A vida dos três-maienses pelo mundo afora

Intercâmbio na França, através do Rotary Club, despertou no jovem Marcelino Colla Junior a vontade de explorar o mundo. Com duplo diploma em Engenharia Mecânica, a República Theca é o país escolhido no momento, porém, a ideia é não parar por aí

A vida dos três-maienses pelo mundo afora
Marcelino, 25 anos, em frente do palácio presidencial da Eslováquia na capital do país Bratislava, antes parte da antiga Checoslováquia - Fotos arquivo pessoal

Em 2014, aos 17 anos, ainda estudante do Ensino Médio da Setrem, Marcelino Colla Junior participou de um intercâmbio através do Rotary Club. “A partir desta primeira aventura, surgiu minha determinação, dedicação e esforço, onde toda oportunidade, por mais escondida e distante que parecesse, ficava na minha mente e que se transformou em realidade alguns meses depois”, lembra.

 
Na época, o país escolhido foi a França. A experiência, no país francês – de 2014 a 2015 –, definiu os passos dali em diante. “Naquele momento senti o gosto pela aventura e comecei a sonhar cada vez mais alto, buscando conhecer novos lugares, culturas e pessoas. Hoje, confiante e disposto a continuar fora de minha zona de conforto, meu foco está nas melhores oportunidades profissionais que possam aparecer.”


Após concluir o intercâmbio na França, o jovem, filho de Marcelino Colla e Janice Adriane Colla, ingressou na faculdade de Engenharia Mecânica da Ufrgs, em Porto Alegre, em 2016. Depois de dois anos e meio de estudo, ele conseguiu uma bolsa de estudos para um duplo diploma em Clermont Ferrand, na França. “Durante meus dois anos de estudos no exterior, completei minha formação e iniciei minha carreira profissional com estágios na Michelin - multinacional produtora de pneus - e na PSA Peugeot Citroën - multinacional produtora de carros -, nas cidades de Clermont-ferrand (França) e Trnava (Eslováquia), respectivamente. Em dezembro de 2020 Marcelino concluiu seus estudos na França e retornou ao Brasil, onde teve mais seis meses de estudos na Ufrgs, concluindo a formação em julho de 2021. “Ao fim deste período, obtive dois diplomas em Engenharia Mecânica: pela Sigma-Clermont e pela Ufrgs”, diz o jovem engenheiro mecânico.


Em setembro de 2021, Marcelino voltou à Europa, para morar na cidade de Pilsen na República Tcheca. Hoje, aos 25 anos, ele trabalha como engenheiro de digitalização na empresa Faurecia, uma multinacional do setor de bancos automotivos, na República Tcheca, onde é responsável pela implementação de projetos de transformação digital.


Ao todo, são quatro anos morando no exterior, com muitas idas e vindas ao Brasil, de acordo com as diversas etapas de sua vida.

 

Antes de chegar na República Tcheca, em setembro de 2021, o engenheiro passou seis meses na Eslováquia, e três anos na França, em duas épocas diferentes. De 2014 a 2015 em Marvejols, quando fez intercâmbio pelo Rotary e de 2018 a 2020 em Clemront Ferrand, quando fazia faculdade.


De acordo com Marcelino, a escolha do país se deu após diversas viagens pelo leste europeu e de uma excelente experiência na Eslováquia. “A República Tcheca me atraiu pela posição central na Europa, ótima cerveja, grande desenvolvimento, com um nível de custo de vida ainda muito aceitáveis”, avalia.

 

Pilsen, a cidade onde surgiu a cerveja mais consumida no mundo

Marcelino mora em uma zona residencial de Pilsen, com excelente acesso ao transporte público, academia e mercados. A cidade deu origem ao tipo de cerveja mais consumida do mundo. “A tradição cervejeira da cidade tem seu início no século 14, entretanto a real revolução aconteceu nos anos de 1840, quando todos os cervejeiros da cidade se reuniram para dar fim a cerveja de baixíssima qualidade que produziam. Assim chamaram um mestre cervejeiro da Bavaria, que escreveu a receita original da Pilsen Urquell, marca que existe até hoje e que deu origem a um novo tipo de cerveja. Sendo este tipo o mais consumido no mundo, sendo responsável por cerca de 90% do consumo mundial”, explica.

 

Experiências solo

O engenheiro conta que todas as suas experiências de morar no exterior foram sempre sozinho. “Fui para países novos, línguas desconhecidas e duas malas de 23kg. Porém, possuía um plano traçado, um emprego, vaga de estudo ou acomodação para algumas semanas. Estar sozinho aumenta a tensão, mas com smartphone, estou a poucos cliques de poder, conversar,  desabafar com a minha família”, considera.

 

Culinária e clima

Segundo Marcelino, a alimentação tcheca é bastante marcada por pratos com muito molho, bem temperados e com um acompanhamento clássico chamado knedliky (acompanhamento em formato de rodelas feito de pão ou batata). “Outra curiosidade são os pratos doces. Muitas vezes no almoço temos macarrão com açúcar ou sonho recheados com geleia (um bug no estômago)”. 


Em relação ao clima, o inverno é rigoro com temperaturas negativas. “As primeiras semanas são as mais marcantes, com dias mais curtos e temperaturas baixas – em torno de 8 graus negativos – , que deixam até mesmo os tchecos de mal humor. No entanto, a entrada da primavera é um renascer, consegue-se ver no comportamento das pessoas o calor crescente, mais vontade de sair e dias mais bonitos”, revela. 


No verão, com temperaturas máximas de 33 graus e dias longuíssimos, Marcelino diz que é o momento em que todos aproveitam para sair de casa e apreciar os parques, lagos e montanhas da região.

 

Com temperaturas abaixo de zero no inverno, as estações de esqui são muito procuradas. O registro é na estação de esqui em Železná Ruda, ao sudeste da República Tcheca, fronteira com a Alemanha, a 170km de Praga


Respeito às regras

O respeito às regras ou leis no país europeu, um fato que chamou a atenção do três-maiense, é em relação ao trânsito. “Se o semáforo para a passagem de pedestre está no vermelho, não se atravessa a rua antes que passe ao verde, mesmo que nenhum carro tenha passado nos últimos 5 minutos”. 

 

Desafios e conquistas

Para Marcelino, a língua é um desafio que demanda certo tempo para ser superado. “Estar distante da família em momentos de dificuldades é uma constante a cada passo que damos fora da zona de conforto”, considera.
Quanto as conquistas, o engenheiro destaca o fato de conseguir exercer liderança junto aos nativos, mesmos com as dificuldades linguísticas e diferenças culturais presentes.

 

Churrascos em família e cachorros fazem falta

Mesmo quem está no exterior realizando seus sonhos, sempre tem aquelas coisas que mais sente saudade. “Sinto falta do calor do povo brasileiro, de dançar sertanejo, dos churrascos em família e dos cachorros que ficaram com a minha família em Três de Maio.”


As vindas ao Brasil são, em média, uma vez por ano. “Gostaria até de vir com mais frequência, mas o pessoal no Brasil tem tanta vontade de conhecer a Europa que eles acabam vindo sempre antes”, revela.


A receptividade com estrangeiros

Diferentemente de outros países, o povo tcheco é muito receptivo com estrangeiros, sendo quase a totalidade da nova geração fluente em inglês. “Em cidades menores, temos mais chances de desenvolver um diálogo se conhecermos um pouco de alemão ou russo. Porém, para fazer amizade com um tcheco, uma boa caneca de chopp é a melhor solução.”

 

Sistema público de saúde

Na República Tcheca, o sistema público de saúde é baseado no modelo de seguro de saúde obrigatório, que pode ser fornecido por organizações privadas ou pelo estado. Esta organização garante um sistema de saúde eficiente e de baixo custo, devido à descentralização da prestação do serviço.

 

País com pleno emprego

Marcelino explica que o custo de vida na República Tcheca sempre foi historicamente baixo, porém, com um aumento considerável desde a queda da cortina de ferro e da influência exercida pela União Soviética. “É o primeiro destino na busca por mão de obra barata, diversas empresas de todas as maiores potências europeias possuem fábricas aqui, garantido um estado de pleno emprego no país há muito tempo”. 


Segundo Marcelino não é raro ver anúncios espalhados pela cidade, de empresas contratando e pagando bônus de contração devido à escassez de trabalhadores. “Esta situação gera uma grande presença de imigrantes de países mais ao leste como da Ucrânia, Rússia, Kazaquistão que são atraídos pela abundância de empregos e a proximidade linguística”. Segundo ele, a qualidade de vida no país é excelente, e é possível ter acesso a todo tipo de produto, “apenas com certas peculiaridades em razão da cultura do país”.


Salário mínimo theco

A República Tcheca possui um salário mínimo de 650 Euros, cerca de R$ 3.600. No entanto o salário médio do país é de 1.500 Euros, aproximadamente R$ 8.400. Marcelino explica que, em razão da situação de pleno emprego do país, muitos tchecos possuem mais de um emprego elevando consideravelmanete a receita de cada trabalhor. “Esta falta de trabalhadores e os crescentes custos de mão de obra, faz com que muitos postos de trabalho sejam deslocados a outros países da Europa, como é o caso de Portugal, que faz  uma transição em direção a uma economia baseada cada vez mais na prestação de serviço”, revela.


Regras na relação de trabalho 

Marcelino conta que as regras nas relações de trabalho na República Theca são mais flexíveis que no Brasil. “A jornada de trabalho é de 40 horas por semana, com 30 minutos de pausa para o almoço. O sistema de saúde é através de seguro de saúde obrigatório, onde uma parte é paga pela empresa e a outra pelo trabalhador. Além disso, parte do salário é destinado à previdência social e seguro desemprego”, explica. 


Conforme o engenheiro mecânico, trabalhadores tem 25 dias de férias por ano, que podem ser utilizadas a qualquer momento, cabendo ao empregado escolher como deseja usar estes dias. No caso do trabalhador que faz horas-extras, elas podem ser convertidas em mais dias de férias, ou pagas ao trabalhador no final do contrato. “Uma das maiores diferenças é que aqui o trabalhador não tem 13º salário, muito menos esta ‘aberração’ que é o FGTS”, avalia.

 

O dia a dia

Pela manhã Marcelino pega carona ao trabalho com um colega francês até a fábrica onde ele trabalha, que  fica a 30km da cidade de onde reside. “Passo a dia no escritório e retorno por volta das 17 horas. Os tchecos, assim como os eslovacos, têm o hábito de irem ao trabalho muito cedo, por volta das 7 horas, e assim partirem o mais cedo possível, por volta das 15h30min, aproveitando o máximo da luz do dia”, conta. 


Ao voltar para casa, o engenheiro vai para a academia. “Muitas noites saímos para tomar várias cervejas tchecas, o esporte número 1 do país. Minha rotina na República tcheca é alternada com diversas viagens à França, onde ao menos duas vezes ao mês, vou a trabalho para um dos projetos que sou responsável atualmente, onde a vida de hotel quebra um pouco a rotina e não deixa eu me entediar nunca”, pontua.


Recado para quem quer ganhar a  vida no exterior

“Crescer é uma caminhada longa e desgastante, todas as minhas missões internacionais demandaram muitíssimo tempo de preparo e esforço. Várias horas estudando para obter uma bolsa de estudos, para um teste de proficiência, para uma entrevista de emprego. A preparação, garantirá a confiança necessária para passar qualquer dificuldade. Porém, não espere que tudo esteja perfeito para então decidir partir, trace seus objetivos e uma vez que estiver tudo pronto para conquistá-lo, não pense duas vezes e se lance. A primeira vez é a mais difícil”, considera.


Sem data para voltar

No momento, o jovem engenheiro pretende continuar por  algum tempo  no exterior. “Meu foco hoje é crescimento profissional e, infelizmente, o Brasil ainda não apresenta as melhores oportunidades. Entretanto, a República Tcheca provavelmente não será minha morada definitiva, meu contrato acaba em um ano e meio e já penso qual será o destino da minha próxima aventura”, revelando que as oportunidades são as mais diversas.

 

Cidade de Karlovy Vary, conhecida pelas águas termais e pelos hotéis de luxo, ao norte da República tcheca, faz fronteira com a Alemanha e está a 130km de Praga

 

Parque Nacional Suiça Boêmia, no portão de Pravčická, região noroeste da República tcheca a 130km de Praga