TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - TRÊS DE MAIO NOS ANOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Parte II

Tendo o destino lhes obrigado a retornar a Alemanha justamente às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial (01.09.1939), após viverem quase 19 anos no Brasil (boa parte destes em Três de Maio) a família de José Langer teve de se separar já na chegada ao porto de Hamburgo, a fim de atender as novas exigências de um país em guerra.
Como eram alemães, José Langer e sua esposa foram liberados para seguirem de trem até a região dos Sudetos, onde haviam nascido. Já seu genro, Helmuth Schmidt, que era brasileiro, teve de ficar detido em alojamentos da Cruz Vermelha, e sua esposa, Elza, que era alemã, acabou ficando com ele juntamente com a filha pequena do casal. Nestes alojamentos os soldados separavam homens e mulheres com crianças, registrando e selecionando todos de acordo com a profissão que declaravam exercer.
Naquele momento o Brasil ainda não havia se declarado sobre um possível apoio a um dos lados na guerra, e por isso, como Helmuth era pedreiro e falava alemão, acabou sendo enviado para ajudar na construção de alojamentos em um vilarejo a 800 quilômetros de Hamburgo, chamado Stadt des Kdf-Wagen (Cidade dos Carros KdF), o qual havia sido fundado em 1938 e atualmente é a cidade onde está localizada a sede da Volkswagen.
Neste local, pouco tempo antes, engenheiros alemães haviam iniciado um projeto de fabricação de veículos chamados de “Käfer”, que no Brasil receberiam o nome de “Fusca”, veículo que rapidamente se popularizou na Alemanha, o que fez o Chanceler Adolf Hitler perceber a eficiência da propaganda por trás disso, levando-o a defender a ideia de “carro do povo” – ou em alemão, “Volkswagen”-- como se fosse criação sua (na verdade o termo havia sido criado por volta de 1924 pelo engenheiro alemão-judeu Josef Ganz).
Mas com o início da Segunda Guerra Mundial, a produção de veículos populares teve de ser adaptada para a produção de veículos militares e armamentos, por isso, Stadt des Kdf-Wagen precisava funcionar dia e noite, e como o vilarejo havia sido construído recentemente, necessitava que mais alojamentos fossem construídos para receber os trabalhadores que estavam sendo enviados para lá. A construção consistia em blocos com dezoito apartamentos e os trabalhos deveriam seguir com celeridade.
Lá, Helmuth permaneceu trabalhando na construção destes alojamentos por vários meses, período em que conseguiu um lugar num pequeno “Dorf” nas proximidades (designação de aldeias ou Vilas na Alemanha) para trazer sua esposa e sua filha, onde Elza passou a ajudar outras mulheres a tirarem leite de vacas e fazer outras atividades que envolviam a produção de queijos.
Longe dali, após o Brasil se posicionar na guerra ao lado dos países aliados, na Vila Três de Maio, a cadeia de madeira construída na Rua Dona Nelli (Hoje esquina da Rua Expedicionário Bertoldo Boeck com a Rua Ijuí) recebia quase que diariamente cidadãos que eram presos unicamente por se expressarem nos idiomas proibidos pelo governo (alemão, italiano e japonês).
Mas um destes presos acabou chamando mais a atenção por aparentemente estar cometendo um crime ainda mais grave, sob a acusação de fornecer informações ao regime nazista através de radiocomunicadores escondidos em sua garagem, os quais alguém ouviu os ruídos das transmissões e imediatamente denunciou as autoridades. O denunciado era Osvaldo Edmundo Kurtz, nascido em 17 de dezembro de 1921, e filho de Willy Kurtz e Idalina Sophie Kurtz.
Osvaldo, que havia começado a vida trabalhando na empresa Germano Dockhorn S/A, contando e separando ovos, limpando latões de banha e depois trabalhando como balconista, em 1941, um ano antes do Brasil entrar oficialmente na guerra, foi servir ao exército em Porto Alegre, período no qual ocorreu a maior enchente da história da capital até então, quando as águas do Rio Guaíba se elevaram muito acima da média e invadiram a cidade, o que exigiu que todos os soldados fossem para as ruas ajudar a amenizar os danos, e em meio ao socorro às vítimas, o soldado Kurtz acabou encontrando uma criança de colo abandonada em meio as águas, a qual conseguiu salvar.
Após esta traumática experiência, Osvaldo Kurtz resolveu fazer um curso de rádio técnico e eletricista, e quando retornou a Três de Maio, em 1942, na garagem de sua casa, começou a consertar os aparelhos de rádio com defeitos que pertenciam a moradores da Vila, e foi quando soube que o Brasil havia entrado na guerra contra as nações do eixo, em resposta ao afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães na costa brasileira.
Assim, todos os imigrantes e seus descendentes no Brasil passaram a ser extremamente visados e pré-julgados aos olhares das autoridades, e foi este o motivo que validou de imediato a denúncia caluniosa contra Osvaldo Edmundo Kurtz, resultando em sua prisão e condução até a base do exército em Santa Rosa.
Mas em Santa Rosa, Kurtz conseguiu convencer os militares de que sua função era apenas consertar aparelhos de rádio para as pessoas ouvirem notícias, e tendo este engano sido esclarecido, no mesmo dia foi liberado.
Teve de voltar a pé de Santa Rosa até Três de Maio, o que demorou muitas horas, e nesse período de tempo os comentários sobre sua prisão já eram conhecidos por todos os cantos, e muitos, inclusive, já davam conta de que ele havia sido enviado para a Ilha das Flores no Rio de Janeiro, para onde todos os prisioneiros considerados perigosos ou com laços com países do eixo eram enviados.
Chegando à Vila, já no começo da noite, Osvaldo Kurtz, que não queria perder um baile que estava acontecendo no Clube Buricá, arrumou-se rapidamente e foi para o clube, e quando adentrou o salão, todos o olharam espantados, inclusive os músicos, que acabaram até esquecendo de continuar a tocar seus instrumentos, fazendo um breve silêncio tomar conta de todo o salão.
Mas logo o baile foi retomado e naquela mesma noite, Osvaldo Edmundo Kurtz conheceu e puxou para dançar, Irma Lindina Nass, filha do chofer de praça Rodolfo Nass e de sua esposa, Ana, com quem veio a se casar no dia 03 de abril de 1946, quando após, o casal acabaria tendo dois filhos: Osvaldo Filho (1947) e Veda (1950).
Antes disso, aquela declaração de guerra do Brasil as nações do eixo havia resultado, no dia 09 de agosto de 1943, na criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), a qual enviou 25.333 pracinhas para lutarem ao lado dos demais aliados na Europa, principalmente na Itália, sendo que destes, 457 acabaram perdendo a vida no conflito.
No pós-guerra, quatro foram os expedicionários que depois viriam a se estabelecer em Três de Maio: Bertoldo Balduino Boeck, Helmute Busse, Roberto Reinoldo Rauch e Serafim Pereira do Amarante. Helmuth Schmidt, que naqueles últimos meses da guerra havia sido escalado para lutar como soldado nas fileiras do exército nazista, foi preso por soldados americanos e permaneceu na Europa ajudando na desobstrução de estradas e outros trabalhos, até ser libertado dois anos depois quando pode finalmente reencontrar sua família em Três de Maio. Seu sogro, José Langer, que anos antes havia prometido que não morreria no Brasil, teve sua promessa cumprida pelo destino quando veio a falecer em meio aqueles tristes anos da guerra, nos Sudetos, vítima de um infarto.
Em 1950 desmancharam a cadeia pública da Vila que serviu de cativeiro para os cidadãos de Três de Maio, mas naquele momento, as tábuas das paredes estavam presas só em cima, porque embaixo estavam todas soltas devido ao apodrecimento da madeira.
Naqueles anos, uma caçada a alemães ligados ao regime nazista foi iniciada na Alemanha e na América do Sul, para onde dezenas deles fugiram, e por isso, para que não fossem mais confundidos como defensores de uma ideologia que se mostrou contrária a seus valores, levados pelo medo, os imigrantes e seus descendentes que por aqui estavam queimaram todos os registros fotográficos e bandeiras que ainda mantinham consigo, apagando todos os vestígios daqueles dias em que acreditaram nas falsas palavras de um mentecapto, talvez também como uma forma de jogar no esquecimento o que é importante que nunca seja esquecido.
O soldado Osvaldo Kurtz, durante as enchentes de
Porto Alegre em 1941
O expedicionário Serafim Pereira do Amarante (primeiro sentado da esquerda para a direita), com outros soldados da FEB, em momento de descontração durante a campanha de Monte Castelo, na Itália
Durante a Segunda Guerra Mundial, todos os imigrantes de origem dos países ligados ao eixo e seus descendentes precisavam ter um salvo-conduto para se deslocarem até regiões distantes, ou mesmo próximas, de suas residências sob pena de serem presos. Na imagem acima um dos salvo-condutos do jovem Walter Ullmann, que alguns anos depois viria a se tornar o primeiro prefeito de Três de Maio
Revisão do Dr. Prof. Leomar Tesche e do
Historiador Orlando Vanin Trage.
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