“A vida de ninguém é fácil. Temos que saber administrar e levar do jeito que a gente pode”

“Eu não digo que a minha vida é difícil porque sempre tem alguém que enfrenta uma situação pior que a minha. Mas a vida de ninguém é fácil. Temos que saber administrar e levar do jeito que a gente pode”.
A afirmação é de Bruno Strohschon Osmari, 23 anos, acometido por osteogênese imperfeita – mais conhecida como a doença dos ossos de vidro –, que tem uma visão bem otimista da vida, embora sofra com dores constantes, as limitações físicas e de mobilidade com as quais convive diariamente.
A declaração dele pode até parecer simples, porque, realmente, cada pessoa sabe as lutas que enfrenta, os gigantes que precisa derrotar diariamente, as situações que precisa conciliar. Seja conviver com uma doença na família, uma crise financeira e tantas outras coisas que muitas vezes trazem desesperança ou falta de perspectivas de futuro.
Mas, para o Bruno, ela faz sentido porque, mesmo em meio à doença que enfrenta desde o seu nascimento, e que não tem cura, apenas tratamento, a sua fala serve como um consolo. Consolo no sentido de trazer alento para a sua alma e para o seu coração, pois estar vivo e se sentindo bem pode ser considerado um milagre.
Bruno é filho de Zuleica Strohschon e Clairton Osmari (em memória). Ele nasceu com uma doença que tem como característica principal a ocorrência de fraturas espontâneas. Essas fraturas tiveram início quando ele começou a engatinhar, por volta dos oito meses de vida, e ocorrem até hoje.
A história de Bruno mostra sua superação e força de vontade. Mesmo tendo muitos motivos para reclamar, ele tem uma visão otimista da vida, incluindo planos para o futuro, de cursar a faculdade de Psicologia, a mesma profissão seguida pela mãe.
Nesta reportagem especial, você poderá se inspirar no exemplo de vida dado pelo jovem. Que como a doença dele já diz, osteogênese imperfeita, todos nós, incluindo eu e você, somos seres imperfeitos, mas que através das nossas imperfeições sempre estamos aprendendo, evoluindo e buscando a melhor versão para viver, melhorar e ser feliz.
Sobre os ‘ossos de vidro’
A mãe, Zuleica conta que teve uma gravidez tranquila. “O parto foi normal e ele vinha se desenvolvendo bem, até que com oito meses teve a primeira fratura quando estava engatinhando”.
Na ocasião, foi colocado nele uma tala de gesso da cintura ao pé, pois a fratura foi no fêmur. Isso ocorreu em outubro de 2001, e logo em dezembro daquele mesmo ano aconteceu a segunda fratura. Foi quando os pais começaram a desconfiar que algo poderia estar errado.
Em uma consulta no ano de 2002, com um especialista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, veio a confirmação do diagnóstico de osteogênese imperfeita, e após, através de biópsia, a classificação do tipo 6, muito rara, podendo ser de moderada ou alta gravidade. Esse tipo é caracterizado por um defeito na mineralização do osso.
Após o diagnóstico, iniciou o tratamento, com medicações. A mãe diz que já perdeu a conta de quantas cirurgias o filho fez e quantas fraturas ele já teve ao longo dos seus 23 anos.
Geralmente, as fraturas ocorrem em ossos mais longos, como braços, ombros, pernas, fêmur, costela. Essas são as partes mais suscetíveis e específicas para as fraturas.
Tratamento e medicações
A doença de Bruno o impede de se locomover com as próprias pernas. Até os cinco anos sua locomoção era por meio de carrinho de bebê. Após, passou a utilizar a cadeira de rodas. Aos nove anos veio a primeira cadeira motorizada, meio pelo qual se movimenta até hoje.
O jovem é dependente da mãe para praticamente todas as suas atividades em casa. Para sair da cama e ir para a cadeira, e voltar para a cama, precisa da ajuda de Zuleica, que conta com um guincho apropriado para fazer sua transferência.
Desde a descoberta da doença, teve início o tratamento padrão, com medicamento, mas as fraturas não cessavam. “Até os nove anos tentamos fazer o tratamento com o pamidronato (que é o protocolo para osteogênese imperfeita e ajuda a fortalecer os ossos e diminuir a frequência de fraturas). Mas para o Bruno a gente não via resultado. E o risedronato de sódio também não resolvia. Ele não respondia aos tratamentos convencionais que existiam. Mais tarde, em 2018, entramos com o prolia, injetável, a cada três meses, e houve uma melhora.” No momento, ele utiliza a cada dois meses.
Ele utiliza muitas medicações até hoje, pois o tratamento exige uma abordagem multidisciplinar, incluindo, na lista médica, o canabidiol para alívio das dores, ansiedade e insônia. Toda medicação é controlada, com valores altos, mas cerca de 80% delas conquistadas por via judicial.
Fraturas causadas por um simples espirro ou soluço
Desde pequeno, os cuidados com a saúde do Bruno são diários e constantes para evitar as fraturas. E isso segue até hoje, na vida adulta. Contudo, tanto a mãe quanto o filho comemoram as pequenas conquistas, pois a situação pode ser considerada um pouco mais tranquila.
“Estou mais resistente. Depois do tratamento com o prolia fiquei um pouco mais forte. Porque antes não tinha forças para erguer a perna, não conseguia me virar na cama, contava com minha mãe até para me virar na cama. Conforme eu me movimentava, eu acabava me quebrando. Até num ato simples de espirrar eu me quebrava. Soluçar também podia causar fratura. Elas ainda acontecem, mas não são tão frequentes. Por exemplo, o espirro quebrava costela, sentia muita dor, não conseguia respirar direito”, conta Bruno, sempre agradecendo o apoio irrestrito da mãe em todas as horas.
Zuleica explica que mesmo sem ter cura, a doença não apresenta risco de morte. O que pode acontecer são enfermidades associadas. “As fraturas se recompõem normalmente, como outra qualquer. Muitas vezes, se a fratura não for completa e a dor for suportável, não precisa nem levá-lo ao hospital. Quando criança era mais fácil locomovê-lo, e hoje tem situações em que é possível agravar uma fratura ou a dor. Ele já aprendeu a lidar com essas situações, já conhece seu corpo, e procuro respeitar isso”.
Bruno com sua mãe Zuleica, parceira de todas as horas
O retorno à escola após oito anos
Mesmo em meio às dificuldades de locomoção, Bruno tentou frequentar a escola por muitos anos. Mas, em 2016, parou de estudar. “Ia de carro até a escola e depois ficava na cadeira de rodas. Foi difícil o período de infância e adolescência porque não conseguia ir às aulas com frequência. E acabei parando”.
No início, o carro não era adaptado (atualmente já está adaptado à cadeira de rodas) e até mesmo o fato da mãe colocá-lo no carro acabava o machucando. Daí, ao invés de ir para a escola, ele acabava indo para o hospital.
Mas, neste ano de 2024, Bruno voltou a estudar e está cursando o primeiro ano do Ensino Médio no Instituto Estadual de Educação Cardeal Pacelli.
Com a sua cadeira de rodas motorizada, ele vai sozinho até a escola. Geralmente, na rua, trafegando em meio aos carros, e não no passeio público, porque, segundo ele, muitos passeios públicos ainda não estão totalmente adaptados à acessibilidade. “Existem muitas calçadas irregulares”, lamenta o jovem.
‘Quero terminar o Ensino Médio e fazer a faculdade de Psicologia, e, assim, estar cada vez mais inserido na sociedade.’
A própria escola também se adaptou ao novo aluno, sendo que a sua sala de aula está localizada no primeiro piso do prédio.
Zuleica fala da questão da acessibilidade na cidade com a preocupação de pessoas nas mesmas condições do filho, e também às mães, com carrinhos de bebês, idosos e pessoas com deficiência física e visual que circulam pelos passeios públicos. “As rampas nas calçadas não são das melhores, algumas não são planejadas. Teve situações em que a cadeira do Bruno ficou presa, com a roda de apoio que fica na parte de traz para a cadeira não virar. Então nossa cidade precisa melhorar essa questão da acessibilidade”, sugere a mãe. “Tenho uma vida quase normal. Quero que as pessoas olhem para alguém que tem um tipo de dificuldade e pensem: ‘nossa, ele também consegue, também é capaz’”, diz Bruno.
Ele fala que, no geral, as pessoas lhe tratam muito bem, como uma pessoa ‘normal’, e isso inclui os colegas e professores na escola. “No começo as pessoas pensavam que eu tinha alguma dificuldade de aprendizagem, algo do tipo. Mas bem ao contrário: tenho uma doença física, e não intelectual. Na escola vou bem, tenho boas notas”, comemora.
Pelas deformidades ósseas, ele convive com dores constantes, principalmente na coluna, quadril e pernas. Então tem dificuldades em ficar numa posição só. Por isso, em casa, intercala entre ficar deitado e sentado. “Tenho uma cama especial, adaptada, e fico melhor acomodado. Não tenho autonomia em tarefas dentro de casa. Minha rotina é diferente. Para tomar banho uso uma cadeira especial.” Além disso, toda semana, ele tem acompanhamento com psicóloga. E vai sozinho até o consultório, com sua cadeira de rodas.
Em meio às tantas limitações, Bruno afirma que sua vida é praticamente normal. “Muitos me olham e pensam: ‘meu Deus do céu, que coisa. Realmente, eu passo por muitas dificuldades, mas quero que as pessoas olhem para alguém que tem um tipo de dificuldade (como eu) e pensem: ‘nossa, ele também consegue, também é capaz’”, conclui o jovem.
Voltar a estudar é um marco na história de Bruno e uma grande conquista para ele neste ano de 2024, pois retomando os estudos, indo em busca do sonho de fazer a faculdade de Psicologia e estar cada vez mais inserido na sociedade. Seu exemplo, com certeza, pode fazer a diferença na vida de muitas pessoas, que assim como ele, são movidas pela esperança de ir em busca de sonhos que vão muito além dos obstáculos pelo caminho.
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