TRÊS DE MAIO E SUA HISTÓRIA - O CASARÃO DA AVENIDA URUGUAI

O CASARÃO DA AVENIDA URUGUAI
O casarão situado na bifurcação da Avenida Uruguai com a Travessa Bruno Dockhorn foi construído em 1939 pelo destacado empresário Germano Dockhorn, que o presenteou a sua esposa, Paula Henn, e, por isso, Germano deu ao casarão o nome de “Vila Paula”, já que, conforme afirmava, dava para se fazer de tudo dentro dele, como se dentro existisse uma Vila.
Germano Dockhorn havia chegado ao povoado de Buricá em 1922 junto de sua esposa, Paula, e com os três primeiros filhos do casal: Walter (1918), Gerda (1920) e Theo (1921), sendo que no povoado nasceria ainda Bruno (1924).
A casa logo se tornou uma atração na Vila, e muitos que vinham do interior para fazer compras no povoado não deixavam de parar por alguns minutos na rua para apreciar sua arquitetura, que se diferenciava das demais casas existentes na região. A casa possui 700 m² e foi construída em um terreno de 1.500 m², com tecnologia vinda da Alemanha, ao estilo germânico eclético, no número 109 da Avenida Uruguai (Lat. -27.783015 Long. -54.235112 DD).
O telhado foi construído ao estilo de moradias de lugares onde ocorre neve, possuindo uma inclinação nas abas que faz com que todo o peso recaia sobre as paredes, e não nas abas. A estrutura foi toda feita em madeira e forrada com enormes pedras, sendo que, por cima, foi colocada uma folha protetora para que em dias de chuva o telhado não fosse muito barulhento, além de proporcionar conforto térmico.
As luzes internas foram feitas ao estilo europeu, chamado de “chave hotel”, onde todas as lâmpadas dos corredores, quartos e cômodos podiam ser desligadas de um único ponto da casa. Além disso, a casa contava com um sistema de aquecimento central, conectado a um fogão a lenha de onde uma serpentina de água levava calor para diversos cômodos, inclusive para o banheiro principal, que tinha o piso aquecido para o caso de alguém sair do banho descalço.
No andar superior foram instalados três quartos de casal e mais três quartos de solteiro, sendo que nos dois pavimentos superiores (a casa possui mais um pavimento no subsolo), foram distribuídas ainda três salas e três escritórios, além da cozinha. Também foi construída uma segunda cozinha no subsolo, com um grande forno, tacho de chimia e depósito de lenha. Havia ali também uma câmara fria, para os dias de calor, onde se podia guardar gelo e manter as bebidas geladas. Neste porão fazia-se de tudo, pão, carne assada, chimia, lascava-se e se armazenava lenha, guardavam-se potes de compotas, etc... e era isto que dava um aspecto de Vila a quem conhecesse a casa por dentro, diferentemente das demais moradias do povoado que, em sua imensa maioria, não possuíam água e nem mesmo sanitários internos.
No mesmo terreno onde foi construída esta residência da família Dockhorn, anos antes, existia uma serraria, de propriedade de Augusto Zillmer, a qual possuía uma locomóvel Lanz de 18 hp que foi a primeira geradora de energia elétrica do povoado. Nesta serraria, Bruno, o filho mais novo de Germano Dockhorn, gostava de brincar atraído pelo acúmulo da serragem resultante do corte das madeiras, o que Zillmer achava muito perigoso, já que era um local onde uma criança poderia facilmente se machucar, e, inclusive, Zillmer chegou a alertar Germano deste perigo. Mas a falta de severidade de Germano e Paula com o filho que só queria brincar, talvez acomodados na crença de que o pior jamais fosse acontecer, fez com que os alertas de Augusto Zillmer não fossem levados tão a sério, até o dia em que um dos troncos que estava sobre o trem da serra rolou de cima da prancha, caindo sobre Bruno, lhe esmagando uma das pernas. Germano foi imediatamente chamado e o menino foi levado às pressas para os cuidados do Dr. Frederico Krebser.
Não havendo possibilidade de tratamento do ferimento, não restou outra escolha senão a amputação da perna do menino, o que deixou Germano Dockhorn completamente devastado.
A partir de então, Bruno passou a utilizar uma prótese de madeira, e como era ainda uma criança em fase de crescimento, de tempos em tempos era necessário substituir esta perna por outra mais adequada a sua estatura física, e as próteses que sobravam passaram a ser guardadas como se fossem uma parte do menino.
Quando Augusto Zillmer encerrou com os trabalhos de sua serraria, Germano Dockhorn comprou o terreno com a intenção de ali construir uma residência mais ampla para a família, a qual, como já mencionado, foi concluída em 1939. Era uma casa à altura do nome de Germano Dockhorn, e nela muitos jantares foram oferecidos para figuras ilustres da região.
Não por menos, com a reabertura política do Brasil, outorgada pela nova Constituição de 1946, Germano Dockhorn foi convidado pelo candidato a prefeito de Santa Rosa, Alfredo Leandro Carlson, candidato pela sigla do PTB de Getúlio Vargas, para disputar aquele pleito ao seu lado como candidato a vice-prefeito (naquele momento Três de Maio era o 2° distrito de Santa Rosa), nas eleições municipais de 1947, quando concorreram contra outras quatro siglas partidárias, obtendo no final daquela eleição 32 votos a mais do que a soma dos outros candidatos juntos.
Dois anos depois, em 1950, Carlson foi lançado a disputa por uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado, enquanto Germano Dockhorn, a convite do próprio Getúlio Vargas, lançou-se como candidato a deputado federal, sendo eleito para atuar no Congresso Nacional no Rio de Janeiro entre 1951 e 1954, período no qual defendeu arduamente as políticas implementadas pelo então presidente da República Getúlio Vargas.
A partir daí, Germano Dockhorn tornou-se figura política influente e bem relacionada no meio político, tendo recebido na sua residência na Avenida Uruguai, em 1954, inclusive, o então presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) João Goulart, que veio até a Vila a fim de convidá-lo a concorrer novamente a vaga de deputado federal pela sigla, (em 1962, João Goulart se tornaria presidente da República após a renúncia do presidente Jânio Quadros), porém, Germano demoveu-se do convite, talvez, porque seu principal cabo eleitoral, Getúlio Vargas, havia cometido suicídio no dia 24 de agosto daquele ano.
Em 12 de abril de 1959, seria a vez de Germano Dockhorn receber em sua casa o Governador do Estado, Leonel de Moura Brizola, que se encontrava em Três de Maio para a inauguração da Escola Normal Rural Getúlio Vargas, escola construída com esforços e terreno doado por Germano Dockhorn.
Ainda naquele ano, depois de um período afastado da política, Germano seria eleito prefeito de Três de Maio para a segunda administração do município após sua emancipação (1960 – 1963).
Poucos anos depois, o filho Bruno faleceria em um acidente de automóvel ocorrido no dia 23 de fevereiro de 1969, quando então, o prefeito Walter Ullmann (1969 – 1973), em um gesto de solidariedade a Germano Dockhorn (até então seu desafeto político), propôs a renomeação da então Travessa Montevidéu, rua que passa ao lado do casarão, para “Travessa Bruno Dockhorn”, o que foi oficializado através da Lei 32/69, de 05 de agosto de 1969, a qual selou novamente a amizade entre as famílias dos dois primeiros prefeitos de Três de Maio, que possuíam laços consanguíneos próximos (Germano Dockhorn era tio de Walter Ullmann).
Germano Dockhorn viria a falecer no dia 11 de fevereiro de 1973, tendo deixado avisado à família que qualquer um de seus filhos, noras e netos, poderiam manter-se hospedados na casa por um período de dez anos.
Em seu velório, ocorrido no próprio casarão, o portão de entrada do quintal foi adornado com um arco de rosas por onde o caixão passou sendo levado para o cemitério da comunidade São Paulo acompanhado por um grande público e ao som de uma banda que tocava uma marcha fúnebre.
Quando a Avenida Uruguai recebeu pavimentação asfáltica, o rolo compressor que compactava a via causou rachaduras na casa, o solo foi mexendo e a casa trincou em três partes, problema que no decorrer dos anos seguintes foi pouco a pouco se agravando.
Em 1991 a casa foi adquirida pelo engenheiro civil Paulo Marasca, o qual, quando desceu até o porão, encontrou penduradas sobre o teto diversas próteses de madeira de uma perna com diferentes tamanhos, talvez indicando que nos anos que se seguiram aquele trágico dia na serraria de Augusto Zillmer, Germano Dockhorn tenha mantido guardada nos porões de sua alma uma culpa da qual nunca se perdoou.
Hoje, o casarão que observa silenciosamente o movimento da Avenida Uruguai e que foi palco de simbólicos momentos de nossa história, prenuncia aos olhares dos passantes que a sua luta contra a ação do tempo está prestes a findar, momento em que levará junto com ele as memórias afetivas de várias gerações de três-maienses que cresceram materializando nesta casa um forte elo com Três de Maio.
Revisão do Dr. Professor Leomar Tesche e do Historiador Orlando Vanin Trage
O casarão, construído em 1939, recebeu o nome Vila Paula em homenagem a esposa de Germano Dockhorn, e se tornou uma das mais belas casas da região
Germano Dockhorn, com seu filho Bruno, que anos mais
tarde se casaria com Brizida Foletto e se tornaria pai de
Bruno Rogério e Ana Cristina Dockhorn
João Goulart na varanda do casarão durante visita a
Germano Dockhorn em 1954
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