ECOS DO TEMPO: 'Apesar de tudo, minha vida valeu muito a pena'

A história da Dona Helga — uma mulher feita de força, memória e sinceridade, que ri da vida, mesmo quando ela apronta.
Helga Dahlem tem 90 anos. E quando conta sua história, não esconde nada — fala com o coração aberto, mistura lembranças duras com um jeito bem-humorado que só quem viveu muito consegue ter.
A entrevistadora diz: “mas nem parece que você tem 90 anos”. Helga responde: “mas pelo meu sofrimento e pelo meu serviço devo parecer com bem mais”. Diz isso e sorri, um sorriso de sabedoria que encanta e nos faz pensar sobre como a dor pode marcar o corpo, mas não apaga a luz de quem escolheu viver com coragem, dignidade e alegria.
Helga nasceu em Três de Maio, filha única de uma mãe corajosa. O pai? Nunca conheceu. A mãe também nunca contou quem era. Só disse que ele trabalhava num hotel “chique” e desapareceu. Quando o avô soube da gravidez, ficou tão furioso que quis fazer justiça com as próprias mãos. Foi aí que a mãe de Helga fugiu — grávida de dois meses, com pouca roupa e muito medo.
“Ela caminhou três dias pelo mato comigo na barriga. A gente foi parar na casa de um colono que nos acolheu. Eu sempre chamava ele de pai, eu o considerava como um pai, porque ele me ajudou a me criar, eu me criei com os filhos dele”. Na casa dessa família, Helga permaneceu por cinco anos.
Estudou por pouco tempo — só dois anos. “Aprendi a ler, escrever... depois disso não fui mais. Era muito frio na época, tinha gelo no chão, ninguém tinha calçado e ninguém queria sair pra fora de casa. Eu sofri muito”.
Depois veio o casamento, com o vizinho. “ A gente foi morar no terreno do velho, o velho pediu pra gente cuidar dele, porque a segunda mulher dele maltratava ele, mas ela não viveu muito tempo, aí ele faleceu”.
Depois que a mãe faleceu, “ela não viveu muito, a gente trabalhou, construiu tudo”.
Tiveram cinco filhos (dois rapazes e três moças). Mas quando nasceu a terceira filha, o marido começou a mudar: “começou a me trair e correr com a 'mulherada', gastar dinheiro”, saía, bebia, sumia por dias, “às vezes ficava três dias em Três de Maio”.
Quando ele faleceu — após uma dessas noites —, Helga decidiu seguir sozinha. Criou os filhos, trabalhou muito, enfrentou dificuldades sem perder a firmeza.
“Depois que eu fiquei sozinha, fiquei morando na minha casa, eu morava na cidade. Nunca casei de novo, achando que eu teria o mesmo problema que tive com meu falecido marido. Ele tinha muito amor para dar, mas acabou se perdendo”.
Com o tempo, a saúde pediu ajuda. A filha, que é agente de saúde, a levou pra casa, cuidou dela com carinho por dois anos. E, depois, veio para o lar onde mora até hoje.
“Eu gosto do lar, é legal e eu sou bem cuidada. Quando meus filhos me trouxeram aqui, eles ficaram nervosos, choraram. Mas aqui eu estou bem, só fico preocupada com uma das minhas filhas, ela precisa fazer a mesma cirurgia que eu fiz da coluna”.
E mesmo com tantas voltas que a vida deu, Helga segue firme. E deixa um recado direto para os jovens, do jeitinho dela:
“Não passem o que eu passei, não desejo isso pra ninguém, eu sofri muito, lutem enquanto têm força, eu trabalhei até cair. Minha mãe era brava, eu não tinha culpa, eu não pedi pra nascer e ela me culpava”.
Como num tom de mágica, ela esquece todo sofrimento que já passou e solta aquela risada gostosa, daquelas que aquecem o peito e encerra a conversa como quem diz: “apesar de tudo, valeu a pena”.
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