Produtores de leite falam das dificuldades da atividade: ‘Motivação não há. O que temos é uma necessidade de obter uma renda a mais na nossa propriedade’
A crise enfrentada na atividade leiteira impacta cada vez mais na vida de produtores rurais de todo Rio Grande do Sul. A situação relatada em números na edição anterior do Jornal Semanal, mostra que quase mil produtores de leite, somente do município de Três de Maio, desistiram da atividade nos últimos quatro anos e meio. Segundo o escritório da Emater/RS-Ascar, o município de Três de Maio tinha 1.580 produtores rurais trabalhando com a atividade leiteira em 2010 e, em junho de 2023, apenas 202 permanecem na atividade. Hoje, trazemos relatos daqueles que colocam a “mão na massa” para que possamos consumir um copo de leite, um pedaço de queijo e outros diversos produtos e alimentos derivados do leite que estão presentes na nossa mesa e em nosso dia a dia. Entre os pontos destacados pelos entrevistados para justificar o abandono da atividade, estão o baixo preço pago pelo litro de leite produzido, aliado ao custo elevado de produção, que reduzem a lucratividade do produtor rural.
‘Não sei até quando vamos continuar com o leite. Se não houver mudança a curto prazo, com toda certeza, seremos mais um produtor a abandonar a atividade’
Marcos e Elisiana trabalham na atividade leiteria há 18 anos. Atualmente, são 37 animais, com uma média de produção diária de 340 litros de leite
“Motivação não há. O que temos é uma necessidade de obter mais renda, já que nossa propriedade é pequena. O leite sempre teve altas e baixas, mas, nos últimos meses, está havendo uma falta de vontade por parte do governo, deixando as empresas comprarem leite de fora sem taxação alguma. Todos nossos produtos vendidos para fora são taxados pelos países compradores. Porque o leite de fora não pode ser taxado”. Este é o desabafo de Marcos Pivatto, 45 anos, que trabalha com a produção de leite há 18 anos.
Na propriedade, localizada em São Caetano, distrito de Consolata, o trabalho é realizado por Marcos e sua esposa, Elisiana Perinazzo Pivatto, além das filhas Amanda e Larissa, que auxiliam quando não tem trabalho na escola. O casal também trabalha com a atividade de grãos na propriedade, como soja e milho. Na produção leiteira, são 37 animais com uma produção média de 340 litros diários.
Para o agricultor, a situação chegou a esse ponto por falta de incentivo dos governos, aliado a três anos de seca. Ele diz para que haja condições de os produtores rurais permanecerem na atividade, algumas ações deveriam ser realizadas. “A curto prazo, é preciso de uma política de subsídio aos produtores e não para as empresas. Taxar leite de fora, principalmente o leite em pó, que é comprado, enviado para o Nordeste e reidratando por lá”, ressalta.
Além da baixa lucratividade, as estiagens também impactaram na atividade. “A seca nos trouxe muita preocupação pela falta de alimentação para os animais. Elevou os nossos custos e diminuiu a produção em até 50% em alguns meses”, relata Marcos, que diz que não foi fácil suportar a situação. “O alto custo da implantação de pastagem e silagem; o pasto não rebrotava; a ração cara e a pouca produção”.
Outro ponto destacado por Marcos é o preço do animal abatido. “O preço pago pelo animal ao descarte de machos que são criados na propriedade gira em torno de R$ 4 a R$ 9 o quilo abatido. O valor pago por alguns animais não paga nem o frete até o abatedouro”, salienta.
O agricultor também cita os altos custos com medicamentos, - que sobem todo mês -, veterinário e inseminador. “Não sei até quando nossa família irá continuar na atividade. Se não houver mudança a curto prazo, com toda certeza, seremos mais um produtor a abandonar a atividade”, finaliza.
‘Seguimos com a atividade pela infraestrutura que temos na propriedade’
Com 15 vacas em lactação, Eduardo e Andressa permanecem na atividade pela infraestrutura que o casal tem na propriedade
No Km 13, interior de Três de Maio, o casal Eduardo Luiz Salvador, 34 anos, e Andressa Baú, 31 anos, trabalha na atividade leiteira. São 15 vacas em lactação e mais 5 ‘secas’. Ao todo, a propriedade produz, em média, 400 litros de leite por dia. Além de leite, na propriedade são cultivados grãos – soja, trigo e aveia; e pecuária de corte. “Seguimos com a atividade pela infraestrutura que temos e investimentos que melhoraram a qualidade genética dos animais. Se vendermos agora, não vamos tirar nem os custos de todos os anos que viemos investindo. E, com essa crise, vamos vender para quem, a que preço?”, indaga o agricultor.
Eduardo pondera que a questão de lucratividade sempre enfrentou altos e baixos, porém, que neste momento, está quebrando com o produtor. “O preço do leite caiu em torno de 45% e a previsão de aumento está muito longe de ocorrer. Só se fala em queda”, comenta.
O casal de agricultores observa que é necessária uma atenção governamental para quem produz leite. “A hora em que os governantes do Brasil começarem a valorizar os produtores brasileiros vai mudar. É muito imposto em cima de ração e medicação. A ração até diminui um pouco, mas voltou a subir, e o medicamento sobe cada vez mais”, explica.
Assim como relatado por diversas entidades ligadas ao setor agrícola, Eduardo vê que a importação de produtos estrangeiros é um dos pontos principais que afetam a atividade em nível nacional. “Se começar a taxar o leite que vem de outros países, o produtor consegue ter mais lucratividade, pois aí fica mais barato comprar o produto brasileiro. Mas hoje o sistema governamental – em que o alimento é mais barato (porque vem de fora) –, está quebrando o produtor da matéria prima”, frisa.
Em períodos de pouca chuva, a atividade registrou grandes dificuldades e perdas. “Nos anos de seca, a silagem que conseguimos fazer foi de péssima qualidade. Tive que investir mais em ração, com maior quantidade de proteínas até pastagens de inverno. Mas, na época, ainda estava razoável para se investir. O preço (do leite) pago pelo litro estava em torno de R$ 3,20 e agora está em R$ 1,90”, lamenta o agricultor.
‘Para seguir na atividade temos que ser cada dia mais eficientes’
‘O governo precisa, com urgência, taxar a importação de leite principalmente de países do Mercosul, para que esse leite seja competitivo com o leite produzido aqui’, diz Joel Rossi
Os produtores Joel Cristiano Rossi, 37 anos, e Luciani Rafaela de Lima. permanecem na labuta diária da produção de leite. A propriedade, em Medianeira, tem 33 vacas, sendo que atualmente, 26 estão em produção, atingindo uma média diária de 700 litros de leite. Os pais de Joel, Antônio Rossi Neto e Helena Beatriz Rossi também auxiliam em algumas atividades.
A família trabalha exclusivamente com a pecuária leiteira. “Ainda seguimos na atividade por nossa propriedade ter pouca área para outra atividade, como grãos, por exemplo. Além disso temos mais aptidão para produção de leite. Mas, o principal motivo de permanecermos na atividade, é que conseguimos obter mais renda por área, apesar de essa renda ter diminuído bastante nos últimos tempos. O trabalho é diário, de domingo a domingo, não tem feriado, não tem férias, e isso desmotiva bastante”, explica Joel.
Nos últimos anos, a lucratividade teve uma redução expressiva. “Para seguir na atividade, a cada dia, temos que ser mais eficientes. Buscar assistência técnica, assistência gerencial, participar de palestras e dias de campo, sempre com o olhar de adaptar a propriedade as tecnologias existes no momento, em busca de mais eficiência, explorando mais os recursos disponíveis como terra, animais, mão de obra... etc...”, explica.
Joel vê que a produção leiteira tem enfrentado outros problemas além da reduzida lucratividade, como o envelhecimento dos produtores e a falta de mão de obra. “Quando eles se aposentam, acabam parando com a atividade. Os jovens de hoje não querem mais trabalhar de domingo a domingo, com chuva ou com sol. Eles preferem outras profissões que dão menos trabalho. As propriedades que estão ficando são as maiores, que conseguem empregar mais tecnologias que diminuem a mão de obra e, através do volume de produção, conseguem ter uma rentabilidade melhor”, contextualiza.
O produtor reforça que as relações comerciais com outros países, através de importações de leite e derivados, vêm prejudicado bastante a produção nacional. “A cadeia do leite está passando por dificuldades jamais vistas e sem perspectiva de melhora. Atualmente, o custo de produção supera o valor recebido pelo litro de leite. O Brasil está importando muito leite de países que têm subsídios de seus governos e, consequentemente, o custo de produção desses produtores é bem menor”, destaca.
Para os produtores, no Brasil, os produtores não têm nem um subsídio. “Pagamos muitos impostos nos insumos e o custo para produzir se torna alto. O governo precisa, com urgência, taxar a importação de leite principalmente de países do Mercosul, para que esse leite seja competitivo com o leite produzido aqui”, complementa.
Os últimos anos também foram de intempéries climáticas, que precisaram ser contornadas. “As secas dos dois últimos anos impactaram muito na produção. Nossa propriedade precisou comprar alimento para os animais de outras regiões e com custo altíssimo. Além disso, os alimentos fornecidos aos animais eram de baixa qualidade, o que impactou – e ainda impacta – na produção e acaba por elevar o custo para produzir”, salienta.
‘Foram 36 anos trabalhando com leite. Paramos em 2020. Hoje me arrependo
de não ter parado antes’
Mário e Maria Hammes trabalharam na atividade leiteira por 36 anos. Atualmente, os agricultores cultivam somente grãos na propriedade rural
O casal Mário Hammes, 60 anos e Maria Margarida Haupental Hammes, 57 anos, desistiu da atividade recentemente. Eles estavam há 34 anos na atividade leiteira. “Nós iniciamos na atividade em 1986 porque era uma renda que entrava a cada mês e ajudava a nos manter na agricultura”, recorda o agricultor.
Em janeiro de 2020 o casal optou por encerrar com a atividade leiteira na propriedade. “Surgiu um interessado em comprar o lote inteiro de vacas. Nós tínhamos interesse em vender, mas que, provavelmente, serie em outro momento. Mas, como apareceu essa oportunidade, resolvemos vender”, lembra Mário.
O principal fator para a desistência da produção leiteira foi o esforço para desenvolver a atividade. “Paramos porque já estávamos cansados da lida. Não tem feriado, chuva ou calor, as vacas precisam ser ordenhadas diariamente. São vacas dando cria, outras doentes. Para estar nessa atividade tem que gostar. Se você não se dedicar, se qualificar, é prejuízo na certa”, relata Hammes.
Na propriedade eram de 25 e 28 vacas produzindo leite. No verão, atingia a produção aproximada de 500 litros diários e no inverno ficava entre 700 a 900 litros.
Com o término da atividade, a propriedade focou só no cultivo de grãos, principalmente soja, milho e trigo. “Essa atividade exige bem menos mão de obra e a renda é maior”, destaca.
O casal também era associado da Aproleite. “É uma associação muito importante para a atividade, sempre buscando novas tecnologias, aprendendo com os demais associados, com visitas às propriedades”, contextualiza.
O agricultor pondera que a atividade teve momentos bons e ruins. “Produzir leite sempre foi assim. Melhorava em alguns meses, depois piorava. Hoje os custos estão muitos altos. Os equipamentos estão muito caros, a mão de obra familiar não tem substituição e contratar é caro. Os produtores estão envelhecendo e os filhos não querem essa atividade”, observa.
O casal ressalta que trabalhar com leite é como em qualquer outra atividade. Se não tem renda, se parte para outra mais rentável. “É estranho que, alguns anos atrás, se enxergava vacas nas pastagens em quase todas as propriedades, hoje em uma ou outra. Nossa realidade é essa, infelizmente, e para o município é ruim porque a atividade faz circular a economia”, avalia Mário.
O agricultor finaliza com uma constatação. “Hoje, se pedir para quem parou com atividade se voltaria, acredito que todos vão responder que nunca mais. Hoje me arrependo de não ter parado antes”.
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