‘A mulher precisa ser protagonista de sua própria história’
Afirmação é da psicóloga, psicoterapeuta e consultora empresarial Arlete Salante. Para ela, mais do que comemorar conquistas, momento é de enfrentar e vencer desafios. ‘Autoconhecimento é fundamental, pois sem conhecer o verdadeiro projeto existencial não há direção clara. Não basta saber a vocação profissional se antes não enfrentar os próprios medos e os estereótipos que a fazem errar e reproduzir a constante autossabotagem diante das oportunidades’
Na próxima segunda-feira, 8 de março, é comemorado o Dia Internacional da Mulher. Diferentemente de outras datas comemorativas, esta não foi criada pelo comércio e, sim, por operárias de uma fábrica dos Estados Unidos, que buscavam por salários e condições de trabalho melhores. No entanto, a reivindicação foi penalizada com a morte delas com a queima da fábrica a mando dos patrões. Apesar da tragédia, esse momento significou um símbolo de resistência, que impulsionou outras mulheres a continuar a busca pela igualdade de gênero. De lá para cá, as mulheres conquistaram direitos importantes, como o de ir e vir – sem a obrigatoriedade da companhia de um homem –, ao voto e ao estudo.
Apesar das conquistas, a desigualdade entre mulheres e homens é forte na sociedade. Muitas ainda encontram dificuldades em ingressar no mercado de trabalho ou, até mesmo, em cargos de chefia. Na pandemia, entre tantas dimensões de desigualdades evidenciadas, a sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidado foi uma das questões que as mulheres sentiram logo que as medidas de isolamento social foram iniciadas no Brasil.
Em matéria publicada no mês de agosto de 2020 no site da Unicamp, a psicóloga Simone Paulon citou a pesquisa recente “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia” – realizada pela ONG Gênero e Número e pela Organização Feminista “Sempreviva” –, que teve por conclusão que, “entre as 2.641 mulheres entrevistadas, 47% afirmaram ser responsáveis pelo cuidado de outra pessoa; 57% são responsáveis por filhos de até 12 anos, 6,4% afirmaram ser responsáveis por outras crianças; 27% declararam ser responsáveis por idosos; e 3,5% por pessoas com alguma deficiência”. A psicóloga avalia que a pesquisa fornece elementos importantes para que se olhe para as dinâmicas sexistas do cotidiano dos domicílios e se compreenda que a pandemia colocou em foco a intensificação e o aprofundamento de dinâmicas de desigualdade que estruturam a sociedade brasileira e são sentidas no dia a dia das mulheres”.
Além disso, os dados apontam que, entre os meses de março e abril de 2020, houve um aumento de 22% nos casos de feminicídio no Brasil, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Um estudo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo IBGE, aponta que cerca de sete milhões de mulheres deixaram seus postos de trabalho no início da pandemia, dois milhões a mais do que o número de homens na mesma situação. Isso implica em perda de renda, perda de poder econômico por parte das mulheres.
O Jornal Semanal conversou com a psicóloga psicoterapeuta e consultora empresarial, Arlete Salante, sobre a mulher de hoje e os desafios que ainda precisam ser enfrentados.
Como a pandemia impacta mais a vida das mulheres na sua experiência clínica?
O impacto é de uma sobrecarga que chega a gerar esgotamento físico e psicológico. Desde o início da pandemia, há um ano, praticamente todos os dias trato desta realidade no consultório. Isso porque a realidade do home office exige que as mulheres adequem a realidade profissional no ambiente doméstico onde, muitas vezes, os filhos estão em aulas online, um enorme malabarismo quando se juntam as tarefas domésticas e o estresse de todos restringidos do convívio social.
Além disso, existe a necessidade de celulares ou notebooks para todos, o que - para muitas famílias - é um gasto extra diante de um momento em que também a renda familiar diminuiu. O impacto da perda ou diminuição dos recursos econômicos torna-se um fator de sofrimento e até de desgaste nas relações familiares.
As crianças estão em fase escolar e trazem as exigências da escola que, por sua vez, delega aos pais acompanharem as tarefas, o que resulta em uma imensa sobrecarga às mulheres. A figura paterna, quando existe, ainda se coloca na posição de ‘ajuda’ em alguns casos, mas é sabido que a tendência dos homens é de uma não divisão justa das tarefas domésticas e da atenção aos filhos e os deveres escolares, salvo exceções.
O machismo estrutural também faz com que muitas mulheres assumam todas as responsabilidades. Em parte, porque foram educadas assim, mas também porque não têm no companheiro um parceiro que assume junto as tarefas e as atividades rotineiras do ambiente doméstico e da educação dos filhos. Lamentavelmente, além das mulheres estarem sobrecarregadas com excesso de demandas familiares, pelo exemplo, acabam educando seus filhos na mesma perspectiva: tudo de casa é por conta das mulheres.
Quem é a mulher de hoje?
É difícil definir uma mulher porque são infinitas as realidades de cada mulher, em especial porque é um período de grande transição social.
Todavia, a realidade que percebo é que muitas ‘acordaram’ em parte, e isso também gera certo sofrimento, porque quanto maior a lucidez, mais se percebe a própria necessidade de mover-se de forma diferente para ganhar sua liberdade existencial, e o apoio social para isso ainda é raro. Porém, as mulheres que decidem se desenvolver colhem grandes satisfações e expandem sua condição feminina com dignidade. Percebo também muitas mulheres jovens sofrendo tanto o peso da cobrança que vivem como a própria aquela realidade que foi introjetada porque estão refém da força da cultura machista que engessa e limita.
Com todas as conquistas nos últimos anos, sabemos que ainda muitas precisam ‘se encolher’, ‘diminuir seu poder’ ou então, ‘que não são nada’, se não tiverem um homem ao lado delas. O que você tem a dizer para estas mulheres?
O que eu tenho a dizer é que falta a cada uma delas sair da própria sombra e encontrar a sua luz. A insegurança é uma desonestidade para consigo mesmo porque faltou o trabalho interno de enfrentamento.
Todos os meus estudos me levam a realizar uma psicoterapia que sabe lidar com as profundas questões de gênero e traz uma libertação psicológica, porque a prisão está dentro de cada mulher que precisa ressignificar suas amarras. Vejo os resultados que obtenho como uma porta que abre a psicologia feminina e ilumina a força que existe em cada pessoa que aceita o processo com honestidade.
O habitual são mulheres que têm este discurso ficarem se vitimizando, sendo as tarefeiras sem receber a contrapartida da vida. Para se trabalhar em psicoterapia é preciso coragem e perseverança para sair destes discursos fracassados.
Sobre a busca incessante para acompanhar o ‘padrão de beleza’ imposto pela sociedade, como isto pode afetar a saúde mental da mulher?
Entendo que não é a imposição social que afeta a saúde mental gerando obsessão por uma certa imagem, mas algo da própria condição psicológica de cada mulher, como uma insegurança, uma falta de saber sobre quem realmente ela é e, por isso, algumas focam excessivamente na imagem. Enquanto isso, estão encobrindo as suas lacunas reais. Em psicoterapia trabalho os aspectos que geram estas distorções de realidade.
A busca por alcançar um padrão de beleza também vem conforme ‘as outras’. Este hábito tem sua origem nas tradicionais comparações que ainda algumas (senão muitas) mulheres fazem.
Na live do dia 1º de março, que está disponível no meu canal no Youtube, eu abordei este tema também. Aproveito aqui para divulgar o Canal Arlete Salante Psi na Prática, que sempre tem conteúdo que eu produzo. Basta as pessoas se inscreverem no canal e acionarem a notificação que serão informadas quando outro vídeo for lá postado.
Por que muitas mulheres ainda não se alegram com as conquistas e o sucesso de outras mulheres?
Verdade, há muitos aspectos da psique feminina desde a primeira infância que permanecem na adolescência e na vida adulta que geram a inveja feminina. São “nós emocionais” não resolvidos e também a manutenção de padrões culturais que fazem as mulheres se sentirem inseguras diante do sucesso daquelas que puderam romper com o comodismo destes padrões.
É uma realidade difícil, sinto na pele isso, e percebo que aquelas mais inteligentes se abrem. Mas aquelas mulheres que já estão rígidas dentro de si, logo fazem oposição pelo aprisionamento aos seus estereótipos, não se permitem ampliar o olhar sobre si, são severamente críticas as outras. Logo, por não conseguirem fazer a própria vida avançar, se incomodam com o sucesso das outras, aparece uma pontinha de inveja, como a ponta de um iceberg, mas que, no fundo, há uma enorme dor a ser tratada; há uma prisão que não permite que ela mesma avance.
Como podemos mudar esta cultura?
Avalio que o diálogo aberto sobre o tema é fundamental porque possibilita que cada mulher reveja a sua postura diante das outras. É óbvio que quando uma avança todas ganham.
Outro aspecto é o autoconhecimento: quanto mais cada mulher se conhece, reconhece também suas potencialidades e pode seguir adiante. Isso o trainning de psicoterapia que eu trabalho permite, porque encontra-se no processo de psicoterapia sua verdadeira identidade existencial.
Como a mulher pode ser protagonista de sua própria história?
Conhecendo o seu verdadeiro projeto existencial, pois sem saber o sentido, não há direção clara. Não basta saber a vocação profissional se antes não enfrentar os próprios medos e os estereótipos que a fazem errar e reproduzir a constante autossabotagem diante das oportunidades.
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