A vida dos três-maienses pelo mundo afora

Busca por qualificação profissional levou Rodrigo Benedetti Gassen, 33 anos, para os Estados Unidos em julho de 2019. Atualmente, o jovem é pesquisador no Massachusetts General Hospital filiado à Harvard Medical School de Boston

A vida dos três-maienses pelo mundo afora
Letreiro de Hollywood, ícone cultural americano, com vista para Hollywood, Los Angeles, Califórnia

Rodrigo, 33 anos, estudou da pré-escola até a quinta série na escola Castelo Branco. Após, foi para o Colégio Dom Hermeto, até concluir o Ensino Médio. “Sempre fui interessado em biologia e química, então a minha decisão era cursar Bioquímica, se algum dia ingressasse em alguma faculdade, mas isso parecia ser um sonho muito distante”, lembra.

Em 2007, aos 17 anos, o três-maiense conquistou uma bolsa de estudos na faculdade de Farmácia na Universidade Franciscana (UFN), de Santa Maria. Ao longo do curso, ele se tornou bolsista de pesquisa e monitor da disciplina de Imunologia (matéria que estuda como nosso corpo é capaz de nos proteger de agentes invasores como vírus, bactérias, fungos, tumores...). “Eu também participava de pesquisas voltadas à virologia, cultura celular, biologia molecular e genética”, comenta.

Após se formar em 2012, Rodrigo foi atrás de um orientador que tivesse uma linha de pesquisa voltada à imunologia. Depois de algumas seleções, em 2013, foi aprovado para o Mestrado em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS). Lá começou a trabalhar com pesquisa em um vírus respiratório (VSR) e entender os mecanismos empregados por esse vírus para inibir o sistema imunológico, principalmente a produção de anticorpos neutralizantes. 

Em 2015, Rodrigo defendeu sua dissertação de Mestrado e ingressou diretamente em um Doutorado, também na PUC. O foco dos estudos era inibição do sistema imune, mas agora voltado a tumores. “Foram quatro cansativos anos de Doutorado. Durante o último ano, com a indicação de um colega que já estava no exterior, comecei a fazer entrevistas e mostrar meu trabalho para líderes de laboratório que trabalhavam com imunologia no exterior. Alguns meses antes da minha defesa do Doutorado, eu já sabia que iria para Boston fazer meu Pós-Doutorado, o que foi muito gratificante”, explica.

Filho de Marlene Inês Benedetti e Aldori Darci Gassen, Rodrigo pretende permanecer no exterior por pelo menos mais dois anos.

Rodrigo é pesquisador no Massachusetts General Hospital filiado à Harvard Medical School – Boston, onde faz seu segundo pós-doutorado

 

Rodrigo chegou aos Estados Unidos em julho de 2019. Ao longo desse período já morou em Boston e Cambridge (cidade na área metropolitana de Boston). Atualmente mora em Somerville. “São cidades muito próximas umas das outras, parecem até bairros de Boston, mas possuem prefeitura e organização individuais”, conta.

O três-maiense chegou sozinho na cidade, mas teve um grande suporte de um casal de amigos que já morava lá. Atualmente, trabalha como pesquisador no Massachusetts General Hospital filiado à Harvard Medical School – Boston, onde cursa seu segundo Pós-Doutorado.

A curiosidade de ter novas experiências, conhecer novas culturas e lugares e a busca pela qualificação profissional através do estudo foram os motivos para Rodrigo morar fora do Brasil. “Já imaginava que seria um desafio, mas não sabia que seria tão difícil. No primeiro ano é muito assustador porque exatamente tudo que você está acostumado no dia a dia é diferente – a língua, as expressões, o que é considerado certou ou errado. Um grande choque e uma sensação de não pertencimento aquele lugar. Mas com o tempo, as coisas se tornam mais leves e hoje me sinto bem adaptado", revela.

Quando criança, ele nunca imaginou que fosse morar no exterior. Ao ingressar no primeiro Pós-Doutorado, na PUC-RS, as possibilidades de isso acontecer foram aumentando, mesmo que Rodrigo duvidasse. “O número de bolsas para pesquisa está cada vez mais escasso no Brasil e tive que fazer contatos no exterior para conseguir ser contratado. Quando a oportunidade surgiu eu agarrei com todas as minhas forças”, afirma.

O jovem acrescenta que ter a chance de continuar se aperfeiçoando fora do Brasil, especialmente onde está agora, foi um grande presente do universo e fruto de muito esforço.

Por conta da pandemia, nestes três anos, Rodrigo só pôde visitar o Brasil uma única vez. “Foi muito bom, mas muito rápido, pretendo voltar mais vezes de agora em diante”, diz. O três-maiense diz que sente mais falta da família, dos amigos, da comida e do calor dos brasileiros.

 

O povo americano

O três-maiense conta que encontrou muitas diferenças quando chegou na nova cidade. “O primeiro ano morando em Boston foi muito desafiador. Me senti bastante sozinho em um lugar totalmente novo, sem saber interpretar a reação das pessoas e em um clima muito frio (mesmo gostando do frio – o inverno já chegou a -20 graus)”, revela.

Para ele, os americanos são muito organizados e perfeccionistas. “Ninguém atravessa a rua se o sinal não está aberto para pedestres, mesmo que não tenha nenhum carro na rua. Eles são muito educados e respeitosos também. Tudo isso é muito importante e interessante, contudo, eles são pessoas de poucos sorrisos e bem mais frios que os brasileiros. Como tudo, existem prós e contras”, compara.

Rodrigo acredita que o maior desafio encontrado em terras norte-americanas foi o choque cultural. Boston é uma cidade universitária e há cerca de 50 universidades na região, o que atrai pessoas de todo o mundo, logo, tem uma cultura diversificada. “No laboratório que trabalho tenho colegas da Alemanha, Turquia, Catar, Japão, China, Portugal, Holanda e também do Brasil. Cada um com culturas e costumes diferentes. A conversação no início é complicada, porque sempre existe o medo da pessoa entender de uma maneira ofensiva o que você está falando, mesmo sendo algo corriqueiro na sua cultura”, salienta.

Apesar disso, o pesquisador avalia que isso traz beleza e riqueza ao local. “Você está 24 horas por dia aprendendo e descobrindo que nem sempre o que você julga ser certo, é o certo para a pessoa ao seu lado. E está tudo bem. Essa é uma das belezas da vida. Aceitar e entender as diferenças”.

 

Rodrigo tem 33 anos e está há três morando no exterior

 

Artigos publicados em revista científica dos EUA

Cursando seu segundo Pós-Doutorado, Rodrigo se sente conquistando algo novo todos os dias. “No início era muito gratificante saber que era capaz de arriscar, deixar toda uma vida onde me sentia seguro e ir explorar e viver em um país totalmente diferente”, conta, ressaltando que nestes anos o crescimento pessoal e profissional foi constante. “Toda as vezes que consegui explorar outras cidades da região de Massachussetts, ou até mesmo minhas viagens para a Califórnia, Texas e Nova York, foram de grandes aprendizados e conquistas. Me sinto preparado e disposto a conhecer mais e mais. Como se uma porta tivesse sido aberta, para um mundo de possibilidades”, avalia.

Na parte profissional, Rodrigo diz que enfrentou um começo complexo. Ela havia saído de uma instituição em que as pessoas o conheciam e sabiam do que era capaz, tendo que, mesmo que indiretamente, provar que era bom o suficiente para estar onde está agora. “Depois de muita ansiedade e terapia, me sinto mais preparado. O meu esforço me rendeu frutos acadêmicos, e juntamente com meus colegas de laboratório conseguimos publicar cinco artigos importantes para a área de imunologia de transplantes – sendo que um deles foi a capa da revista American Journal of Transplantation, uma das mais importantes do meio”, declara.

 

Intenção é ficar mais dois anos nos EUA

A ideia inicial do pesquisador era de ficar nos Estados Unidos pelo período de um ano, mas acabou ficando mais tempo. “Um ano é um tempo muito limitado na minha área para conseguir publicar um artigo científico sólido e relevante.”

Rodrigo pretende ficar no exterior mais dois anos e depois disso ele ainda não sabe. "Gosto de deixar a vida me levar, mas sempre atento às oportunidades. Contudo, meu objetivo é me tornar um professor universitário e chefe de um laboratório de pesquisa em Imunologia no Brasil”, revela.

 

Morar fora demanda muito trabalho

Na opinião do pesquisador, para quem quer ser um cientista na academia, precisa trabalhar muito. “Eu praticamente não tenho horários fixos e isso faz com que tenha que trabalhar muito mais. Muitas vezes acabo levando trabalho para casa. E quando estou no laboratório, tudo depende da duração do experimento e o quão habituado com a técnica estou”, relata. 

Rodrigo revela que foram várias as vezes que já saiu do laboratório de madrugada, além dos finais de semana em que precisou trabalhar. “Além disso, a vida de um cientista é estar constantemente se atualizando, porque nós trabalhamos na fronteira do conhecimento”, conclui.

No dia a dia "normal", Rodrigo trabalha pela manhã e pela tarde. Após o trabalho, tenta ir à academia ou andar de bicicleta, assistir algum seriado. “Eu moro relativamente perto do trabalho, mesmo assim tenho que pegar um trem para chegar mais rápido”, explica.

Rodrigo destaca que com o seu salário consegue ter uma vida confortável. “Eu moro em uma casa grande de três andares e sete quartos. Divido a parte de baixo da casa com outros dois americanos”. Esse é o terceiro lugar que Rodrigo mora, mas é o primeiro com um pátio grande. "Agora posso fazer churrasco e ter uma horta”.

Quanto ao aluguel, ele ressalta que Boston tem um dos valores mais altos. “Acredito que seja o segundo lugar mais caro para se morar nos EUA, só perde para Nova York”. Já os gastos com alimentação, roupas, luz elétrica, água e aquecimento são relativamente baratos se comparados com o Brasil. “O poder de compra do salário mínimo aqui é muito maior que no Brasil. As marcas que consideramos grandes e famosas no Brasil são daqui, então todo mundo tem um iPhone e um tênis da Nike do último modelo na rua”, revela.

Contudo, o três-maiense frisa que nos Estados Unidos se a pessoa não tem um seguro de vida, ter acesso à saúde se torna muito difícil. 

 

Americanos não têm a real noção de como é a cultura brasileira

Ele conta que conhece pessoas de diferentes partes do mundo morando nos Estados Unidos. “Os americanos, no geral - existem exceções - são fechados, perfeccionistas e corretos ao extremo. A grande maioria não tem uma noção real de como é a cultura e a diversidade do povo brasileiro. Quando chego a algum lugar, sempre acham que sou alemão. Tenho que sempre explicar que qualquer fenótipo pode ser considerado brasileiro porque somos um país muito miscigenado”, esclarece.

 

Persistência para ser cientista

A persistência é fundamental na vida de um pesquisador, afirma o jovem. “Gosto de pensar que sempre estamos fazendo perguntas para a natureza. ‘Essa proteína X é importante para essa rota imunológica especifica?' Talvez sim, talvez não. Se sim, seguimos com a mesma hipótese e se não, formulamos outra’. Isso pode durar muito tempo e precisa de perseverança e muito estudo para entender o contexto geral. A ciência está em constate atualização. O que era uma verdade absoluta ontem, hoje pode não ser mais depois de uma nova descoberta”, conclui.

Rodrigo e os amigos de todas as partes do mundo – da Europa ao Oriente Médio –, na saída de um karaokê em Chinatown, um bairro chinês de Boston