As senhoras centenárias de Três de Maio
Chegar aos 100 anos é para poucos, ainda mais com lucidez e vitalidade, pois um dos maiores desafios é alcançar um século de vida com saúde e disposição. A partir desta edição, o Semanal traz os relatos de pessoas centenárias que com muita sabedoria compartilham suas histórias de vida e longevidade. Começamos pelas senhoras Erna Streck Hollweg e América Marchet dos Santos. O Semanal ouviu a história de vida dessas duas idosas que nasceram no ano de 1922. Para elas, não existe receita certa, mas praticar o bem e a espiritualidade, ajudam a envelhecer de forma saudável e feliz.

Em 15 de julho de 2022, a mãe, avó, bisavó e tataravó Erna Streck Hollweg completou 100 anos de vida. Ela surpreende ao chegar aos três dígitos de idade serena e lúcida, tomando medicamento apenas para controlar a pressão alta. Dona Erna conversou com o Semanal e contou fatos de sua trajetória, de sua juventude, até os dias de hoje.
Ao lado de suas filhas Gerti Marasquin e Célia Dill, a centenária recebeu a nossa reportagem com empolgação e cordialidade. Apesar de estar com a visão prejudicada pela idade, a 'cabeça' segue muito bem, guardando suas lembranças de vida com amor e carinho.
Dona Erna Streck Hollweg recebeu com muita simpatia nossa reportagem para falar um pouco sobre sua trajetória nestes 100 anos
Da infância, à juventude e o início da vida a dois
Filha dos agricultores Francisco e Ana Streck, Erna é a mais nova de uma família de oito irmãos. Ela nasceu em Linha Ávila – na época município de Júlio de Castilhos –, na região central do Estado. Hoje pertence ao município de Nova Palma.
A centenária recorda em detalhes do tempo de criança, e diz que teve uma infância boa e feliz. "Comecei a ir na aula com 8 anos. Aos 12 anos, tive que parar de estudar pois só tinha aula até a quarta série". Ela explica que, para as crianças seguirem com os estudos, elas precisavam se mudar de cidade, geralmente para São Leopoldo, o que na época não era possível para dona Erna. “Enquanto nós morávamos em Linha Ávila, nós trabalhávamos na roça e não tinha como ir morar em outra cidade para continuar a estudar”, comenta.
Em 1942, aos 20 anos, ela se casou com Abílio Hollweg. O casal permaneceu em Linha Ávila até 1949, quando se mudou para de Três de Maio. Da união, nasceram os filhos Gerti, Célia, Hélio e Liane.
Dona Erna conta que ao chegar na cidade do Noroeste gaúcho, o marido Abílio começou a trabalhar como mecânico. E ela, além de cuidar da casa e dos filhos, também era costureira.
Em 2006, após 64 anos de união, seu Abílio faleceu aos 86 anos. Dos quatro filhos, nasceram 13 netos, 21 bisnetos e três tataranetos.
Reunir todos os familiares nem sempre é possível, mas, recentemente, no aniversário de 100 anos comemorados com grande festa, praticamente todos os familiares, entre filhos, netos, bisnetos e tataranetos estiveram presentes. “A maioria mora longe, então se torna difícil reunir todos, mas faltaram poucos na minha festa”, diz alegre a dona Erna.
Chegada a Três de Maio
Com as memórias ainda bem presentes, a idosa relembra a época em que a família veio para Três de Maio quando ainda era distrito de Santa Rosa. “Eram pouquíssimas casas, as ruas eram de chão; uma poeira vermelha”, relata.
Ela também recorda de uma padaria próxima da casa em que morava e de uma loja de calçados no centro, mas não lembra o nome. Ela fala também da fundição de Frederico Willig, onde hoje ainda existe a chaminé. "Era uma paisagem bem diferente do que se tem hoje em dia pelas ruas da cidade. Havia uma e outra construção", recorda.
As filhas Gerti e Célia que eram crianças na época lembram que Três de Maio era uma vila e ressaltam algumas edificações, como o comercial Dockhorn e um frigorífico. "As casas e as lojas comerciais eram poucas e bem distantes umas das outras. O Hospital Santo Antônio (onde atualmente está instalada as Lojas Becker), o Colégio das Irmãs já existia, mas com uma casa pequena de madeira. A Setrem ainda era Escola Sinodal”, diz Gerti.
Hoje, a centenária diz que a cidade está muito diferente. “Praticamente tudo mudou. Antigamente tinha pouco carro. As ruas hoje têm asfalto, tem bastante casas, muitas vilas/bairros novos. Hoje não enxergo mais a torre da igreja da minha casa. Quando me levam para passear de carro pela cidade, já fico bem perdida”, ressalta.
Medicação somente para pressão alta
Na juventude, dona Erna gostava de frequentar grupos de jovens, que se reuniam e praticavam canto. “A gente participava de grupos de juventude e se reunia umas duas vezes por semana para cantar. Alguns tocavam violino, vilão. Eu participava no canto. Era muito bom isso”, salienta.
Quanto aos medicamentos, a centenária toma remédio somente para a pressão alta. “Estou bem de saúde, só as pernas não querem mais andar tanto”. As filhas contam que ela consegue caminhar com uma bengala, mas que sempre tem alguém para acompanhá-la, para evitar alguma queda. Algumas atividades ela consegue fazer sozinha, como tomar banho, por exemplo.
As filhas lembram que há alguns anos ela fraturou o braço, porém a recuperação foi muito boa e rápida, o que surpreendeu. “Osteoporose com certeza ela não tem”, afirma Gerti.
Quando perguntada sobre sua alimentação, dona Erna frisa que cuida para não exagerar. “Eu me cuido um pouco com a comida. Não como muita gordura e evito o exagero”, revela.
A idosa continua morando na casa que vivia com o marido. Há oito anos, ela tem a companhia da tata Anelise, que iniciou o trabalho na casa ainda quando era solteira. Passados alguns anos, ela casou e toda a família - marido e filha -, moram com a dona Erna.
Festa em comemoração aos 100 anos da dona Erna reuniu os filhos Gerti Marasquin, Célia Dill, Hélio Hollweg e Liane de Abreu, genros, nora, 13 netos, 21 bisnetos e três tataranetos com suas famílias
Fazer crochê e participar da OASE
Além de costureira, a vovó sempre gostou de fazer crochê. Infelizmente, pelo enfraquecimento da visão, não consegue mais praticar o hobby. "Há oito anos a visão dela começou a ficar prejudicada e segundo orientação médica, não tem como tratar", explica a filha Gerti.
Erna foi participante ativa da OASE (Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas), grupo de mulheres da Comunidade São Paulo da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB. Lá também fazia o seu crochê e trabalhos para a igreja, desde os 60 anos.
Conselhos da dona Erna
“Eu nunca me preocupei em chegar até essa idade. Fui vivendo os anos. As pessoas precisam ter calma; se dar bem uns com os outros, perdoar. Eu nunca briguei com os meus vizinhos, sempre me dei bem com todo mundo”, aconselha a dona Erna.
Dona América Marchet dos Santos completou 100 anos no dia 16 de junho. Ela diz que não existe uma receita para chegar aos 100 anos, mas que é preciso sempre se manter ativa, principalmente a mente, tanto que hoje seus passatempos preferidos são jogar canastra e fazer caça-palavras.
Na tarde em que dona América recebeu nossa reportagem, ela deu uma pausa no jogo de canastra com as amigas, que acontece geralmente na terça-feira. Acompanharam a entrevista a filha Marlene dos Santos Bittencourt e a neta Márcia Bittencourt Krügel.
América Marchet dos Santos – que completou 100 anos no dia 16 de junho – com o jogo de canastra, um de seus passatempos preferidos
Natural de Ijuí, filha única de casal de imigrantes italianos, América nasceu em 16 de junho de 1922. Aos 22 anos, casou com Alberto dos Santos e passou a morar em Palmeira das Missões.
Da união nasceram quatro filhos: Marlene, Vivaldino, Maria e Vilson. Dos quatro filhos, apenas a filha Marlene Santos de Bittencourt, hoje com 77 anos, ainda está viva. Também viúva, mãe e filha moram juntas.
O esposo de América, seu Alberto, foi padeiro além de trabalhar com ferro-velho e fabricação de carvão. Ele morreu aos 60 anos. Viúva, aos 60 anos, dona América veio morar em Três de Maio para ficar mais perto dos filhos. Os quatro filhos geraram quatro netos, nove bisnetos e três tataranetos.
Estudos, trabalho e espiritualidade
Dona América foi aluna de colégio interno de freiras em Ijuí. Ela estudou até se formar no "Científico" (hoje equivalente ao nível de Ensino Médio), o que a habilitava para lecionar.
A neta Márcia conta que uma das grandes paixões da avó era a escrita, tanto que mantém uma letra bonita até os dias atuais.
A centenária conta em detalhes, que ao concluir os estudos, ela casou e pouco tempo depois começou a trabalhar como cuidadora de um coronel aposentado, que se chamava Valzomiro Dutra. "Meu avô era motorista do coronel", recorda.
No ano de 1962, ainda morando em Palmeira das Missões e com 40 anos, ela iniciou o trabalho no setor de serviços gerais na delegacia de Polícia Civil da cidade, onde mais tarde se aposentou.
Das muitas lembranças, vários fatos marcaram a sua vida, como o nascimento dos filhos, o trabalho na fabricação de carvão com o marido; e as pescarias em família, sempre aguardadas por todos.
Mas o que ela faz questão de contar é a sua participação ativa na Seicho-No-Ie, que é um Movimento de Iluminação da Humanidade, fundado em 1930, pelo então jovem Masaharu Taniguchi (1893-1985), no Japão.
Na sede da Seicho-No-Ie em Três de Maio, ela durante muitos anos se dedicou ao movimento, onde foi preletora e palestrante, e por meio deste trabalho, ajudou muitas pessoas, de diversas formas. “A Seicho-No-Ie traz ensinamento de amor, de misericórdia pelas pessoas e trata da essência perfeita do homem, como filho de Deus. Também é um movimento que luta pela paz mundial”, explica.
Cinco gerações: América Marchet dos Santos com a filha Marlene dos Santos Bittencourt, 77 anos; neta Márcia Bittencourt Krügel, 56; bisneta Valéria Bittencourt Krügel Ceccon, 29 anos e a tataraneta Emmeline Krügel Ceccon, de 1 ano e 3 meses
Centenária não esquece a hora da medicação
Chegar aos 100 anos de idade e ter a capacidade intelectual de jogar carta – canastra – e fazer caça-palavras (no mínimo duas revistas por semana) é para poucos. Para a dona América, é algo comum e faz parte do dia a dia. "Isso ajuda a manter minha mente ativa e o contato com as minhas amigas", revela a centenária, que até os 90 anos ainda fazia crochê.
Quanto à alimentação, dona América diz que come quase tudo, e que seu prato preferido é galinha com polenta; feijão e suco natural. Ela nunca fumou e seus exames de saúde estão todos em dia, com resultados muitos bons. Faz o uso apenas de medicamentos para pressão alta e colesterol – e segundo a filha Marlene, não precisa de ajuda para lembrar dos horários de ingerir os remédios.
Mesmo caminhando com ajuda do andador, ela é bastante ativa e disposta. Adora bater um papo com a filha, as amigas da canastra, com os netos. É um exemplo de vitalidade que vai ficar de geração para geração.
Conselhos da dona América
Ajudar aos outros, fazer o bem, querer bem o próximo e praticar a espiritualidade, são conselhos de sabedoria da dona América. "A espiritualidade ajuda na longevidade das pessoas", orienta a centenária.
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