Psicóloga defende diálogo aberto como ferramenta para prevenir suicídio
Lissandra Baggio afirma que o suicídio é uma questão que precisa ser abordada de forma direta, sem tabu
Um estudo divulgado pelo Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, na semana passada, revela dados alarmantes sobre o aumento de óbitos por suicídio no Brasil e no Rio Grande do Sul. A ação integra a campanha Setembro Amarelo, que busca conscientizar a sociedade sobre a prevenção ao suicídio.
Entre 2023, o Brasil registrou um aumento de 38% nas mortes por suicídio, enquanto o Rio Grande do Sul, sozinho, teve um aumento de 32% no mesmo período. Em 2023, o Estado gaúcho contabilizou 1.548 mortes por suicídio, o que representa o dobro da taxa de mortalidade nacional. Desse total, a 14ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), com sede em Santa Rosa, registrou 36 óbitos por suicídio nos 22 municípios sob sua responsabilidade, incluindo Três de Maio, o que corresponde a 2,32% do total de casos no Estado.
Os dados de 2023 também indicam que a distribuição dos óbitos varia conforme as estações do ano, meses e turnos do dia. O verão foi a estação com maior percentual de mortes (27%), e os meses mais críticos foram janeiro (9,3%), março (9,6%), outubro (9,6%) e dezembro (9,5%). A maior parte dos óbitos ocorreu pela manhã (31,1%), com 57,7% dos casos concentrados entre a manhã e tarde. Já em termos de perfil, meninas e mulheres entre 15 e 19 anos representam a maior parte das tentativas de suicídio, enquanto homens com 80 anos ou mais são os que mais morrem.
De acordo com a psicóloga Lissandra Baggio, coordenadora do curso de Psicologia da Setrem e especialista em Psicologia Social, o suicídio é uma questão que precisa ser abordada de forma direta, sem tabu. “O suicídio é um ato extremo, uma decisão violenta de pôr fim à própria vida, de interromper uma história. Precisamos falar sobre isso porque, a cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio no mundo“, alerta.
Lissandra também destaca que o problema atinge principalmente os jovens: “Entre as pessoas de 15 a 29 anos, o suicídio está entre as três maiores causas de morte. O que é ainda mais preocupante é que muitos casos não são notificados como suicídio, o que torna os números ainda mais altos do que os registros oficiais mostram”.
A psicóloga cita dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), que indicam que para cada suicídio, há de 10 a 20 tentativas não efetivadas, e que o impacto emocional desse ato afeta, em média, 60 pessoas próximas à vítima.
Suicídio entre jovens: uma preocupação crescente
O suicídio entre jovens é um fenômeno complexo, marcado por uma série de fatores que vão além do que é visível na superfície. Lissandra explica que a juventude é uma fase particularmente vulnerável, em que o indivíduo passa por grandes transformações. “O período dos 15 aos 29 anos é marcado por mudanças biológicas, psicológicas, relacionais e sociais. É um momento em que o jovem precisa construir sua identidade a partir de seu contexto social, e quando esse contexto, seja familiar, escolar ou social, é fragilizado ou causa sofrimento, o risco de suicídio aumenta”, explica a psicóloga.
A pressão por resultados, a falta de vínculos significativos e o imediatismo da sociedade contemporânea também são fatores que podem agravar o quadro de vulnerabilidade emocional dos jovens. “Estamos inseridos em uma sociedade de consumo que convoca os jovens a se reconhecerem a partir do que consomem. Isso, somado ao imediatismo das redes sociais, pode interferir no desenvolvimento de vínculos sólidos e no aprendizado interpessoal”, alerta.
A psicóloga também chama atenção para o papel dos pares na vida dos jovens. “O grupo de iguais é fundamental para o bem-estar do jovem, mas também pode ser um fator de risco quando não oferece a proteção necessária. Muitas vezes, o grupo impõe situações de risco, e o jovem, em busca de pertencimento, pode acabar se colocando em situações perigosas”.
Lissandra Baggio é coordenadora do Curso de Psicologia da Setrem e Especialista em Psicologia Social
A importância da prevenção
Para Lissandra, a prevenção ao suicídio começa com o diálogo aberto e a informação. “Falar sobre suicídio, discutir o tema sem preconceitos, é uma das formas mais eficazes de prevenir. Quando conhecemos os fatores de risco, como transtornos mentais, relações interpessoais conflituosas, baixa autoestima e isolamento social, podemos identificar sinais de alerta e agir a tempo”, explica.
Ela destaca que o suicídio é um fenômeno multideterminado, ou seja, é resultado de uma série de fatores que se combinam e levam o indivíduo a uma situação de desesperança. “É importante que, ao perceber que algo não está bem, seja no próprio indivíduo ou em alguém próximo, a pessoa busque ajuda. Existem formas alternativas de lidar com as dificuldades, e o conhecimento sobre os fatores de risco possibilita esse movimento de busca por soluções”, afirma.
Além de identificar os fatores de risco, Lissandra destaca a importância dos fatores protetivos, que podem ajudar a reduzir a chance de um comportamento suicida. “Fatores como atendimento clínico eficiente para transtornos mentais, fácil acesso a intervenções de apoio, suporte familiar, e a aprendizagem de práticas de resolução de problemas são fundamentais para a prevenção”, diz a psicóloga.
O papel da escola e da família
A escola e a família têm um papel fundamental na identificação precoce de comportamentos de risco. Lissandra, que também é mestre em saúde mental coletiva, explica que muitos sinais de alerta podem ser identificados no ambiente escolar. “A escola é um lugar onde padrões de comportamento e relacionamento são reproduzidos. Mudanças bruscas de comportamento, situações de bullying, dificuldade em lidar com limites, histórico de abuso, isolamento social e baixa autoestima são alguns dos sinais que indicam que algo não está bem”, afirma.
Ela também enfatiza a importância do acompanhamento familiar: “Os pais e responsáveis precisam estar atentos ao comportamento dos filhos na escola e no ambiente familiar. Rompimentos amorosos, conflitos interpessoais e a forma como o jovem reage a frustrações podem ser indicativos de que ele está passando por um momento difícil e precisa de ajuda”.
Movimentos e ações de prevenção
A psicóloga elogia campanhas como o Setembro Amarelo, que têm como objetivo promover a conscientização sobre o suicídio e estimular as pessoas a buscarem ajuda. “Movimentos como o Setembro Amarelo são importantes porque diminuem o preconceito em torno das questões relacionadas ao suicídio. O estigma muitas vezes desencoraja as pessoas a aceitarem ajuda ou mesmo a procurá-la”, comenta.
Lissandra também aponta que, além de diminuir o preconceito, é fundamental ampliar o acesso ao atendimento psicológico. “O atendimento por um psicólogo permite que a pessoa se conheça melhor, identifique suas potencialidades e limitações, e consiga lidar de maneira mais saudável com suas emoções. Com a ajuda de um profissional, é possível desenvolver novos repertórios comportamentais e enfrentar os desafios da vida de forma diferente”, ressalta.
“Entre as pessoas de 15 a 29 anos, o suicídio está entre as três maiores causas de morte. O que é ainda mais preocupante é que muitos casos não são notificados como suicídio, o que torna os números ainda mais altos do que os registros oficiais mostram”.
Em 2023, o Estado gaúcho contabilizou 1.548 mortes por suicídio, o que representa o dobro da taxa de mortalidade nacional. Desse total, a 14ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), com sede em Santa Rosa, registrou 36 óbitos por suicídio nos 22 municípios sob sua responsabilidade, incluindo Três de Maio, o que corresponde a 2,32% do total de casos no Estado.
Sinais de alerta e fatores de risco
Entre os sinais de alerta para o comportamento suicida, Lissandra destaca que é comum que o suicídio passe por um processo gradual, começando com pensamentos, evoluindo para o planejamento e, em alguns casos, resultando em tentativa. “O planejamento faz parte do comportamento suicida como um todo, que começa com ideias de acabar com a própria vida, passa pelo planejamento e, em alguns casos, chega à tentativa de suicídio”, explica.
Ela ainda menciona que o suicídio afeta homens e mulheres de forma diferente: “As mulheres tendem a apresentar maior índice de ideação, planejamento e tentativa de suicídio, enquanto os homens apresentam maior índice de suicídios consumados, em parte porque utilizam métodos mais letais”.
Além de transtornos mentais, como depressão e ansiedade, outros fatores podem aumentar o risco de suicídio. “O uso de álcool e drogas, relações familiares conturbadas, transtornos alimentares, exposição à violência e comportamentos autodestrutivos, como direção perigosa ou práticas sexuais promíscuas, são sinais que podem indicar um risco elevado”, alerta.
Onde buscar ajuda
Por fim, a psicóloga reforça a importância de procurar ajuda em casos de sofrimento emocional. “Se você ou alguém que conhece está passando por um momento de sofrimento, saiba que é possível buscar apoio. O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza um trabalho muito importante de apoio emocional e prevenção ao suicídio. O serviço é gratuito e pode ser acessado pelo número 188”, finaliza.
NÚMERO DE SUICÍDIOS NO RIO GRANDE DO SUL |
- 2015: 1.137 - 2016: 1.166 - 2017: 1.344 - 2018: 1.234 - 2019: 1.423 - 2020: 1.415 - 2021: 1.513 - 2022: 1.567 - 2023: 1.548 |
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde
ÓBITOS POR SUICÍDIO NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS NOS MUNICÍPIOS DA MICRORREGIÃO DE TRÊS DE MAIO
Município | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 | 2023 |
Três de Maio | 7 | 4 | 10 | 2 | 2 |
Alegria | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Boa Vista do Buricá | 0 | 5 | 0 | 3 | 3 |
São José do Inhacorá | 0 | 0 | 1 | 2 | 0 |
Nova Candelária | 2 | 3 | 0 | 0 | 0 |
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde
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