Nos últimos 12 anos, 87% dos produtores de leite abandonaram a atividade

Em quatro anos e meio, quase mil produtores deixaram a produção de leite

Nos últimos 12 anos, 87% dos produtores  de leite abandonaram a atividade
De 2010 a junho de 2023, 1.378 produtores de leite decidiram parar de trabalhar com a atividade em Três de Maio

São 1.378 produtores de leite que decidiram parar com a atividade em Três de Maio no período de 2010 a junho de 2023. Os dados são do escritório municipal da Emater-RS/Ascar, repassados a pedido da reportagem do Jornal Semanal. O número indica uma desistência de 87,22% de agricultores em um período de 12 anos e meio. Em 2010 haviam 1.580 produtores no município, passando para os atuais 202.

No período entre 2010 e 2018 houve um abandono relativamente baixo, ficando entre 0,5 e 7% ao ano. Porém, a partir de 2019, houve uma aceleração no número de produtores que abandonaram a atividade. Somente naquele ano, 395 produtores optaram em não trabalhar mais com a atividade leiteira, o que significou um índice de desistência de 33% em relação ao ano de 2018.

Os dois anos seguintes se mantiveram com queda elevada. Outros 215 produtores pararam de trabalhar na pecuária leiteira em 2020 e 211 no ano de 2021. No ano passado, mais 95 e somente nos primeiros seis meses de 2023, 72 agricultores não trabalham mais com leite. De 2019 a 2023, 988 agricultores abandonaram a atividade.

 

‘Baixa lucratividade é o principal fator da desistência de produtores’, observa Leonardo Rustick, da Emater

Para o chefe do escritório da Emater de Três de Maio, Leonardo Rustick, o principal fator que tem levado ao abandono da atividade é a baixa lucratividade obtida. “O cenário do leite é preocupante. O produtor está pedindo socorro para continuar na atividade. O abandono da atividade está ocorrendo porque ela não está dando lucratividade. É um valor muito baixo pago pelo litro do leite ao produtor e, na contramão, os insumos e o custo de produção estão muito altos. Assim, não há mais lucro na propriedade e os produtores abandonam a atividade”, avalia, ressaltando ainda que existem outros problemas aliados que resultam no abandono da atividade, mas que não são tão alarmantes como a falta da lucratividade.

Quanto a acentuada queda no número de produtores em 2019, Rustick aponta para a valorização de outras atividades. “De 2019 em diante, em que o preço dos grãos estava muito atrativo, muitos agricultores migraram para essa atividade, deixando a produção de leite”, cita.

O extensionista ainda salienta que a atividade também possui outra particularidade. “Há um grande número de produtores em idade mais avançada e, no momento em que ele alcança a idade de se aposentar, ele abandona a atividade leiteira. Mesmo assim, friso que o grande fator de o abandono ocorrer está na falta de lucratividade da produção de leite. Quando a atividade não é mais rentável, ocorre a desistência”, lamenta.

 

Chefe do escritório da Emater de Três de Maio, Leonardo Rustick

 

Produção de leite caiu 39% em 12 anos e meio

Por outro lado, a queda na produção de leite e do rebanho no município não caiu da mesma forma que o número de produtores. Enquanto que 87% dos agricultores deixaram da atividade, o rebanho caiu 31%. De 10 mil animais, passou para 6.830, uma redução de 3.170 animais no período. O dado reflete na queda de produção de leite ao ano de 51,1 milhões de litros para 31,025 milhões, uma redução de 39,29% em 12 anos e meio. “A produção não caiu tanto no município porque aqueles produtores que ficaram na atividade conseguiram aumentar sua produção. Nós temos no município grandes produtores de leite. São propriedades que investiram. A maioria dos pequenos produtores abandonou a atividade, mas algumas propriedades e granjas leiteiras registraram aumento de produção. Então, por isso, a produção de leite não caiu da mesma forma como o número de produtores que deixaram a atividade”, justifica Leonardo.

 

‘Não há um motivo para continuar em uma atividade que dá tanto trabalho e não tem lucro’

O presidente do Sindicato Rural de Três de Maio e também produtor de leite, Neri Schroer, diz que a atividade está insustentável.  “Não tem mais como o produtor aguentar os valores que recebe pelo litro de leite vendido. O preço pago não cobre nem os custos de produção e, muito menos, sobra um pouco de lucro. É por isso que há tantos produtores desistindo da atividade”, declara Schorer.
Um dos principais pontos levantados pelo dirigente sindical é quanto a importação de leite. “Essa enxurrada de leite que está entrando dos países vizinhos está terminando com o produtor brasileiro e isso é algo que nós não sabemos o que fazer”.

Presidente do Sindicato Rural de Três de Maio e produtor de leite, Neri Schroer

 

A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) – entidade que representa o SR em nível estadual – esteve reunida com o ministro da Agricultura, Carlos Favaro, durante a Expointer, reivindicando alguma medida que barrasse as importações. “O Ministério justificou que eles não podem fazer uma taxação ou proibir essa entrada, porque possuem acordos comerciais. Mas uma medida para que haja menos leite importado em nosso país só poderia ser feita pelo Governo Federal”, pontua.

Neri ressalta que os produtores brasileiros estão à mercê desse leite importado. “Não estamos enxergando uma luz no final do túnel. Sem medidas para proteger o produtor de leite, não estamos vendo nada de bom pela frente”.
Conforme Neri, até pouco tempo se pensava que a atividade leiteira fosse manter o agricultor, produzindo e se sustentando, principalmente nas pequenas propriedades, mas os números dizem o contrário. “O produtor está desistindo pois não há um motivo para continuar em uma atividade que dá tanto trabalho e não tem lucro. Essa é a atividade que mais dá mão de obra. Não existe sábado, domingo ou feriado. É desde cedo até à noite. Por isso que estão desistindo”, enfatiza Neri.

 

Sindicato oferece Assistência Técnica e Gerencial

Uma das ações desenvolvidas entre o Sindicato em parceria com o Senar-RS são as ATeGs (Assistência Técnica e Gerencial). Um técnico visita as propriedades e presta assistência por quatro horas por mês, de dois a três anos. O técnico auxilia o produtor no que precisar, desde as anotações de custo de produção até novas tecnologias. “Percebemos que em algumas propriedades que os técnicos atuam, os produtores estão mais animados. Por isso é interessante que o produtor tenha essa assistência. Há vagas na ATeG, basta procurar o Sindicato Rural. Essa assistência está paga, pois o Senar é financiado através de descontos compulsórios de comercialização de produtos e é através dessas ações que ocorre o retorno para os agricultores”, conclui.

 

‘Os agricultores estão desanimados, o preço pago pelo leite está baixando cada vez mais’, diz a presidente do STR, Anisia Trevisan

Conforme a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Três de Maio e São José do Inhacorá, Anisia Trevisan, a entidade tem atuado para que, em nível federal, ações como a redução da entrada de leite estrangeiro ocorra a fim de fortalecer a produção nacional.

Ao longo da semana, em sua agenda em Brasília como presidente da Expo Terneira 2024, Anisia aproveitou para encaminhar demandas com parlamentares gaúchos. “Para cada deputado federal e senador que estamos visitando, entregamos um documento elaborado em conjunto entre o STR e a Associação dos Produtores de Leite (Aproleite)  que mostra o quanto a desistência da atividade tem crescido entre os produtores de leite na nossa região e quais são as nossas reivindicações. Estamos pedindo para que nossos políticos trabalhem e tenham mais atenção para essa questão”, explica a presidente. 

Presidente do STR, Anisia Trevisan

 

Segundo Anisia, os deputados dizem que a importação ocorre devido a um acordo do Mercosul, mas que, se quisessem, teria como tomar medidas que fortalecessem a atividade leiteira nacional.

 

Governo federal precisa fazer sua parte

A presidente do STR também reforça que enquanto Fetag-RS (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul) – entidade que representa os STRs em nível de Estado – agendas com os ministérios são realizadas, solicitando que o Governo Federal olhe para os produtores de leite. “Desde a Marcha das Margaridas (realizada em agosto na capital federal), tivemos uma audiência no MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) em que foi solicitado que o governo faça uma fiscalização do leite que entra em nosso país, principalmente pelo Uruguai. São questões que só dependem do Governo Federal para que ocorra a devida fiscalização desse produto importado. Mas, por enquanto, somente existem algumas mudanças em taxas para importação de produtos lácteos, que subiram um pouco, mas ainda é pouca coisa”, diz Anisia.

Conforme a presidente, a situação é muito preocupante, porque tanto o número de produtores quanto a produção estão caindo a cada ano. “É uma situação muito difícil encarada pelos produtores de leite em nossa região. Os agricultores estão desanimados e o preço do leite está baixando cada vez mais. Em nome da Associação, representando os produtores de leite, e também enquanto Sindicato, nós seguiremos a mobilização para melhorar a cadeia produtiva leiteira”, finaliza Anisia.