ECOS DO TEMPO: Iracema Rockenbach: uma vida de lutas e palavras diretas

ECOS DO TEMPO: Iracema Rockenbach: uma vida  de lutas e palavras diretas
Com personalidade forte e firme, Iracema Rockenbach sempre foi de poucas palavras, mas de muito serviço

Quando foi convidada a contar sua história, Iracema Rockenbach não escondeu o ceticismo. “Pra quê isso?”, questionou com o cenho franzido e a voz firme, quase ríspida. Mas bastou ouvir que sua trajetória poderia servir de exemplo — não para enfeitar as coisas, mas para mostrar a vida como ela é — que ela endireitou a postura e começou a falar. Sem floreios, sem rodeios. Era assim que ela sempre foi: direta, um tanto dura, mas com uma força que poucos têm coragem de carregar.

Iracema nasceu há 85 anos em Três de Maio, num tempo difícil e em uma casa cheia: sete irmãos e uma mãe que teve que dar conta de tudo sozinha depois que o pai os abandonou. Ela tinha apenas sete anos quando isso aconteceu, e a lembrança ainda parece deixar gosto amargo na boca. “Ele largou a gente. Sumiu, eu só tinha sete anos”, diz com os olhos apertados, não de tristeza, mas de uma velha raiva que nunca foi embora por completo e por isso aconselha os jovens a escolherem bem com quem irão dividir a vida.

A infância foi marcada pela falta.  Faltava o carinho do pai, principalmente a presença dele. Mas não faltava trabalho. Iracema aprendeu cedo a se virar e nunca gostou de depender de ninguém. Trabalhou em várias empresas ao longo da vida, inclusive no Colégio Cardeal Pacelli, onde cuidava da limpeza. Lembra-se que os alunos às vezes queriam ajudar. “Ficavam me rodeando...  comenta, balançando a cabeça. Sempre havia alunos por perto e em alguns momentos até ajudavam, mas muitas vezes não tinha a paciência necessária, reconhece, mas no fundo, talvez tivesse um certo cuidado escondido sob o tom seco.

Mais tarde, mudou-se para Cascavel, no Paraná, onde viviam um irmão e uma irmã, que desejavam que a mãe ficasse mais perto, ela foi junto, a pedido da mãe. Foram anos de rotina pesada, de lutas constantes. A morte da mãe, aos 75 anos, mexeu com ela. “Minha mãe era tudo pra mim", diz emocionada.

Depois de algum tempo, voltou para Três de Maio, sua terra natal. Iracema resistiu, mas acabou cedendo, hoje ela é atendida por uma sobrinha e mora no Lar dos Idosos. Gosta do sossego, mas não é de fazer amizades fáceis. 

Ela se orgulha de sua trajetória. Teve duas carteiras de trabalho assinadas, “coisa que muita gente por aí não tem”. Diz que sempre foi de poucas palavras, mas de muito serviço. Conta, com certa indignação ainda viva, de um episódio marcante em Cascavel: estava numa padaria quando viu um menino andando inquieto. “O que você quer”, perguntou. “Tenho fome, tia", disse ele.  Sem pensar, comprou um lanche e entregou ao garoto. Foi repreendida por uma funcionária: “Você acostuma mal essas crianças.” Iracema não deixou barato: “O dinheiro é meu, eu faço o que quiser. E se quiser dar comida para dez guris, dou. Nunca tive filhos, mas também não sou de virar a cara pra quem precisa, quando pude, sempre ajudei.”

Nunca quis se casar. “Pra quê? Vi o que aconteceu com meus pais. Briga, dor e abandono. Melhor sozinha.” Teve oportunidades, mas sempre preferiu o caminho solitário — o que, pra ela, nunca foi sinônimo de fraqueza.

Entre as poucas lembranças que guarda com algum afeto, estão as visitas à casa do avô Soares, juntamente com sua mãe. Iam de carroça, voltavam carregados de verduras e frutas.  Fala disso com o mesmo tom duro de quem sabe que viver nunca foi fácil e que sonhar demais sempre foi perigoso.

Iracema não é mulher de sorrisos fáceis. É feita de casca grossa, de opiniões firmes e de uma independência que não permite muitas concessões. Sua vida não foi um conto de fadas — foi uma travessia áspera. Mas é justamente por isso que sua história merece ser contada. Porque ela representa aquelas pessoas que viveram mais do que falaram, que sofreram sem perder a dignidade. 

 

PROJETO ECOS DO TEMPO
APOIADORES:
Diretoria da Associação Tresmaiense dos Amigos dos Idosos
Amara Werle - Jornal Semanal 
Betina Cesa - Nossa Revista
Narjana Pedroso - @npagenciacriativa - gravação e edição dos vídeos
Luciana Thomé Chedid (Luka) 
Loja O Boticário  - cabelo e maquiagem 
Arlene Bender - entrevistas 
Miréia Bohnen - edição escrita das histórias 
OBS: as entrevistas e publicações foram autorizadas pelos familiares.