Pobreza Menstrual leva uma a cada quatro meninas a abandonar os estudos no Brasil, diz relatório da Unfpa e Unicef

O parecer traçou panorama da realidade menstrual vivida por meninas brasileiras

Pobreza Menstrual leva uma a cada quatro meninas a abandonar os estudos no Brasil, diz relatório da Unfpa e Unicef
O que para a maioria das meninas é apenas uma rotina no mês, para outras a menstruação é empecilho de participar das aulas devido à falta de condição financeira para comprar absorventes e de estruturas sanitárias

O Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançaram, no mês de maio, um relatório que traça um panorama alarmante da realidade menstrual vivida por meninas brasileiras. No mundo, uma em cada dez meninas deixam de ir à escola quando estão menstruadas. No Brasil, estima-se que seja uma em cada quatro. Falta de condição financeira para comprar absorventes e de estruturas sanitárias estão entre as causas do problema. 


Conforme o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas.


De acordo com o Unicef, a pobreza menstrual é caracterizada pela falta de acesso a recursos, infraestrutura e até conhecimento por parte de pessoas que menstruam para cuidados envolvendo a própria menstruação. O fenômeno é afetado por variáveis como a desigualdade racial, social e de renda, uma vez que uma família com renda menor tem menos condição de dedicar uma fração de seu orçamento para itens de higiene menstrual, pois a prioridade é a alimentação.


A dificuldade de acessar serviços e a pobreza menstrual podem ser fatores de estigma e discriminação, levando muitas vezes à evasão escolar. “Muitas meninas ainda sofrem com estigmas relacionados à menstruação, o que tem grande impacto em sua autoestima para toda a vida. Além disso, traz consequências para a socialização com sua família e seus pares, muitas vezes refletindo, inclusive, na vida escolar, especialmente entre adolescentes, levando até ao abandono dos estudos. Por isso, é essencial que tenham acesso a informações corretas sobre o tema, além de condições dignas de higiene, e que a discussão seja feita abertamente na sociedade para impulsionar melhorias”, diz a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer.


Segundo o estudo, além de privação de chuveiros em suas residências, 4 milhões de meninas sofrem com pelo menos uma privação de higiene nas escolas. Isso inclui falta de acesso a absorventes e instalações básicas nas escolas, como banheiros e sabonetes. Dessas, quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na escola.


Para a representante do Unfpa no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de direitos humanos e uma condição que distancia o país do alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 3, relacionado à saúde e ao bem-estar. “A menstruação é uma condição perfeitamente natural que deve ser mais seriamente encarada pelo poder público e as políticas de saúde”, obseva.

 

Sugestões legislativas para distribuir absorventes tramitam no Senado e Câmara

No mês de abril, o Senado recebeu uma ideia legislativa que pede a distribuição gratuita de absorventes em postos de saúde. A intenção da estudante Hillary Gomes, do 2º ano do Ensino Médio de Brasília, com a proposta, é atenuar os efeitos da pobreza menstrual. 


A ideia surgiu na Oficina Legislativa, que é uma oportunidade para estudantes se aproximarem do processo legislativo. “Temos que derrubar de vez esse tabu e falar mais sobre a pobreza menstrual, que já levou uma a cada quatro meninas a faltar às aulas por não ter absorvente. A falta de acesso a itens básicos de higiene é uma realidade de milhões de meninas e mulheres no Brasil e no mundo”, destaca a senadora Zenaide Maia.


Já na Câmara, existem três projetos tramitando para obrigar o Poder Público a fornecer gratuitamente absorventes e tampões higiênicos a pessoas de famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) para programas sociais do governo, além de mulheres em situação de vulnerabilidade social e em estado de pobreza extrema.

 

Pobreza menstrual não é percebida nas escolas de Três de Maio, dizem diretoras

Certamente esse é um problema que nunca passou pela cabeça da maioria das mulheres, mas ele existe. Não é porque o tema não costuma ser abordado, que não acontece. Às vezes, essa realidade pode estar mais perto que você imagina. O Jornal Semanal conversou com a Secretaria de Educação do município e com as escolas estaduais de Três de Maio sobre a questão da pobreza menstrual, para conhecer a realidade das alunas de nossas escolas. 


De acordo com a secretária Municipal de Educação, Vera Kuhler, nas duas escolas municipais que possuem alunas adolescentes, Germano Dockhorn e Cmei Caminhos Inovadores, não é constatado que alunas faltem aulas por este problema, muito menos que ele desencadeie a evasão escolar. “No máximo, o que acontece é de meninas ficarem menstruadas e precisarem de absorvente durante o horário de aula. Nestes casos, as escolas fornecem o produto que tem disponível para uso emergencial”, relata.


Entre as escolas estaduais, a situação é a mesma. De acordo com a coordenadora pedagógica da Escola Estadual de Ensino Médio Castelo Branco, Lusiane Tolomini, nunca houve problema desse tipo com as alunas. 
O Instituto Estadual de Educação Cardeal Pacelli também nunca registrou esse tipo de situação. “Quando há a necessidade de absorventes para as alunas, a escola disponibiliza. E, também, ocorre a orientação quanto à prevenção e aos cuidados de higiene pessoal. No entanto, não percebemos infrequência ou evasão escolar decorrentes dessas situações”, explica a diretora Mara Rejane Scheffler Benedix.

 

Opiniões divergem sobre a necessidade de distribuir absorventes

Sobre os projetos que tramitam no Congresso Nacional sobre distribuição de absorventes, as opiniões são divergentes. Para a diretora do Instituto Estadual de Educação Cardeal Pacelli, Mara Rejane Scheffler Benedix, as propostas são importantes. “A distribuição de absorventes para adolescentes e mulheres em situação de vulnerabilidade, nos postos de saúde, se faz necessária”, argumenta.
A secretária de Educação de Três de Maio, Vera Kuhler, também concorda com as iniciativas de que absorventes sejam distribuídos pelo SUS.


Já Nara Scalco Wachter, que foi diretora do Ciep entre 1994 e 2010, considera esses projetos um absurdo. “Durante o período que trabalhei, todas as meninas que passavam por esta situação já vinham munidas de casa com absorvente. Só se fornecia na escola emergencialmente. Penso que, nos tempos atuais, o Senado e a Câmara têm assuntos mais importantes para tratarem”, justifica.

 

O jeito era improvisar, mas minhas filhas nunca deixaram de ir à escola por falta de absorvente, diz mãe de cinco filhas

Terezinha Alflen, com três de suas cinco filhas. Para as três mais novas, a mãe diz que já tinha condições de comprar absorventes

 

 Mãe de sete filhos, dos quais cinco meninas, Terezinha Alflen passou por momentos delicados quando as filhas começaram a menstruar. Dinheiro para comprar absorvente era praticamente impossível, já que muitas eram as dificuldades financeiras pelas quais a família passava. Mas ela lembra que, mesmo assim, as meninas nunca deixaram de ir à escola. O jeito era improvisar.
“Para as minhas primeiras filhas, eu não tinha dinheiro para comprar absorvente, mas elas não deixavam de ir na aula por causa disso. O jeito era improvisar com paninho, camiseta, fralda de bebê, alguma coisa. Eu não sei quando comecei a comprar absorvente porque uma época estava bem difícil, passamos até fome, então não tinha como comprar”, explica a mãe.


Hoje as filhas são adultas, independentes, mas a lembrança desse tempo veio à tona com a divulgação de projetos que preveem a distribuição de absorventes pelo SUS. Algo que facilitaria muito a vida da mãe e das cinco filhas a anos atrás.