurget, publicado no Brasil em 2021. Na obra, o escritor convida o leitor a uma ampla reflexão sobe os impactos do uso das telas digitais no desenvolvimento infantil, além de instigar a pensar sobre a saúde física, mental e intelectual de crianças, jovens e adultos, além de nos provocar a aprendermos a conviver e nos relacionarmos de uma maneira saudável com as telas.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, o tempo de uso diário de tecnologia digital deve ser limitado e proporcional às idades e às etapas do desenvolvimento: 1) Menores de 2 anos: nenhum contato com telas; 2) Dos 2 aos 5 anos: até uma hora por dia; 3) Dos 6 aos 10 anos: entre uma e duas horas por dia; 4) Dos 11 aos 18 anos: entre duas e três horas por dia. |
Neusa Cristina Pereira é professora do curso de Pedagogia da Setrem. Tem formação em Pedagogia e Psicopedagogia Clínica; Especialização em Atendimento Educacional Especializado (AEE); Especialização em Neurociência e Educação; Mestrado em Educação e Doutorado em Educação
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