ECOS DO TEMPO: Osvaldo e a mala de garupa: memórias de um senhor com alma de menino

Numa tarde de sol, com o canto dos passarinhos competindo com as risadas que vinham do corredor, lá vinha ele: passos lentos, apoiado no braço gentil da cuidadora, mas com um sorriso largo que chegava antes. Foi assim que conheci o seu Osvaldo José Bourscheid — 87 anos, nascido em Porto Xavier, cabelos grisalhos, mas uma memória invejável.
A conversa começou tímida, mas bastou uma pergunta e ele engatou a marcha da vida: contou que era um dos sete filhos — cinco homens e três mulheres — A infância foi no interior, ajudando os pais na roça, e as brincadeiras... ah, as “gaiotinhas”! Carrinhos de madeira feitos por ele e os irmãos, que eram lançados ladeira abaixo num cerro, gritando como se estivessem nas pistas de corrida.
Estudou só seis meses. O padrasto não deixou continuar. E quando me contou que perdeu o pai aos três anos, baixou o tom e se calou, mas logo levantou a cabeça para relatar: certa vez, enquanto capinava, se apoiou na enxada e o padrasto se irritou. Brigaram. Resultado? Osvaldo fez sua primeira revolução: comprou um pedaço de tecido, segundo ele 1m20 e costurou uma mala de garupa e saiu pelo mundo com a coragem como companheira. A mãe perguntou aonde ia. “Não sei ainda, mãe”, respondeu. E ela, com o coração apertado, só disse: “Tu vais te perder, filho”. Ele nunca esqueceu a fala da mãe.
Chegou a Santa Rosa e, sem rodeios, entrou numa oficina mecânica. “Quero trabalhar.” O gerente perguntou o que ele sabia fazer. “Nada. Mas se tu quiseres, eu desmonto esse motor aí e depois monto de novo.” O patrão, impressionado, disse: “Começa segunda-feira”. Simples assim. Mas esse trabalho não durou muito.
A vida o levou de cidade em cidade — Santa Rosa, Santo Cristo, quartel onde ficou para a “segunda chamada”.
Conheceu uma moça em Porto Xavier, casaram-se. Foram 63 anos de casamento muito felizes, com direito a oito filhos (dois faleceram ainda bebês). Osvaldo fala da esposa com carinho visível, daqueles que só o tempo lapida.
Foi agricultor, comerciante, empreendedor. Comprou terras, vendeu, recomeçou. Viveu um tempo na Argentina, em Oberá, onde diz que a vida era melhor e se ganhava mais. Quando voltou ao Brasil, tentou a sorte no comércio novamente, com supermercado.
Diz que teve que trabalhar demais, e isso — pasmem — “foi muito triste”. Os filhos? Todos estudaram. Isso era importante para ele, que não pôde.
Hoje, viúvo, mora no Lar dos Idosos. Já passou por três, mas garante que o atual é o melhor e “onde me sinto feliz”. E lá conheceu uma grande amiga — aquela que o ensinou a caminhar de novo, literalmente. “Tenho muita consideração por ela”, disse, com os olhos marejados e o coração, inteiro.
E quando perguntei o que diria aos jovens de hoje, ele foi direto, sem rodeios: “Estudem. Eu não pude. Minha vida teria sido diferente.”
E talvez tivesse mesmo. Mas aí eu pergunto: será que ele teria tantas histórias pra contar?
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