A vida dos três-maienses pelo mundo afora

Willian Reffatti da Costa, 34 anos, é atleta profissional de vôlei desde os 12 anos. Entre uma temporada e outra, já morou em Portugal, Chipre e, nos últimos quatro anos, está na Hungria com a família – país que faz fronteira com a Ucrânia e já tem recebido refugiados

A vida dos três-maienses pelo mundo afora
Willian Reffatti da Costa é jogador profissional de voleibol. Nesta temporada, joga pela equipe húngara do Kistex. O três-maiense foi considerado o Melhor Estrangeiro do ano atuando na Hungria - Fotos arquivo pessoal

A trajetória de Willian Reffatti da Costa, 34 anos, é bastante conhecida pelos três-maienses. O jogador profissional de voleibol – filho desta terra – coleciona inúmeros títulos e campeonatos, numa carreira que iniciou por volta dos 12 anos e hoje já são mais de 20 anos dedicados às quadras.

 
Filho de Ermínia Reffatti da Costa e Vilson Roque Paula da Costa, irmão de Alonso Refatti da Costa e Kely Reffatti da Costa, Willian realizou o sonho de infância de se tornar jogador de voleibol. E foi através da profissão que “conquistou o mundo”: entre os países os quais já atuou (e morou), estão Portugal, Chipre e, nos últimos quatro anos (temporadas), está em Budapeste (na Hungria), com a esposa Juliana e as filhas Maria Eduarda e Antonella.


Além de compartilhar com os leitores do Semanal sobre as suas experiências morando fora do Brasil, Willian relata nesta reportagem, o dia a dia da sua família na Hungria, país que faz fronteira com a Ucrânia, que vive um cenário de guerra desde que foi invadida por tropas de militares da Rússia, em 24 de fevereiro deste ano. 


“Falando sobre a guerra... é um cenário antes visto por mim e minha família apenas nos livros de história, nas celebrações de datas aqui na Hungria, monumentos e lembranças. Hoje o que vivemos e vivenciamos está escrito principalmente no meu coração, das minhas filhas e minha esposa. Embora a Hungria faça fronteira com a Ucrânia, ainda estamos seguros, graças a Deus”, conta o atleta.

 

‘A vida muda em cada instante, ou por decisões humanas, ou pela decisão de Deus’, fala Willian sobre a atual situação de guerra

 
Willian conta que o sistema público da Hungria tem ajudado muito aos refugiados. “Moramos ao lado da estação de trem da Nyugati, onde podemos ver bem perto dos nossos olhos o sofrimento das pessoas que precisam abandonar seu país, apenas com uma mala e os filhos. É triste e frustrante observar que as pessoas têm que virar as costas para tudo que construíram ao longo de suas vidas apenas por ego político. Milhões de famílias destruídas; mulheres e crianças sem rumo, sem casa, sem os pais, avós... fugindo para ter paz... É sobre isso; apenas para sobreviver...” 


O atleta recorda de histórias contadas pelos pais e avós, que lutaram na guerra, e estão aí hoje presentes, no cenário atual. “Rezo para que essas pessoas possam prosseguir sem raiva, sem rancor, sem ódio em seus corações. Porque na minha opinião, a partir daí evoluem as guerras”, avalia.


Ele e a família ajudam aos refugiados levando doações a um centro de coleta, no terminal da estação de trem da Nyugati. “Pedi a minha filha mais nova que separasse alguns brinquedos para as crianças que não tinham mais. Fomos levar as doações todos juntos. Antonella fez questão de dividir e falar que seriam para as crianças da guerra. São experiências e vivências que nós contamos hoje porque vivemos”, diz.


Willian revela ainda que a Hungria está recebendo os refugiados, mas “não é conveniente ajudar a essa guerra”. “Nós, cidadãos húngaros, somos hoje dependentes do gás e do petróleo vindo da Rússia. O governo local não quer entrar em atrito ou contra quem fornece itens essenciais, para que o povo húngaro ‘não sofra as consequências’. Já estamos colhendo o aumento nos preços dos alimentos, da energia e do gás”, ressalta. 


Um fato que chama a atenção, segundo o três-maiense, são os e-mails enviados, semanalmente, pelo governo, relatando sobre todas as decisões do Primeiro Ministro nas reuniões com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte – aliança militar intergovernamental). “Confesso que quando recebi a primeira vez, fiquei com medo. Minha esposa queria voltar imediatamente para o Brasil”, recorda. 


Para Willian, mesmo tendo a opção de voltar ao Brasil, a família vai permanecer na Hungria – pelo menos até maio –, pois se sente segura. “O que posso resumir de tudo isso que estamos vivendo sobre a guerra? Que a vida muda em cada instante, ou por decisões humanas, ou pela decisão de Deus. Devemos fazer o bem, sempre. Devemos ser felizes e aproveitar as oportunidades. Devemos abrir mão muitas vezes de ganhar dinheiro e perder a ‘vida’. É sobre ser, não ter. É ajudar e dividir. Porque hoje sim, percebemos que conseguimos viver com muito menos”, avalia o atleta. 

 

‘Morar no exterior não era um sonho, aconteceu por conta do meu trabalho. Morar fora do Brasil não é simples’


Willian brinca que não teve escolha ao morar na Hungria. “Na minha profissão, sou o ‘escolhido’”, brinca. Como atleta profissional de voleibol, ele recebeu uma proposta de trabalho para um time húngaro através do seu empresário.

“Estudamos a possibilidade de viver uma nova cultura, apresentar meu voleibol à Hungria, e assim fui escrevendo minha história por aqui. No primeiro ano do meu contrato, vim sozinho, minha esposa e filhas ficaram no Brasil, por conta dos estudos e também porque decidimos ver como seria por aqui, antes que elas viessem. É importante saber como o país funciona, 'se funciona', como é a língua, moradia, etc. Nesta atual temporada, jogando pelo Kistex, a vinda delas foi uma das minhas primeiras exigências no contrato.”


O três-maiense confessa que morar no exterior não era um sonho, mas aconteceu por conta do seu trabalho. “E, por conta do meu trabalho, muitas vezes decidimos voltar para nossa casa no Brasil, e estar perto da nossa família. Isso não tem preço. Morar fora do Brasil não é simples. Você precisa se adaptar a outras culturas, clima, padrões. Morei em Portugal, Chipre e estamos aqui em Budapeste hoje. Por estarmos aqui, nesse país que amamos muito, hoje virou um sonho permanecer”, relata.


Antes da Hungria, ele morou entre uma temporada e outra, em Portugal (um ano), no Chipre (um ano) e há quatro anos está na Hungria.


Cuidados constantes com o corpo e descanso: ‘somos vistos como máquinas por quem nos contrata’, avalia o atleta


Sobre a adaptação ao país húngaro, Willian conta que foi bem difícil se acostumar. “Não imaginava que usaria transporte público para ir e voltar dos treinamentos. Todo atleta ou tem carro, ou mora muito perto do local de treinamento, então, enfrentar trem, ônibus, e me adaptar a isso, foi bastante desafiador. Não que seja um grande problema, mas um atleta profissional, tem o corpo e o descanso como seu principal instrumento de trabalho. É preciso cuidar muito bem dele, porque somos vistos como máquinas por quem nos contrata”, avalia. 


Segundo o atleta, chegar mais cedo em casa facilitava com o preparo do jantar. “Muitas vezes chegamos exaustos e passamos a maior parte do tempo trabalhando e treinando no limite do corpo... e preparar o jantar sempre me cansava dependendo da hora que eu chegava em casa. Pode parecer estranho, mas o atleta precisa cuidar de tudo. Alimentação, descanso, foco”. 
Para ele, ser “disciplinado é fundamental para chegar a um lugar expressivo e se destacar”. “E são os mínimos detalhes que fazem toda a diferença”, afirma. 

 

Dificuldades com o idioma e adaptação na alimentação


A língua húngara é o idioma oficial da Hungria. “É muito difícil; mas me viro no inglês, e me comunico bem. Claro que não é o melhor inglês, mas aprendi aqui”. 
Sobre a alimentação, ele diz que gosta de experimentar tudo. “Então nunca será um problema para mim. Mas, confesso que aqui encontramos tudo (de alimentação) que temos no Brasil, só pagamos muito mais caro”, compara.

 

Maiores desafios e maiores conquistas


“Viver aqui no começo da pandemia foi terrível. Não sabíamos nada sobre essa doença, não podíamos sair de casa, apenas para ir ao mercado onde já não tinha mais comida. Eu passei duas semanas comendo burgur (um tipo de arroz) e ovo. Tive algumas crises de ansiedade. Nem tudo são flores para nós estrangeiros”.
Sobre as conquistas, profissionalmente como atleta, o três-maiense construiu um nome muito forte no meio do vôlei húngaro. “No meu primeiro ano fui o melhor jogador da Copa da Hungria e melhor atacante do campeonato; meu segundo ano fui eleito o melhor jogador estrangeiro da Hungria”, comemora.

 

Saudade da família e de um bom churrasco


Questionado sobre do que sente falta, Willian resume que sente muito a falta da família e de um bom churrasco, embora retorne ao Brasil todo ano, pois o contrato/temporada geralmente vale por nove meses.


Esse ano, a família decidiu que vai dar entrada à documentação para obtenção da “Cidadania Húngara”. “Queremos permanecer aqui na Hungria por muito anos, amamos esse país”, afirma o três-maiense. 

 

Réveillon em família, na Ponte de Margit, em Budapeste, na Hungria. Na foto, Willian com a esposa Juliana e as filhas Antonella (no colo da mãe) e Maria Eduarda

 

Rotina de atleta profissional


Enquanto estiver morando na Hungria, Willian é atleta profissional de voleibol. “A minha rotina não muda muito. E ela diz tudo sobre ser atleta. É quando precisamos ter a tal disciplina, e ela faz parte da minha vida desde os meus 12 anos de idade”. 


Os treinos ocorrem duas vezes ao dia: pela manhã e tarde/noite praticamente a semana toda, incluindo jogos aos domingos. “Nos intervalos dos treinos, volto para casa, almoço com minha família, tenho de uma a duas horas de descanso. Depois preciso retornar ao treinamento na parte da noite. À noite volto para casa e descanso para o próximo dia”. 


Normalmente, o dia de folga é sábado, quando o atleta aproveita para fazer programas em família e com os amigos. “São amigos-irmãos que a Hungria nos apresentou e admiramos, nessa cidade maravilhosa. O grande bônus na folga é dormir até mais tarde!”


A família também aproveita para passear à noite, pois pode usufruir da segurança que existe no país. “Temos também dia livre após o domingo de jogo, nas segundas-feiras”. 

 

Saúde pública


Sobre o sistema público de saúde, Willian revela que é uma das dificuldades encontradas na Hungria. “Ainda assim, posso contar com a saúde pública sendo cidadão húngaro (com o TAJ), pois sou o único cadastrado no governo. Temos posto de saúde para atendimento médico, para mim é gratuito, mas minha família é preciso pagar. Existem hospitais com ótima estrutura, mas são particulares. O atendimento público é um pouco precário”, conta.


Escolas públicas de alto nível, boa remuneração e segurança


Os custos são mais altos para moradia, mercado (alimentação), mas existem situações que favorecem  os estrangeiros, como a funcionalidade do transporte público, as escolas públicas de alto nível sem custo e a segurança. 


“Além de tudo isso, quanto mais tempo passamos, aprendemos o que podemos acrescentar para um futuro próximo. A valorização do trabalhador aqui acontece mesmo ele não tendo a formação ‘inicial’ sendo desempenhada. Muitas empresas húngaras contratam brasileiros pela facilidade de resolução de problemas. Hoje é fundamental que tenhamos a segunda língua presente: o inglês. Se puder, se esforce para falar. Aqui na Hungria, por exemplo, você pode ser muito bem remunerado e viver bem, com segurança”.


O salário mínimo húngaro equivale a mais ou menos R$ 6.000,00 = 400.000 FT. “Hoje com a guerra, o Forint – moeda húngara – está bem desvalorizado. A moradia, com todos os custos – água, luz e gás – para uma família, pode ser em torno de 180.000 FT.”


Conforme Willian, o valor do salário mínimo, em comparação ao do Brasil, é um abismo enorme de realidade. “Hoje no Brasil, o brasileiro vive com muitas necessidades se apenas tiver um salário mínimo. Aqui  na Hungria, com um salário mínimo, a família vive bem, com o básico”.


Oportunidade de ganhar a vida no exterior vale a pena


Indagado sobre o que diria aos brasileiros sobre a oportunidade de ganhar a vida no exterior, Willian destaca que é difícil dizer algo porque cada um tem um propósito de vida quando decide morar fora do país. “Eu amo a Europa e quero ficar por aqui o resto da minha vida. Eu diria que se você tem a oportunidade de conhecer uma cultura, comida, pessoas diferentes, faça, vale muito a pena, isso te fortalece. Mas não esqueça que dificuldade iremos encontrar em todos os lugares”, finaliza.