Quais as demandas do produtor de leite?
Em 13 anos, 87% dos produtores de leite deixaram a atividade. Número que era de 1.580 passou para apenas 202 no município de Três de Maio

Acordar cedo e ir para a ordenha das vacas, de segunda a segunda, não importa se faz frio ou calor. Essa é a rotina de quem atua na atividade leiteira. São diversos desafios enfrentados no dia a dia para assegurar o produto para indústria e aos consumidores, além de garantirem a renda mensal para a família.
Porém, nos últimos anos, a atividade tem sido deixada de lado por muitos produtores rurais, que migram para outras atividades, seja na agricultura ou até mesmo desistiram da vida no campo. Os motivos são os mais diversos, como falta de mão de obra, propriedade sem sucessão familiar, mas principalmente a falta de valorização do produto e incentivos para o setor. Os dados do último levantamento produzido pela Emater-RS no ano de 2023 apontam para uma redução de 87% no número de produtores na atividade no município de Três de Maio, se comparado ao ano de 2010. Eram 1.580 produtores de leite contra 202 em 2023.
Para conhecer essa realidade, o Semanal conversou com três casais de agricultores de Três de Maio que se dedicam a produção leiteira: Luciani Rafaela de Lima Rossi e Joel Cristiano Rossi; Ana Cláudia Kamm dos Santos e Adremoel Canova dos Santos e Marla Carolina Wagner Weissmantel e Rogério Dilmar Weissmantel.
Em suas falas, eles abordam pontos que deveriam ser atendidos, como a valorização do produto tanto pela sociedade como poder público, apoio técnico à propriedade, mais incentivo financeiro pelo governo federal e a necessidade de estradas em boas condições de trafegabilidade de acesso para as propriedades rurais.
‘Precisamos de mais valorização e incentivo de programas do Governo’
Há 17 anos trabalhando na produção de leite em Medianeira, interior de Três de Maio, Joel Cristiano Rossi acredita que a agricultura enfrenta vários desafios atualmente. Casado com Luciani Rafaela de Lima Rossi, são pais de Mizael Rafael Rossi, 10 anos, e Maria Helena Rossi, 6. “Trabalho na produção de leite há 17 anos, porém meu pai trabalhou com leite a vida inteira somando uma história de mais de 40 anos”, diz.
Para o casal, que tem uma propriedade de 22 hectares (em que 15 ha são de área útil voltada à atividade), os desafios do dia a dia são muitos, como o clima, que nos últimos tempos está prejudicando bastante. “Também há a falta de mão de obra, escala de produção, custo de produção e, além disso, o agricultor não consegue colocar valor no produto, pois dependemos do mercado”, observa.
Além disso, outras queixas do casal, são as dificuldades de acesso a crédito e até mesmo a rede viária. “Muitas vezes os acessos são precários, dificultando o trânsito de máquinas e caminhões maiores. O acesso ao crédito também está ficando cada vez mais difícil. O seguro agrícola está se tornando inviável e, muitas vezes, a interferência do governo prejudica mais do que ajuda o agricultor”, pontua.
Para o casal de agricultores, o produto deveria ser mais valorizado, tanto pelo mercado, como pela comunidade. “A sociedade não valoriza em nada o produtor. Um exemplo é o leite que é um alimento completo e importante na alimentação das pessoas. Se o preço sobe um pouco no mercado e, consequentemente, o produtor ganha um pouco mais pelo produto, o consumidor final já reclama e para de comprar. Enquanto que, na maioria das vezes, as pessoas pagam um valor bem maior por bebidas em festas e bares, por cigarro e ou outros alimentos industrializados que prejudicam a saúde”, finaliza o agricultor.
Joel e Luciani se dedicam a produção de leite e lamentam a falta
de valorização do produto pela sociedade
‘Aos poucos, estão vendo a importância que a agricultura familiar tem na produção de alimentos’
O casal Adremoel Canova dos Santos, 37 anos, e Ana Cláudia Kamm dos Santos, 36 anos, estão na atividade leiteira desde 2009 com a Granja Progresso, em Lajeado Caneleira.
São 30 hectares com área útil de 25ha, que são voltados à atividade, parte para produção de forragens e outra para silagem e feno. A propriedade está em sucessão familiar, já que os pais de Ana trabalhavam no setor leiteiro. O casal tem três filhos, Matheus, 16 anos, Gustavo, 10, e Henrique, 2. “Em 2019 tivemos um problema sanitário, que acabou eliminando todo nosso rebanho e deixou a propriedade interditada por um ano. Após seis meses, recomeçamos na propriedade de meu pai, que fica distante uns cinco quilômetros”, explica Adremoel, ressaltando que assim que a propriedade foi liberada, o casal retornou à atividade leiteira com os animais que foram adquiridos da região de Pelotas (Jersey PO registradas).
O casal entende que um dos desafios atuais está relacionado ao volume da produção. “Um dos nossos desafios é competir em questão de volume, pois as empresas ainda pagam mais por volume do que por qualidade. Além disso, a mão de obra qualificada é outra dificuldade”, relata o casal.
Por outro lado, o casal acredita que o poder público poderia incentivar aqueles jovens que querem se manter no campo. “Facilitar a aquisição de terras por jovens, criar mais escolas técnicas voltadas para realidades do campo e incentivar a sucessão familiar, com apoio técnico para diversificar a atividade, de acordo com a realidade de cada propriedade para produção de alimentos, é muito necessário”, acrescenta.
A respeito de como a sociedade vê o agricultor, Adremoel acredita que a percepção tem mudado. “Aos poucos, a sociedade está tendo consciência da importância que a agricultura familiar tem na produção de alimentos, mas ainda deixa a desejar. Isso pudemos perceber durante a pandemia, quando o mundo praticamente parou, porém, a agricultura não, pois você pode até ficar sem trabalhar, mas sem comer não”, finaliza.
Adremoel e Ana trabalham com vacas leiteira desde 2009
‘O setor precisa de mais financiamentos subsidiados’
Para a agricultora Marla Carolina Wagner Weissmantel, 36 anos, sempre há o que avançar em praticamente todos os setores, e na atividade rural não é diferente. Junto com o marido, Rogério Dilmar Weissmantel, o casal está na atividade leiteira há 14 anos, na propriedade com 15 hectares localizada no Km 10, distrito de Manchinha, em que 9 são dedicados à atividade. “Sempre se pode melhorar e avançar na atividade, porém nem sempre depende somente dos gestores da propriedade rural. Existe uma questão sobre o preço do produto, que é uma dificuldade muito grande para os produtores. Nós vendemos o produto e depois de mais de trinta dias ficamos sabendo o quanto iremos receber, o que gera incertezas. Outra grande dificuldade é quanto ao clima desfavorável que afeta nossa produção”, declara a agricultora.
Quanto ao poder público, ela reforça que é preciso de estradas boas, além do acesso à sala de espera. “Acho que deveria haver mais equipamentos disponíveis para os agricultores fazerem silagem e feno”, pondera.
Questionada se pensa que a sociedade valoriza a atividade agrícola, ela diz que não. “Não há valorização da sociedade e nem incentivo do governo federal, principalmente pela falta de financiamentos subsidiados para a atividade leiteira”, finaliza.
Marla e o marido Rogério trabalham há 14 anos na atividade leiteira. A filha Andressa Laís, 4 anos, já acompanha pais na atividade
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