TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - COMO TERIA SURGIDO O NOME DE TRÊS DE MAIO?

COMO TERIA SURGIDO O NOME DE TRÊS DE MAIO?
A questão é polêmica e necessita-se fazer algumas conjecturas pois, apesar de haver um documento de 1931, redigido por Frederico Jorge Logemann e diversos outros moradores afirmando ter sido dado ao povoado nascente o nome de “3 de maio” por ter sido nesta data que ele teria construído sua residência no local no ano de 1919, e ainda, que esta teria sido a primeira moradia na área que viria a se tornar cidade anos mais tarde, ainda assim este documento ficaria por muito tempo envolto em dúvidas.
Mas há algum tempo atrás, o historiador Orlando Vanin Trage trouxe à tona uma possibilidade que parece ser a mais coerente de todas: houve um tempo em que no dia 03 de maio se comemorava a data do descobrimento do Brasil (TRAGE, 2023).
Inicialmente esta possibilidade aparentou ser só mais uma das tantas possíveis, mas indo a fundo na questão, parece que Trage conseguiu matar a charada.
Para melhor compreender isso, vamos examinar alguns pontos: Nos primeiros meses após a proclamação da república, em 1889, observou-se um crescente desejo de participação política nos brasileiros somado a uma explosão do sentimento cívico/patriótico, e as festas oficiais republicanas ajudavam a dar sentido de identidade à nação brasileira, objetivo primordial dos positivistas que eram os operadores da república. A partir de então passou-se a estimular entre o povo a construção de prédios e monumentos, como estátuas, bustos, bandeiras e mausoléus públicos, além de diversas atividades cívicas.
Para isso, decidiu-se elaborar um calendário com todas as datas importantes para a nascente república brasileira, a fim de manter aquecido o espírito de nacionalidade do povo.
A primeira data a ser escolhida para o calendário foi o dia 1° de janeiro, no qual decidiu-se comemorar a fraternidade universal, a qual passava uma mensagem importante para os brasileiros pois, para os positivistas, representava a ideia de que todos os seres humanos, independentemente da sua origem, cultura ou crença, são irmãos e devem viver em harmonia e cooperação, superando divisões e conflitos que possam existir entre si.
Como toda a pátria precisa de heróis, a segunda data escolhida para o calendário foi a do dia 21 de abril, data do martírio de Tiradentes, figura simbólica na luta pela independência do Brasil.
A terceira data escolhida, que possuía também um enorme significado, foi a data do descobrimento do Brasil, dia 22 de abril, mas foi aí que surgiu um grande problema para os idealizadores da república. As datas do martírio de Tiradentes e do descobrimento do Brasil eram sequenciais, dias 21 e 22 de abril, e desta forma não cooperavam com a elaboração de um calendário que determinasse comemorações distribuídas ao longo do ano, além de enfraquecerem seus significados individuais se fossem comemoradas quase que ao mesmo tempo.
Foi então que decidiu-se afastar as duas datas no calendário, resgatando-se uma data antiga para a comemoração do descobrimento do Brasil, o dia 03 de maio, data que por mais de três séculos foi considerada, equivocadamente, como a data correta do descobrimento do Brasil pelos portugueses.
Este deslize ocorreu após a carta que relatava o descobrimento do Brasil ao rei de Portugal ter sido extraviada entre os documentos imperiais levando o historiador português, Gaspar Correia, a interpretar a chegada da Armada de Pedro Alvarez Cabral ao Brasil no dia 03 de maio de 1500, pelo motivo de que estes navegadores haviam dado as terras que descobriram, primeiramente o nome de “Ilha de Vera Cruz” e depois “Terra de Santa Cruz”, sendo que o dia de Santa Cruz, em Portugal, era comemorado no dia 03 de maio.
O equívoco somente foi desfeito em 1817, após a carta ter sido reencontrada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa. Mas para entender-se melhor a conexão desta data com o nome da cidade de Três de Maio, torna-se necessário conhecer outra data importante do calendário republicano de 1890: a data do dia 14 de julho. No total, o calendário apresentava todas as seguintes datas para comemorações nacionais:
1° de janeiro – Comemoração da fraternidade universal
21 de abril – Comemoração dos precursores da independência, resumidos em Tiradentes.
03 de maio – Comemoração da descoberta do Brasil
13 de maio – Comemoração da fraternidade dos brasileiros
14 de julho – Comemoração da República, da liberdade e da independência dos povos americanos.
7 de setembro - Comemoração da Independência do Brasil
12 de outubro – Comemoração da descoberta da América
02 de novembro – Comemoração geral dos mortos
15 de novembro – Comemoração da Pátria brasileira.
Este calendário foi decretado em 14 de janeiro de 1890, e por isso, a primeira comemoração realizada foi a do dia 21 de abril, em homenagem a Tiradentes.
Mas esta festa, talvez por homenagear um personagem até então desconhecido da maioria dos brasileiros, não teve a mesma força da comemoração seguinte, a da Festa do Descobrimento do Brasil, na data do dia 3 de maio de 1890, considerado o primeiro ano do nascimento da pátria brasileira, comemoração que acabou marcando este dia profundamente na memória de todos e que continuaria sendo muito comemorada até 1930.
Porém, alguns anos antes desta data desaparecer do calendário, em 1915, quando iniciou-se a colonização da Colônia Santa Rosa, o nome que a Companhia de Colonização ligada ao diretor de Terras e Colonização do Rio Grande do Sul, Carlos Torres Gonçalvez (considerado um dos mais destacados apóstolos do positivismo no Estado), deu a sede provisória que mais tarde se tornaria a cidade de Santa Rosa, foi “14 de Julho”, data também importante no calendário republicano, que reportava ao dia da queda da Bastilha na França, evento que deu início a Revolução Francesa, quando o povo derrubou a monarquia e assumiu as rédeas do poder, e talvez por isso, no calendário republicano brasileiro, era a data na qual se comemorava a “República, a liberdade e a independência dos povos americanos”.
Assim, quatro anos depois, em 1919, quando comemorava-se os trinta anos da proclamação da república brasileira, estes mesmos homens que fundaram e deram a sede da região o nome de 14 de Julho, decidiram escolher outra data importante do calendário republicano, o dia 03 de maio, para nomear a sede de uma região próxima, conhecida até então apenas pelo nome dos rios que margeavam seu território, Santa Rosa – Buricá, e que recentemente, em 1916, havia sido transformada em 7° Distrito de Santo Ângelo. E é por isso que tudo leva a crer que o nome da cidade de Três de Maio tenha sido escolhido entre as datas do calendário republicano de 1890, onde constava também o primeiro nome da cidade de Santa Rosa (14 de julho).
Em 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o comando do país, este calendário foi reformulado, e a data do dia 03 de maio como sendo a data do descobrimento do Brasil, foi totalmente extirpada, perdendo novamente todo o seu sentido.
Um ano depois, no dia 03 de maio de 1931, por ocasião do lançamento da pedra fundamental do Clube Buricá, o engenheiro alemão, responsável pelo projeto de urbanização da sede Três de Maio, Frederico Jorge Logemann, resolveu dar um novo sentido para esta data, e redigiu, juntamente com diversas lideranças e moradores locais, o documento citado no início desta matéria, afirmando: “Aos 3 de maio de 1919, foi construída pelo fundador do lugar, Sr. Frederico Jorge Logemann, a primeira casa no lugar onde hoje se localiza a cidade, começando com isto o povoamento desta”, porém, sabe-se que antes de 1919, já haviam diversas famílias morando no local, além de ser humanamente impossível ele ter construído sua casa em apenas um dia, e outras informações sabidamente equivocadas encontradas neste documento deixam nítido o nível de improviso com o qual ele foi produzido.
Após, este documento que foi intitulado como “Documento sobre a origem do lugar Três de Maio”, foi colocado em e uma cápsula metálica e encerrado no alicerce do antigo Clube Buricá, somente voltando a luz décadas mais tarde, quando o prédio foi demolido para a construção de um novo, mais moderno, que é o que esta aí hoje, e o manuscrito, que havia sido escrito no idioma alemão, somente teve seu conteúdo traduzido em 1978, pelo professor Heinrich Otto Sattler, deixando por décadas uma outra narrativa preencher a lacuna da história do nome de Três de Maio, a que afirmava ter sido dado o nome de “3 de Maio” a antiga Vila Buricá por ser esta a data de aniversário da esposa de Frederico Jorge Logemann, Nelly Dahne Logemann, a qual, após a fundação do Clube Buricá, passou a comemorar o seu aniversário todos os anos nesta data, durante uma festa que durava três dias, chamada Baile de Kerb.
Mas sabe-se que mais uma vez tratava-se de um ledo engano, pois no jazigo onde Nelly descansa, no Cemitério da Santa Casa em Porto Alegre, consta a data de 25 de dezembro de 1888, como a data de nascimento dela. E como no dia 25 de dezembro comemora-se o Natal, provavelmente que Nelly decidiu aproveitar as comemorações do dia 3 de maio, que não possuíam mais significado, para comemorar o seu aniversário, criando aí outro enorme viés na história do lugar, o qual perdurou até os dias de hoje.
Registro feito em frente ao terreno onde seria construída a atual igreja matriz católica, mostrando em primeiro plano a esquina da Av. Uruguai com o logradouro que hoje constitui a Travessa Pedro Garrafa
Participou das pesquisas para elaboração deste artigo, o historiador
Orlando Vanin Trage.
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