O medo ainda é um fator determinante que impede muitas mulheres de efetuarem uma denúncia
Implantada há 15 anos, a Lei Maria da Penha definiu cinco formas de violência contra a mulher: física, sexual, moral, psicológica e patrimonial
Uma situação natural, uma questão de família e um crime de menor potencial ofensivo. Era assim que a violência doméstica, mesmo nos casos de agressão física ou homicídio, era vista. Não faz muito tempo que essa história começou a mudar. Mas não há dúvidas sobre o significado dessa conquista. A Lei Maria da Penha completou no último dia 7 de agosto, 15 anos.
A Lei Maria da Penha definiu cinco formas de violência: física, sexual, moral, psicológica e patrimonial. Em 2015, nova conquista com a tipificação do crime de feminicídio e, recentemente, a criação do tipo penal violência psicológica. Essas violências estão sempre acontecendo concomitantemente e, muitas vezes, acabam em feminicídio.
Contudo, especialistas alertam que a Lei Maria da Penha – Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 – não é um presente da nação para as mulheres, mas o resultado da condenação do país pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 2001, a Corte apontou negligência e omissão do Brasil em relação à violência doméstica, ilustrada pelo caso da farmacêutica cearense, Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica em uma tentativa de feminicídio do marido, no ano de 1983, e passou por um calvário judicial – de mais de 19 anos – para responsabilizar seu agressor.
Recentemente, a lei passou por uma atualização importante: a inclusão do crime de violência psicológica contra a mulher no Código Penal. Com as mudanças na lei foi estabelecido ainda o afastamento imediato do agressor e o cumprimento da pena em regime fechado.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, pelo menos um terço das mulheres já sofreu algum tipo de violência. E, de acordo com dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o número de mulheres que sofrem abusos físico, psicológico e sexual pode ser muito maior que os registrados.
O medo ainda é um fator determinante que impede muitas mulheres de efetuarem uma denúncia e tornarem possível que haja uma ação de acolhimento e proteção por parte dos órgãos competentes.
“O vínculo afetivo leva a mulher a tentar manter a relação, mantendo a esperança de que a situação se normalize”, avalia Barbato
Além disso, ressalta o delegado de Polícia Civil de Três de Maio, João Vittório Barbato, que, em muitos casos, o vínculo afetivo leva a mulher a tentar manter a relação, mantendo a esperança de que a situação se normalize; e, ainda, em outros casos, há dependência psicológica e principalmente financeira, além da existência de filhos em comum.
Neste sentido, Barbato orienta que a mulher deve procurar a Delegacia sempre quando há desgaste na relação e o diálogo não é mais possível entre o casal, gerando agressões, sejam físicas ou verbais, ou ainda ameaças de todo tipo, xingamentos, desrespeito, relações sexuais forçadas, e todo ato que venha a causar sofrimento à mulher.
Sobre os números da violência contra a mulher, o delegado Barbato informa que há um número razoável, mas não considera grande.
Nas estatísticas da DP, predominam os casos de ameaça – 10 no primeiro semestre de 2021 – e de lesão corporal – sete no período. Se a média se manter neste patamar, os números poderão indicar uma redução considerável em relação ao ano passado – foram 63 registros de ameaça e 34 de lesão corporal. “Há casos, também, em que é feita utilização indevida da legislação, tentando resolver questões patrimoniais por esta via, ao invés de usar a via cível”, explica.
‘Vejo evolução positiva; a lei está em permanente construção’, afirma delegado
Sobre a lei Maria da Penha, o delegado Barbato considera que houve uma evolução na proteção da mulher. “Foram criados diversos instrumentos, que trazem maior proteção às mulheres, possibilitando que haja apoio do Estado de uma maneira geral, para as mulheres que são vítimas de violência doméstica, de qualquer tipo”.
Na avaliação do delegado, de uma certa forma a lei freou um pouco a violência contra a mulher, mas a violência ainda é bastante preocupante e continua ocorrendo nos lares, em razão de fatores múltiplos, inclusive, o consumo de álcool e questões socioeconômicas que acabam levando aos conflitos nos relacionamentos. “Inclusive ocorre com casais homoafetivos, que se constituíram nos últimos anos, especialmente entre mulheres, que acabam sendo enquadrados nessa questão da Maria da Penha. Mas vejo uma evolução positiva e a lei está em permanente construção”, conclui Barbato.
Secretaria Municipal de Políticas da Mulher apoia Campanha Agosto Lilás
A Campanha Agosto Lilás foi criada em alusão a Lei Maria da Penha, quando surgiu da necessidade de inibir os casos de violência doméstica no Brasil. A campanha nasceu com o objetivo de alertar a população sobre a importância da prevenção e do enfrentamento à violência contra a mulher, incentivando as denúncias de agressão, que podem ser físicas, psicológicas, sexuais, morais e patrimoniais.
16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres
A Secretaria Municipal de Políticas da Mulher de Três de Maio, juntamente com o Centro de Referência da Mulher Flor de Liz apoia a Campanha Agosto Lilás, que tem como objetivo de divulgar a Lei Maria da Penha, sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre o necessário fim da violência contra a mulher, divulgar os serviços especializados da rede de atendimento à mulher em situação de violência e os mecanismos de denúncia existentes.
Assim, como a campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres que começa no dia 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à violência contra a Mulher, e vai até 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Secretaria Municipal de Políticas da Mulher de Três de Maio, estará realizando campanhas de conscientização englobando estas diversas campanhas e ações junto a “Semana Municipal de Combate à violência contra a Mulher” que ocorre anualmente próximo ao dia 25 de novembro. Para tanto, está organizando uma vasta programação junto com o Centro de Referência da Mulher Flor de Liz, objetivando promover o debate e denunciar as várias formas de violência contra as mulheres no mundo, sendo uma mobilização anual, praticada simultaneamente por diversos atores da sociedade civil e poder público engajados nesse enfrentamento.
Um levantamento do Monitor da Violência aponta que o número de pedidos de medidas protetivas teve um aumento de 14% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram mais de 193,2 mil pedidos de janeiro a junho de 2021, contra cerca de 169,8 mil do ano passado.
Isso significa que uma medida protetiva foi pedida a cada 80 segundos no Brasil. A cada hora, são solicitadas 45 medidas protetivas. Este número, na realidade, é ainda mais alto, já que não foram considerados os dados de Goiás,
Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.
Números apontam que pedidos motivados por violência doméstica caíram no início da pandemia, mas voltaram a crescer depois. Vítimas afirmam que maior tempo de convivência e crise econômica pioraram a situação com os agressores dentro de casa.
Lei Maria da Penha completa 15 anos com alterações na legislação. Além de tipificar a violência psicológica e a perseguição contra a mulher, mudanças na lei determinam o afastamento imediato do agressor, o cumprimento da pena em regime fechado.
A Lei criou dispositivos tanto de prevenção dessa forma de violência, quanto de proteção às mulheres vítimas. As medidas protetivas de urgência podem ser concedidas pelo juiz em até 48 horas após o pedido da mulher agredida e podem ser determinadas inclusive antes da audiência com as partes, caso seja verificado risco à vida, à integridade física ou psicológica da mulher.
Um agravante é o medo de ir até a delegacia. Romper o silêncio nem sempre é fácil – em 2020, das 80 vítimas de feminicídio no RS, apenas cinco tinham medida protetiva de urgência em vigor. Há uma parcela de mulheres que não identifica que está dentro de um ciclo de violência doméstica, principalmente quando se pensa no abuso psicológico. Por isso, muitos casos acabam virando estatística sem terem chegado às autoridades policiais.
Onde buscar ajuda
CENTRO FLOR DE LIZ
– Telefone: 3535-3900
– Celular/WhatsApp:
(55) 9 9933 4700
PARA DENÚNCIAS LIGUE
Central de Atendimento à Mulher 180
Brigada Militar 190
Patrulha Maria da Penha (55) 9 9904 9343
POLÍCIA CIVIL 197
3535-2044 e 3535-1942
Centro Flor de Liz: violência psicológica é predominante nos atendimentos
Local oferece suporte às mulheres com atendimento interdisciplinar de vários profissionais
O medo de denunciar o agressor na Polícia, ou de ligar pedindo ajuda na Brigada Militar, faz com que muitas mulheres, vítimas da violência doméstica, busquem informações e auxílio no Centro de Referência Flor de Liz. Atuando desde meados de 2007 no município, mas em espaço próprio desde 2013, o ‘Flor de Liz’ como é costumeiramente chamado, atende mulheres de todas as idades e perfis.
O serviço é oferecido pelo Município, vinculado à Secretaria Municipal de Políticas da Mulheres. O CRM Flor de Liz é uma estrutura essencial na prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visa promover a ruptura da situação de violência, oferecendo atendimento interdisciplinar de psicóloga, assistente social e advogada, além de oferecer serviços de orientação e informação.
“Aqui nós fazemos a acolhida, escuta sensível, atendimento interdisciplinar; visando o fortalecimento da mulher e o resgate da sua cidadania, para auxiliar a mulher a buscar mecanismos de proteção e superação do impacto da violência sofrida, bem como, promover o resgate de sua autoestima e autonomia”, informa a assistente social, Paola Schmitt Nagl, lembrando que a maioria das mulheres que busca orientação é sobre sanar dúvidas referentes como proceder em caso de violência, e esclarecer quais recursos e serviços estão e disponíveis.
Neste ano, no primeiro semestre, o serviço de apoio psicológico foi um dos que teve maior procura, com 133 atendimentos, seguido pelo apoio de assistente social, com 114 atendimentos.
Paola frisa que dentre os atendimentos é possível observar que a violência psicológica é predominante, e considerando que todas as mulheres necessitam também de orientações e diversos encaminhamentos, todos atendimentos são realizados de forma interdisciplinar, com a presença de psicóloga, assistente social e assessoria jurídica. “Além das técnicas, a Secretaria conta também com uma equipe que realiza o acolhimento, orientações e encaminhamentos diversos a todas as mulheres, atendendo-as de forma acolhedora e humanizada; priorizando o sigilo, proteção e amparo”, afirma.
CASA DE PASSAGEM ACOLHE MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
A secretária municipal de Políticas da Mulher, Noemi Marlene Bubanz, informa que o Município oferece acolhimento da mulher em situação de violência doméstica, na Casa de Passagem.
“Quando, por ventura essa mulher não tem nenhum recurso familiar, de algum parente próximo, onde se sente segura em ficar, e quando ela já tem Medida Protetiva, o Município faz esse acolhimento na Casa de Passagem, junto com os filhos menores (se ela tiver). Só é possível realizar todo este trabalho, porque contamos com uma equipe que se dedica de forma integral no atendimento e acolhimento destas mulheres”.
Ela explica que também existe a questão do encaminhamento para a Delegacia de Polícia. No atendimento que o Centro Flor de Liz presta, principalmente na primeira vez que a mulher vai até o centro, ela recebe orientações gerais. “Os profissionais de cada área mostram para essa mulher as possibilidades, os recursos disponíveis, o que ela pode acessar. Nem todas vão querer fazer o registro da ocorrência e pedir as Medidas Protetivas; algumas só querem orientação mesmo”.
A secretária lembra que a Medida Protetiva é através do registro da ocorrência na Delegacia. E, caso a mulher se encontre em situação de emergência pode ligar para a Brigada Militar, pelo fone 190.

Na próxima edição, serão abordadas as ações da Patrulha
Maria da Penha da Brigada Militar
O rompimento do ciclo de violência após 30 anos
Vítima de violência doméstica, Maria*, 49 anos, conta que viveu por 30 anos uma relação de violência psíquica e física, até ter coragem de denunciar o marido
“Eu tinha 18 anos e não percebi que naquela época ele já demonstrava ser um abusador, pois já dava sinais de ser uma pessoa possessiva e muito ciumenta. Claro que durante este período, tivemos bons momentos, mas chegou uma hora em eu não queria mais viver esse ciclo de violência. Percebi que precisava de ajuda para dar um basta. Tenho dois filhos, um de 28 e outro de 22 anos, que são tudo para mim. Sem eles, eu não teria conseguido sair dessa relação, eles me mostraram que eu não precisava viver daquela forma, me apoiaram e me incentivaram em tudo.
No início sofria abuso psicológico, além de manipulação, ameaças, humilhações e punições. Meu ex-marido me isolava da família e dos amigos. Controlava todos os meus passos. Eu não podia nem trabalhar fora, tinha que trabalhar com ele, em nossa empresa, vivia 24 horas ao lado dele. Quando meus filhos já estavam maiores, resolvi trabalhar fora, para poder ter o meu dinheiro, pois dependia dele para tudo.
Trabalhei por seis anos numa escola, mas no momento em que ele colocou na cabeça que tinha outros homens no meu local de trabalho, passou a colocar pessoas para me vigiar. Foi nesse período que a minha vida virou um inferno. Eu tinha verdadeiro pânico na hora de ir para casa, pois não sabia como seria o comportamento dele. Foi nesse período que começou a violência física. Qualquer coisa era motivo para um tapa no rosto. Sofri muito com essas agressões, parei de trabalhar fora para ver se ele parava com as agressões, no entanto, só piorou”.
BUSCA POR AJUDA FOI EM 2018
Separada há três anos, *Maria conta que decidiu buscar ajuda em 2018, após mais uma agressão física que a deixou toda machucada.
“Pedi para o irmão do meu ex-marido ir comigo na DP para registrar ocorrência e ele falou para não fazer isso, pois ele seria preso. Como tinha medo, não fui. Então, meu ex-marido saiu de casa e foi morar na empresa. Na época fiquei muito deprimida, sem chão, não me via sem ele. Apesar de todo o sofrimento que vivia, eu era dependente emocional, minha mente era viciada nele. Meu filho mais velho, vendo meu estado, foi procurar ajuda e conseguiu atendimento para mim no Centro de Referência da Mulher Flor de Liz. Porém, em abril de 2019, sofri mais uma agressão física e fui parar no hospital. Tive uma lesão séria em uma das mãos. Mesmo vendo todos em minha volta preocupados, eu ainda tinha medo de fazer o registro na polícia, pois eu pensava que ele seria preso e depois de sair da prisão seria pior, que ele iria me matar. Porém, o olhar dos meus filhos naquele momento fez eu enxergar que precisava tomar coragem para denunciar.”
REGISTRO NA DP FOI FEITO PELO FILHO
“O registro na delegacia foi feito pelo filho mais velho, enquanto eu ainda estava no hospital. Fiquei na Casa de Passagem, fiz o exame de corpo de delito, saiu minha Medida Protetiva da Lei Maria da Penha e, apesar de tudo, ele não foi preso, como tantos outros. Só pude voltar para casa depois que a Medida Protetiva saiu. Fiz outro registro na delegacia, pois ele sempre prometia me matar, tive audiência, estou esperando o que o juiz vai decidir, pois pedi indenização pela lesão, e a minha separação ainda não saiu, apesar de já estar separada há três anos”.
A VOLTA POR CIMA
“Hoje, posso dizer que voltei a ser a mulher que eu tinha escondida dentro de mim, mas não foi fácil, precisei de muita ajuda dos meus filhos, da família, dos amigos e das meninas do Flor de Liz, que são muito dedicadas. Foi com o trabalho realizado no Centro de Referência que consegui enxergar que precisava ser curada da dependência emocional do ciclo da violência. Atualmente, moro com meu filho mais novo e a convivência é bem próxima com o filho mais velho. Somos uma família feliz! E o mais importante, aprendi a me amar. Não foi uma coisa fácil, agora, depois de três anos de acompanhamento no Flor de Liz, consigo me olhar no espelho e começar a me ver diferente, sem medo. Voltei a estudar, estou fazendo faculdade, tenho meu emprego, estou me descobrindo todos os dias, e isso é ótimo. Apesar de ainda ter medo do meu ex-marido, mas não tanto quanto antes. Hoje sei que posso e devo fazer o registro quantas vezes forem necessárias, que minha vida tem valor. Agora quero viver, ser feliz e mostrar que superei tudo o que aconteceu comigo”.
CONSELHO PARA AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
“Permanecemos em relacionamentos indesejáveis por diversos fatores, em que a mulher acredita que para ser feliz tem que casar, ter filhos e, mais que isso, manter um casamento, independente se está feliz, ou não. A dependência financeira e emocional nos faz permanecer nas mãos do abusador, mas não precisamos disso. Somos mulheres fortes, batalhadoras, não somos o sexo frágil. Somos muitas vezes mais fortes do que os que estão nos fazendo sofrer, pois aguentamos todo o ciclo abusivo. Portanto, não aceite ser humilhada, violentada. Nós temos força de dar um basta nisso. Denuncie. Juntas somos mais fortes.”.
* NOME FICTÍCIO DA
NOSSA ENTREVISTADA









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